A União Europeia e o Mercosul anunciaram nesta sexta-feira, 6, a conclusão do acordo de comércio entre as duas regiões, que é negociado desde 1999. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciaram o fato em Montevidéu. Os presidentes do Brasil, Argentina e Paraguai também estavam presentes no momento do anúncio.
“Os negociadores trabalharam de forma incansável durante anos e tiveram sucesso”, disse Von der Leyen. “Estamos fortalecendo essa aliança única como nunca antes e, fazendo isso, estamos enviando uma mensagem clara e poderosa para o mundo. Num mundo de cada vez mais confronto, demonstramos que as democracias podem se apoiar mutuamente. Esse acordo não é apenas econômico, é uma necessidade política”, prosseguiu. “São ganhadoras ambas as partes.”
Em sua conta na rede social X, ao mesmo tempo, Von der Leyen anunciou: “Concluímos as negociações para o acordo UE-Mercosul. Começa um novo capítulo da nossa história. Agora iremos discutir com os países da União Europeia”, escreveu.
Ela também disse que buscava mandar um recado aos europeus: “Isso é um benefício para a Europa”, afirmou. A mensagem acontece em meio à resistência da França ao acordo. “Estamos cientes de suas preocupações, este acordo inclui salvaguardas robustas”, disse Von der Leyen aos produtores agrícolas europeus.
“Não é só um intercâmbio comercial e o é. Para nossos países, é importantíssimo”, disse Pou. “É muito visível que se colocarmos alguns temas sobre a mesa certamente haverá nuances e, muitas vezes, diferenças. Todos sabemos quão fácil é destruir e quão difícil é construir. Nossa responsabilidade como presidentes dos países é deixar de lado os desacordos e ficar firmes no que nos une”, afirmou.
As negociações começaram em 1999, e o acordo tem por objetivo eliminar a maioria das tarifas entre as duas zonas, criando um espaço de mais de 700 milhões de consumidores. Se adotado, o tratado permitirá que os países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) ganhem o mercado europeu para seus principais produtos, especialmente commodities agrícolas (como carne, açúcar ou soja). A UE, por sua vez, ganharia mais facilidade para exportar produtos industrializados, como veículos, maquinário e produtos farmacêuticos.
“Sei que ventos fortes sopram para o isolamento, mas esse acordo é uma resposta”, disse Von der Leyen. A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos deu novo impulso para a aceitação do acordo entre os europeus. A necessidade de criar novas geografias de comércio em um mundo onde os EUA tendem a se isolar é um fator que, segundo envolvidos nas negociações, tem sido levado em conta.
Trâmite
Anunciar a conclusão do acordo, porém, não garante que o tratado se tornará realidade, mas é uma cartada política que deve pressionar os países resistentes a não oferecer maior oposição.
Depois do anúncio da conclusão, o texto final passa por revisões e entra em fase de tradução para 23 línguas. Só depois disso é efetivamente assinado. A partir daí, precisa ser aprovado pelo Conselho Europeu e, ainda, pelo Parlamento Europeu. É onde a França e países opositores podem tentar bloquear o seu avanço.
Entre os governos opositores na UE, o mais vocal tem sido a França, que conta com o apoio da Polônia. O governo francês tenta convencer Holanda, Áustria e Itália a se juntarem na oposição ao texto e bloquearem a aprovação do acordo. A França, no entanto, está em meio a uma crise política doméstica. Nesta quarta-feira, 4, deputados franceses derrubaram o governo do primeiro-ministro conservador, Michel Barnier, após aprovarem uma moção de censura.
Leia também
A coalizão favorável ao acordo, na Europa, é liderada pela Alemanha e pela Espanha.
Depois da aprovação pelo Parlamento Europeu, os países membros ainda precisam ratificar partes do acordo através dos seus parlamentos. O cronograma do acordo, no entanto, no que tange à parte comercial, já passa a valer após o voto favorável do Parlamento Europeu. No caso do setor de automóveis, por exemplo, a queda progressiva na tarifa até chegar à tarifa zero se dará ao longo de 15 anos (de acordo com o texto fechado em 2019). Este prazo começaria a correr a partir da aprovação pelo Parlamento Europeu.
(Re)conclusão
Anunciar o acordo e não concluí-lo já aconteceu antes. Em junho de 2019, os dois blocos regionais anunciaram a conclusão do acordo. Mas, nos últimos cinco anos, o texto nunca chegou a ser assinado. A conclusão completa do texto e o processo para sua implementação ficaram travados. Isso porque a opinião pública europeia era crítica ao governo Bolsonaro em razão dos índices de desmatamento na Amazônia.
Em 2023, no início do governo Lula, os debates foram retomados. Em março daquele ano, os europeus enviaram ao Mercosul um protocolo adicional para ser incluído no texto, com mais condicionantes de proteção ambiental. O Brasil achou o novo pedido desbalanceado, mas aproveitou para reabrir de vez as negociações em mais um capítulo, além do que fora solicitado pelos europeus, para emplacar mudanças com relação às compras governamentais. À época, a decisão provocou cisão dentro do governo, como revelou o Estadão. Uma ala da Esplanada dos Ministérios acreditava que esse movimento afastaria do horizonte a possibilidade de conclusão do acordo.
De agosto de 2023 até o final de novembro de 2024, foram feitas sete rodadas de negociações em Brasília. O novo texto, acordado pelos negociadores na semana passada, é mantido sob sigilo até agora. Foram feitos ajustes nas seções ambiental e de compras públicas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.