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Veículos elétricos geram corrida por metais, mas indústria ignora envenenamento de trabalhadores

Essencial para a indústria automobilística de carros elétricos, manganês cobrou durante anos um preço à saúde daqueles que o extraem e processam

Por Rachel Chason e Ilan Godfrey

THE WASHINGTON POST - Dirk Jooste nunca foi de beber muito. Mas, numa manhã de segunda-feira, quando chegou no emprego de eletricista em uma mina de manganês no deserto de Kalahari, tremia tanto que seu supervisor perguntou se ele tinha “tomado todas” ou estava de ressaca.

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Jooste, então com 50 e poucos anos, tempo depois perdeu a capacidade de manter o equilíbrio, andar em linha reta e lembrar de coisas tão básicas quanto o nome do programa que viu na TV na noite anterior, ele contou mais de uma década depois. Tempos depois, um médico deu a notícia que chocou Jooste: a poeira fina preta de manganês com a qual teve contato no trabalho todos os dias durante anos parecia ter provocado um envenenamento irreversível.

Conforme a demanda por veículos elétricos disparava nos últimos anos, as montadoras recorreram depressa ao manganês, um mineral comum e relativamente barato que já é utilizado em cerca de metade das baterias recarregáveis e é visto como fundamental para tornar as cadeias de suprimentos mais confiáveis e os automóveis mais acessíveis. A demanda da indústria por manganês quintuplicou nos últimos cinco anos e os analistas preveem que ela pode aumentar em nove vezes até 2030.

Trabalhador em refinaria da Manganese Metal Company, na África do Sul Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Durante anos, no entanto, o manganês cobrou um preço à saúde daqueles que o extraem e processam, de acordo com pesquisas científicas que mostram que a alta exposição a ele pode ser tóxica, provocando uma variedade de danos neurológicos. Na África do Sul, que abriga as maiores reservas de manganês do mundo, entrevistas com dezenas de atuais e ex-funcionários de minas e fundições, assim como com médicos e pesquisadores, destacam o perigo.

Entretanto, em meio ao novo entusiasmo global pelo manganês, a indústria tem demonstrado pouca consideração com esses riscos ocupacionais, de acordo com analistas que focam na transição energética.

Mudança de ares

A mudança para os veículos elétricos já figura com destaque na batalha global contra as mudanças climáticas, e essa transição está alimentando a demanda por uma vasta gama de minerais utilizados na fabricação deles, como manganês, cobalto, lítio e níquel. Para funcionar, os veículos elétricos costumam exigir seis vezes mais minerais que os veículos convencionais, em relação ao peso, com exceção do aço e do alumínio. Mas ainda há pouco reconhecimento dos danos que a extração e o processamento de tais minerais podem causar aos trabalhadores e às comunidades vizinhas.

Mineiros de manganês aposentados e na ativa no deserto remoto de Kalahari disseram que a memória deles ficou fraca depois de anos trabalhando nas minas, enquanto ex-funcionários de fundições tornaram-se incapazes de andar em linha reta. Um estudo recente descobriu que 26% dos mineiros de manganês estudados em Hotazel, a cidade de minas na província de Cabo Setentrional onde Jooste trabalhava, apresentavam sintomas semelhantes aos da doença de Parkinson. Muitos atuais e ex-mineiros disseram que nunca foram alertados quanto aos possíveis riscos da exposição ao mineral. Ex-mineiros e ex-funcionários fundições que manifestaram preocupações disseram ter sido ignorados.

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Analistas que acompanham de perto a indústria de veículos elétricos observam que há pouca discussão entre as montadoras e seus fornecedores sobre os possíveis riscos à saúde, acrescentando que as empresas estão mais preocupadas com a existência ou não de manganês de elevada pureza suficiente – que é necessário especificamente para as baterias de veículos elétricos – para atender à demanda. Tesla, Ford e Chevrolet, que venderam os veículos elétricos mais populares nos Estados Unidos no ano passado, não responderam às solicitações de posicionamento.

Depósito de lixo da Manganese Metal Co. nos arredores de Mbombela, África do Sul Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Aloys D’Harambure, diretor-executivo do Instituto Internacional de Manganês, que representa a indústria de manganês, concordou que o excesso de exposição ao mineral pode levar a danos neurológicos irreversíveis associados à doença conhecida como manganismo. Mas, acrescentou, “graças às tecnologias atuais e regulamentações trabalhistas, assim como medidas de segurança, o manganismo raramente é visto hoje”. Ele disse que o uso de manganês para baterias de veículos elétricos ainda é uma parte tão pequena do mercado geral – a maior parte do manganês vai para o aço – que “ainda não vimos nenhuma discussão ou pesquisas amplas relacionadas com os possíveis impactos na saúde por conta do manganês de elevada pureza”.

A questão é urgente principalmente na África do Sul, que viu sua produção de manganês aumentar em mais de um terço desde 2017 e, como maior produtor do mundo, ela agora representa cerca de 36% do total global, seguida pelo Gabão e pela Austrália.

A South32 e a Assmang, duas grandes empresas de mineração de manganês na África do Sul, disseram que suas estratégias de mitigação de riscos são baseadas em pesquisas sobre os possíveis efeitos da exposição à poeira do manganês à saúde.

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Os médicos e os pesquisadores da área da saúde concordam que a proteção à saúde das pessoas exigirá um maior reconhecimento da ameaça e mais vigilância do que no passado, incluindo uma fiscalização rigorosa, equipamentos de proteção e programas proativos de vigilância médica.

Jooste, por exemplo, tem poucas esperanças. Sentado no consultório de seu médico, Jooste, agora com 65 anos, disse temer que a África do Sul esteja repetindo sua triste história com a mineração de amianto, que continuou durante anos mesmo depois de se reconhecer os riscos à saúde dos trabalhadores e das comunidades próximas.

“Quanto tempo vai demorar até que as pessoas comecem a se dar conta do que está acontecendo?”, disse Jooste em relação ao manganês, com o tom de voz se elevando e irritado. “Mais 30 ou 40 anos? Devemos esperar até que as pessoas comecem a morrer?”

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Uma longa história e uma “nova fronteira”

Já em 1837, um médico escocês, John Couper, detalhou o sofrimento dos trabalhadores expostos ao manganês em uma fábrica de alvejantes nas imediações de Glasgow. Ele registrou homens cambaleando depois de perder a força nas pernas e tendo dificuldades para falar de forma clara, com os músculos faciais paralisados.

Conforme mais estudos eram realizados sobre a doença que ficou conhecida como manganismo, os pesquisadores registraram outros sintomas, incluindo tremores e instabilidade emocional, às vezes denominada de “loucura mangânica”. Eles verificaram que o envenenamento por manganês ocorre quando a substância é inalada ou ingerida, entra na corrente sanguínea e se deposita nos gânglios basais, a parte do cérebro que controla o movimento e o equilíbrio.

Graças às melhorias nas condições de trabalho nas últimas décadas, casos extremos de manganismo agora são raros, dizem os pesquisadores. O que é mais comum, segundo eles, são sintomas sutis, incluindo lentidão de movimentos, rigidez nas articulações, irritabilidade e esquecimento, que podem ser difíceis de se diagnosticar. Tomás R. Guilarte, professor de ciências da saúde ambiental na Universidade Internacional da Flórida, disse que, embora as conexões entre a alta exposição ao manganês e a toxicidade sejam claras, a genética que torna algumas pessoas mais vulneráveis ainda precisa ser estudada.

Em Hotazel, uma cidade cercada por minas gigantes cheias de minério de manganês cinza escuro, o neurologista Brad Racette examinou 187 mineiros de manganês, cuja idade média era de 42 anos. Racette, chefe de Neurologia do Instituto Neurológico Barrow, no Arizona, descobriu que um quarto desses profissionais apresentava sintomas de Parkinson, como movimentos excepcionalmente rígidos e lentos. A equipe dele, que conduziu o estudo entre 2010 e 2014, também descobriu que esses sintomas estavam associados a uma menor qualidade de vida, como relatado pelos trabalhadores em entrevistas.

“Ainda estamos descascando as camadas desta cebola”, disse Racette. “Minha pergunta neste momento é quanto os níveis [de exposição] precisam diminuir para serem seguros.”

Estudos com trabalhadores de uma fábrica italiana que produzia ligas de manganês para a siderurgia no fim da década de 1990 também constataram que os trabalhadores apresentavam lentidão incomum de movimentos e perda de equilíbrio, disse Roberto Lucchini, professor de saúde ocupacional e ambiental na Universidade Internacional da Flórida. Lucchini, que ainda está estudando esses trabalhadores, disse que ao longo dos anos eles desenvolveram níveis relativamente altos de um tipo de acúmulo de placa no cérebro que costuma ser um indicador da doença de Alzheimer.

Ele e outros pesquisadores disseram que os níveis de exposição permitidos por lei continuam altos demais em grande parte do mundo, inclusive na África do Sul. Estudos realizados na Itália, em Taiwan, em Bangladesh e em Ohio destacaram o possível perigo mesmo com exposições abaixo dos limites legais.

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Como as baterias para veículos elétricos precisam de manganês de elevada pureza, disse Lucchini, é provável que exista uma ameaça ainda maior nas refinarias do que nas minas, onde a poeira é mais espessa e, portanto, há menos chances de se atingir o cérebro diretamente. “Esta é uma nova fronteira”, disse Lucchini.

Dificuldade em segurar uma xícara de café

Jooste disse que depois de trabalhar dez horas na enorme mina a céu aberto, ele voltava para casa e se deparava com o nariz, os dentes e até mesmo a língua cobertos pela poeira fina e escura. “Ficava tudo preto”, disse Jooste, que trabalhava tirando a poeira dos aparelhos de ar-condicionado quebrados na mina de Mamatwan. “Tudo.”

Depois daquele dia no passado, quando seu supervisor perguntou se ele estava de ressaca, Jooste foi até a clínica da mina, que era então de propriedade da gigante australiana de mineração BHP Billiton e depois se desmembrou com outras operações sob a razão social de South32. Ele disse que o médico o diagnosticou com doença de Parkinson.

Mas Jooste, um homem alto com uma cabeleira grisalha, notou que alguns de seus sintomas não eram idênticos aos associados ao Parkinson. Quando outro médico receitou remédios para tratar Parkinson, eles não surtiram efeito.

Tempos depois, Jooste acabou no consultório de Tidu van der Merwe, médico do trabalho na cidade vizinha de Kathu, que também tem minas. No início de sua carreira, van der Merwe alertou de forma profética sobre as condições insalubres em uma fábrica de fundição de manganês, onde uma enxurrada de supostos casos de manganismo foram relatados posteriormente. Ele sabia que o trabalho de Jooste na mina tinha como consequência uma alta exposição – ele usava apenas uma máscara fina – e reconheceu que os sintomas dele seguiam o mesmo padrão de muitos na literatura médica. Ele diagnosticou Jooste com manganismo.

Mais de uma década depois, a coordenação olho-mão (capacidade de realizar tarefas usando habilidades visuais e motoras ao mesmo tempo) de Jooste tornou-se tão ruim que ele tem dificuldade de entregar uma xícara de café à esposa sem derramar nada. “Isso não é vida”, disse Jooste, cujo caso foi relatado pela primeira vez no ano passado pela Carte Blanche, agência de comunicação dedicada ao jornalismo investigativo na África do Sul.

Um porta-voz da South32 se recusou a comentar casos individuais, mas disse em um comunicado que a empresa adota “medidas proativas para reduzir o risco aplicando controles em conformidade com as melhores práticas internacionais”, incluindo o uso de equipamentos de proteção para certas equipes de trabalho e sistemas de supressão de poeira e ventilação em minas subterrâneas. O porta-voz disse que se os trabalhadores apresentarem “quaisquer sintomas de doença ocupacional, levaremos isso muito a sério” e que, depois da triagem, eles serão encaminhados para avaliação médica.

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Homens trabalham na refinaria da Manganese Metal Co. em Mbombela, África do Sul, onde executivos dizem que tentam reduzir o risco de envenenamento por manganês Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Embora a ciência seja clara com relação ao possível risco apresentado pelo manganês, a extensão dos danos causados aos trabalhadores na África do Sul permanece incerta, em parte porque há pouquíssimas fiscalizações e pesquisas. Jaco Cilliers, neurologista em Bloemfontein, disse que a triagem para o envenenamento por manganês é rara e que quando ele se reúne com os colegas médicos, este “não é um tema que surge nas conversas”.

Ewert Bohnen, médico contratado por empresas para administrar clínicas em cinco minas de manganês na província de Cabo Setentrional, disse não ter visto casos suspeitos de envenenamento por manganês nos últimos 15 anos. A maioria dos casos que ficou sabendo, segundo ele, são de trabalhadores em fundições, que processam principalmente manganês para a fabricação de aço.

Nas cidades próximas às minas, muitos outros médicos se recusaram a falar com os repórteres sobre o manganês. Um médico da mina de propriedade da Assmang Black Rock desligou quando a repórter disse o motivo de estar entrando em contato. Quatro médicos do trabalho em Kuruman, que, de acordo com a recepcionista deles, trataram “muitos” mineiros de manganês, se recusaram a fazer comentários. Um médico em Hotazel disse numa breve entrevista por telefone ter tido um paciente com manganismo, que morreu, mas não quis conversar presencialmente, dizendo que as perguntas deveriam ser feitas às minas.

Jonathan Myers, ex-professor de saúde do trabalhador na Universidade da Cidade do Cabo, disse ter realizado um estudo na província de Cabo Setentrional há duas décadas que não encontrou efeitos neurológicos adversos devido à exposição ao manganês em mais de 400 mineiros na ativa.

Van der Merwe disse temer que os casos possam passar despercebidos por causa das diferenças de idioma e cultura, sobretudo entre a gestão e a equipe médica, de um lado, e os mineiros negros, que historicamente têm sido o pilar da indústria de mineração da África do Sul, do outro.

“Estou me arriscando ao falar disso”, afirmou, acrescentando que o medo das mineradoras é generalizado.

‘Esquecemos das coisas’

Em dois vilarejos próximos às minas, dezenas de ex-mineiros, todos negros e alguns vestindo seus antigos uniformes, relataram seus problemas de saúde aos repórteres em reuniões informais no centro comunitário. Alguns dos ex-mineiros mencionaram os mesmos sintomas sutis que os pesquisadores identificaram, e muitos disseram ter procurado ajuda médica, mas acabaram ficando sem respostas. Eles falaram de médicos que disseram que as doenças poderiam estar relacionadas ao manganês, mas se recusaram a dar diagnósticos oficiais.

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“Não há transparência”, afirmou Looseboy Picoentsi, 62 anos, no vilarejo de Ga-Mopedi, cujo médico também lhe disse que o enfraquecimento abrupto de sua memória poderia estar relacionado ao manganês. Mas quando Picoentsi tentou conseguir seu histórico médico na mineradora onde trabalhava, escutou que eles não existiam mais.

Looseboy Picoentsi, 62, da vila de Ga-Mopedi, na África do Sul, trabalhou durante anos na mina a céu aberto de Mamatwan; seu médico disse a ele que seu declínio acentuado na memória poderia estar relacionado à exposição ao manganês Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Lekgetho Mosimaneotsile, 64 anos, também de Ga-Mopedi, trabalhou na mina de manganês da Assmang durante 27 anos, muitos dos quais tirando poeira de manganês dos depósitos. Ele disse que começou a sentir dores no peito e esquecer das coisas enquanto ainda trabalhava na mina. Agora, segundo ele, sua memória está tão ruim que quando sai de casa para resolver algo, esquece o que foi fazer. Às vezes, quando acorda de manhã, ele não consegue parar de tremer.

Uma porta-voz da Assmang disse que a empresa conduz um programa de acompanhamento médico e alerta os funcionários sobre os possíveis perigos da exposição ao manganês. A porta-voz, que falou sob condição de anonimato, mencionando a política da empresa, disse que não há casos de envenenamento por manganês nas minas da Assmang.

Em um dos bairros de Hotazel, onde os mineiros atuais vivem em casas subsidiadas pelas empresas, vários deles se queixaram de perda de memória e outros problemas de saúde. Elias Gasejewe, 53 anos, que trabalha numa mina subterrânea de manganês desde 2005, disse estar se esquecendo das coisas há anos e ter a sensação de que sua mente funciona mais devagar do que antes. Embora a mineradora incentive os trabalhadores a usar máscaras, ele disse que ainda vê a poeira escura misturada ao seu catarro.

Ernest Hendrik, 53 anos, trabalhava na mesma mina subterrânea e disse também sofrer de perda de memória, além de apresentar rigidez nas articulações e dificuldades de coordenação motora. Ele disse conhecer muitos mineiros que adoeceram, mas frequentemente depois de se aposentarem.

Quando Boipelo Sekwe, que trabalha como mineira, foi abordada por repórteres e questionada se tinha algum problema de saúde, ela estava comemorando seu aniversário de 48 anos. Ela parou de dançar afrobeats e de beber cerveja e respondeu: “Esquecemos das coisas. Cem por cento de nós esquece das coisas.”

Uma luta por indenizações

As dúvidas de Ezekiel Makhanja começaram no início dos anos 2000, quando ele notou que seus colegas de trabalho em uma fábrica de fundição de manganês em Meyerton, nas imediações de Joanesburgo, estavam adoecendo. Makhanja, que trabalhava no laboratório da fábrica, visitou a clínica do trabalho e perguntou às enfermeiras: “O que está acontecendo aqui?”.

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Ezekiel Makhanja, 59, trabalhava no laboratório da fundição Samancor em Meyerton, África do Sul, testando amostras de manganês; agora ele está muito doente para sair da cama na maioria dos dias, sua profusamente à noite e sofre de tremores frequentes Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Essa questão estaria no centro de um esforço de anos dos trabalhadores de duas fundições para fazer com que as gigantes da mineração donas delas reconhecessem o perigo oferecido pelo manganês.

Na fábrica da Samancor, onde Makhanja trabalhava, na época de propriedade da BHP Billiton e agora da South32, cinco trabalhadores que, segundo os médicos, desenvolveram manganismo, acabaram conseguindo acordos de indenização com a BHP Billiton. Todos eles eram brancos, ocupavam cargos de supervisão e apresentavam sintomas “graves e extremos”, disse Richard Spoor, advogado que os representou. As empresas não responderam às solicitações de comentários sobre os acordos.

Makhanja e centenas de colegas de trabalho, em sua maioria negros que foram demitidos no início dos anos 2000, não receberam nada. Spoor disse que suas tentativas de conseguir acordos para muitos desses trabalhadores foram frustradas porque os médicos só dão diagnósticos oficiais nos casos mais evidentes.

Makhanja, agora com 59 anos, está preso à sua cama a maior parte do tempo hoje. Com dificuldades para falar, ele disse que já faz muito tempo que não consegue andar sem cair. Ele transpira de forma excessiva à noite. Treme e esquece das coisas. Makhanja disse que foi depois de seus amigos e colegas de trabalho – alguns deles na faixa dos 30 e 40 anos –começarem a morrer que descobriu a resposta para a pergunta que havia feito na clínica: “Isso é veneno”.

Em uma fundição da mineradora Assmang nos arredores de Durban, Spoor ajudou dez trabalhadores diagnosticados com envenenamento por manganês a receber pagamentos da agência governamental responsável por indenizar pessoas adoecidas pelo trabalho.

Uma investigação do Departamento do Trabalho da África do Sul sobre a fábrica de Durban concluiu que a Assmang havia criado um ambiente de trabalho perigoso sem alertar os trabalhadores quanto aos possíveis riscos, de acordo com um relatório de 2010 do inspetor do departamento. A agência recomendou, em parte, que os limites de exposição fossem reduzidos para abaixo do limite legal, que o inspetor considerou “não ser seguro o suficiente”.

A porta-voz da Assmang disse que a empresa não estava ciente das conclusões da investigação e contestou os diagnósticos de manganismo, embora reconhecesse que os trabalhadores estavam permanentemente incapacitados.

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O risco é inevitável

A refinaria da Manganese Metal Co. (MMC) em Mbombela situa-se em frente ao famoso rio Crocodile, que leva ao Parque Nacional Kruger, com o maquinário escuro da fábrica contrastando com as colinas verdes das imediações. A empresa, que também produz material para varetas de solda e propulsores de navios, entre outros produtos, é uma das poucas fora da China que produz o manganês de elevada pureza necessário para as baterias de veículos elétricos. Aqui, o minério do Kalahari não é fundido, mas, em vez disso, dissolvido em tonéis roxos enormes de solução de sulfato, depois eletrificado para produzir um metal de elevada pureza que será posteriormente transformado depois de deixar a fábrica na forma de sulfato exigida pelos fabricantes dos precursores de cátodos da bateria.

Durante uma visita guiada para jornalistas, via-se por todos os lados placas lembrando aos trabalhadores de usar máscaras e protetores auriculares. Os funcionários usavam roupas de mangas longas e calças compridas. Hannes Raath, médico que dirige a clínica de saúde do trabalho da MMC há 22 anos, disse que os trabalhadores usam dispositivos para monitorar e garantir que a quantidade de poeira esteja dentro dos limites seguros. Em alguns dos locais com as maiores concentrações de poeira de manganês, poucos empregados foram vistos.

Raath disse que viu de cinco a sete casos de manganismo durante seu trabalho na refinaria, mas nenhum nos últimos anos. Segundo ele, a razão disso é a empresa ter priorizado a vigilância médica, incluindo exames neurológicos e ressonâncias magnéticas de acompanhamento, quando necessário.

O CEO, Louis Nel, disse que a empresa tomou medidas para reduzir o risco o máximo possível, incluindo a implementação de procedimentos de segurança e a oferta de equipamentos de proteção aos trabalhadores. Mas ele reconheceu que algum risco é inevitável. De fato, perto dos fornos onde o manganês é seco, partículas de poeira preta cobriram a tela do telefone de um repórter. Mas Nel disse que a empresa tentou “eliminar o máximo de risco possível”.

Trabalhador quebra placas de manganês em indústria na África do Sul Foto: Ilan Godfrey/The Washington Post

Ainda não está claro com que seriedade a indústria como um todo está encarando o perigo. Analistas de quatro empresas de pesquisa e consultoria que acompanham os setores de veículos elétricos e minerais disseram que o risco do manganês para os trabalhadores raramente é um tema discutido entre as montadoras, os fornecedores e os investidores.

“O foco está em como atender à demanda de uma forma que o custo-benefício valha a pena”, disse Victoria Hugill, analista de pesquisa de baterias da Rho Motion. “As questões e preocupações mais centradas nos trabalhadores recebem menos atenção.”

Sam Jaffe, vice-presidente de armazenamento de baterias da E Source, outra empresa de consultoria e pesquisa, disse que os riscos neurológicos oferecidos pelo manganês “não estavam de modo algum” em seu radar. Ele mencionou que é particularmente difícil avaliar os perigos da produção de manganês de elevada pureza, porque muitas das refinarias estão na China. Da mesma forma, d’Harambure, do Instituto Internacional de Manganês, salientou que mais de 95% do manganês refinado é produzido na China, onde “o acesso às informações sobre a exposição dos trabalhadores, medidas de proteção adotadas pelos produtores e possíveis impactos ambientais e à comunidade é extremamente limitado”.

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Wei Zheng, professor de ciências da saúde na Universidade Purdue, em Indiana, vem estudando a produção de manganês na China há décadas. Ele lembra de ter visto os trabalhadores de uma refinaria na província de Guizhou, que produziam manganês de elevada pureza para uma variedade de usos, incluindo baterias recarregáveis, tirando seus equipamentos de proteção quando entravam na fábrica, escolhendo o conforto em detrimento da segurança.

Zheng, que visitou a refinaria em Guizhou várias vezes, disse que a indústria precisa considerar não apenas as preocupações com a saúde dos trabalhadores, mas também os impactos ambientais mais amplos da expansão das minas de manganês e das instalações de processamento.

“Estamos falando de famílias, vizinhos e comunidades”, disse Zheng. “Não se trata apenas dos trabalhadores. Tem a ver com todos no entorno dos trabalhadores.”

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