O avanço do empreendedorismo de necessidade, que provocou um salto nos últimos quatro anos de 168% no número Microempreendedores Individuais (MEIs), ampliou as preocupações sobre o déficit da Previdência, sobretudo para financiar as aposentadorias a médio prazo.
“Estamos aumentando um bomba-relógio atômica”, alerta o economista Hélio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e coordenador do projeto Salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A figura do Microempreendedor Individual (MEI) foi criada para formalizar trabalhadores brasileiros que desempenhavam diversas atividades, mas não tinham amparo legal ou segurança jurídica.
A legislação do MEI entrou em vigor em 2009. Atualmente o faturamento anual máximo de um MEI é de R$ 81 mil. A contribuição mensal de um MEI para o sistema previdenciário é R$ 70,60 para aposentadoria e outras proteções, como seguro de acidente de trabalho, seguro de vida.
O maior problema, diz Zylberstajn, é que aposentadoria de um salário mínimo que os MEIs terão direito não será coberta por esse valor de contribuição. “Pelos cálculos atuariais, essa contribuição não paga, nem de longe, esse salário.”
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O MEI está em operação há 15 anos. Zylberstajn observa que já deve ter “um batalhão” contribuindo há bastante tempo que, mais para frente, irá se aposentar com direito de receber um salário mínimo.
Os números apontados pelo estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram uma mudança na forma como os brasileiros estão ocupados no mercado de trabalho.
O que puxou a ocupação nos últimos quatro anos foi o empregado sem carteira, o informal (10,4%), e os formais por conta própria (27,4%), com destaque para os MEIs. Ou seja, os trabalhadores que não contribuem para a Previdência ou os que contribuem muito pouco (MEIs). “É muito grave esse movimento que está acontecendo”, diz o professor da FEA/USP.
Conta que não fecha
A conta da Previdência não fecha não só por causa do avanço da informalidade e dos MEIs, mas também por causa da diminuição da fatia de jovens trabalhando e contribuindo e do aumento explosivo da proporção de idosos se aposentando, acrescenta Zylberstajn. “A expansão do mercado de trabalho não está mais no emprego com carteira (de trabalho assinada), os dados mostram isso.”
O aumento da precarização das relações de trabalho é um dos grandes desafios da Previdência, pois diminui a arrecadação e amplia o número de indivíduos expostos aos riscos sociais, observa o economista Lucas Assis, da Tendências Consultoria Integrada.
Outro desafio da Previdência apontado pelo economista é a maior expectativa de vida dos idosos que representa uma crescente fonte de despesas. “Os idosos receberão benefícios, como a aposentadoria por idade e pensão por morte, por mais tempo, prorrogando assim o vínculo previdenciário.”
Saídas para o problema
Diante da alteração do perfil da ocupação no mercado de trabalho, Zylberstajn aponta a necessidade de mudanças no sistema previdenciário. “Não adianta fazer o que fizemos em 2019, que são reformas paramétricas (da Previdência): esticar a idade de aposentadoria e aumentar o prazo de contribuição.”
Faz 20 anos que a Fipe defende uma reforma na Previdência baseada em quatro pilares. O primeiro pilar, que já existe hoje, é que haja uma renda básica para o idoso, sem necessidade de contribuição. Neste caso, seria necessário discutir um valor da aposentadoria compatível com a receita. E os recursos viriam do Tesouro Nacional.
O segundo pilar seria o atual INSS alargado e achatado. Todos entrariam nesse sistema, inclusive militares e funcionários públicos. O limite máximo do benefício seria de R$ 3 mil, que é a renda média do brasileiro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios (Pnad). “Com isso, muda-se o foco para privilegiar os mais pobres.”
O terceiro ponto sugerido seria o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como uma aposentadoria capitalizada. A conta vinculada pagaria uma taxa de mercado para os recursos depositados e o trabalhador poderia optar pelo uso do dinheiro em caso de desemprego ou guardá-lo para a aposentadoria.
O quarto ponto seria a aposentadoria complementar. Ela já existe hoje, mas a adesão é pequena e voluntária, observa o especialista.
Enquanto essa nova reforma da Previdência não vem, Zylberstajn diz que a alternativa é equilibrar as contas públicas, trazer de volta a confiança dos empresários para fazer investimentos, sobretudo em infraestrutura, especialmente em energias renováveis. “O Brasil poderá embarcar num período de 15 a 20 anos de crescimento enorme, com muita criação de emprego com carteira assinada e isso poderá ser a base para preparar a transição do sistema previdenciário.”
O setor de infraestrutura tem muitas deficiências no País e é um grande empregador com carteira assinada. “Esse é um problema, mas pode virar uma solução. O governo precisa ter juízo para não deixar essa coisa explodir.”
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