A presidente da Associação Brasileira de Agências de Propaganda (Abap), Marcia Esteves, acredita que o mercado publicitário brasileiro tem possibilidade de crescer o seu faturamento ao olhar para “além do eixo Rio-SP”. Para ela, há oportunidades em novos setores econômicos ainda pouco explorados pelo mercado, a exemplo do setor energético e do agronegócio.
“Vamos pensar apenas em alguns segmentos, como energia ou o agronegócio. Se nós olharmos apenas por setores, eu posso citar facilmente 10 segmentos econômicos que estão completamente desconectados da publicidade”, disse.
Marcia, que é presidente da Lew’Lara\TBWA, assumiu em março deste ano o comando da Abap. É a primeira mulher na função em 74 anos de existência da entidade, que representa as agências de publicidade.
Em entrevista ao Estadão, Marcia fez um balanço dos primeiros meses à frente da presidência da Abap, apontou alguns dos objetivos que espera debater com os membros da comunidade publicitária nacional em 2024, além de comentar sobre preocupações econômicas em relação à saúde dos negócios das agências de publicidade País afora. “Nós encerramos este ano com a casa absolutamente arrumada para o ano que vem”, disse a presidente.
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.
A sra. conseguiu realizar este ano todos os planos que imaginou logo que assumiu a presidência da Abap?
2023 foi um ano de muito desafio. Na Abap, fizemos um plano com três grandes pilares. O primeiro deles é o olhar inteiro de governança. Nós estamos literalmente terminando os ajustes no estatuto, que é uma coisa que parece simples, mas demanda bastante esforço. Nós re-visitamos todos os parceiros da Abap, montamos o conselho e a diretoria, mas, para fazer tudo isso, só vale se eu tiver modificado o nosso estatuto, que nunca havia sido atualizado em mais de 70 anos da entidade. Eu tenho a sensação de que “ficamos para dentro de casa”.
Nós precisamos ficar para dentro, mas também conversamos com todo mundo do mercado, então encerramos este ano de casa absolutamente arrumada para o ano que vem. Eu gostaria de ter feito muito mais rápido, mas eu te digo que nesses seis meses nós fizemos muita coisa, um ano de muita muita conquista. Agora, faltar algo, sempre falta.
O que faltou então?
Nós queríamos ter feito um evento de posse. A Abap sempre fez o evento de posse do presidente, mas eu quero fazer um evento de posse dos membros do conselho, para mostrar às pessoas o que nós estamos fazendo. Eu queria ter feito este ano e não deu tempo, porque nós precisamos terminar de mexer no estatuto, entre outras coisas. Queremos fazer esse evento para o mercado, para mostrar a cara da Abap.
As pessoas dizem que as agências, que são intermediadoras, vão morrer, mas quanto mais eu converso com as pessoas do mercado, menos eu acredito nisso. Porque as agências são o elo que fomenta um mercado de mais de 400 mil pessoas e porque o trabalho gerado dentro das agências faz um ecossistema inteiro acontecer.
Uma das preocupações é o processo de digitalização das agências. Até 10, ou 15 anos atrás as agências não precisavam muito de processos. Existia apenas a área de operações, você tinha umas cinco áreas diferentes nos negócios, cinco meios para veicular. Você fazia a campanha naqueles formatos, entregava e pronto. Era uma estrutura muito diferente do que existe hoje.
Nesses últimos 10 anos muita coisa aconteceu, nós criamos novas disciplinas, que precisam de ferramentas de operação, de gestão etc. Existe um espaço muito grande nas agências, não só em determinadas regiões, mas em diferentes tamanhos de agências também, porque esse é um investimento muito caro, que não estava na conta de ninguém. Então, esse é um olhar que nós queremos trazer, de ferramentas de processo. Outra coisa é o olhar de digitalização, que ela ainda está muito distante do esperado. Porque nós falamos muito de digitalização, mas ela chega nas regiões de forma muito diferente, até por causa da infraestrutura no nosso País.
Uma das suas metas ao assumir a presidência da Abap era exatamente dialogar com agências de todo o País, saindo do eixo Rio-São Paulo. Como foram essas conversas com o mercado em outros Estados?
Nós também queremos trazer esse olhar com eventos de capacitação fora do eixo Rio-São Paulo. É uma preocupação de como a gente expande isso e traz o olhar de outras regiões. Nossa preocupação é como fazer para a informação chegar a outras praças sem que esses profissionais tenham de vir até São Paulo, por exemplo. A Abap quer olhar para esses problemas internos que ninguém está vendo, porque estamos muito distraídos com os problemas externos do mercado.
Ainda sobre o mercado além do eixo Rio-SP: o mercado publicitário pode crescer em outros Estados, há ‘dinheiro novo’ que pode vir de marcas e agências pelo Brasil afora?
Eu não tenho a menor dúvida. Antes de falar do Brasil, vamos pensar apenas em alguns segmentos, como energia, ou o agronegócio. Se nós olharmos apenas por setores, eu posso citar facilmente 10 segmentos econômicos que estão completamente desconectados da publicidade. Mas aí vem a grande questão: eu preciso investir nisso? Óbvio que esse desenvolvimento de pensamento passa pelo papel das agências de comprovar de que cada real investido em publicidade tem um retorno enorme no PIB.
Nós passamos os últimos anos discutindo sobre esse “rouba monte”, nós não expandimos o mercado. Passamos os últimos anos discutindo se o offline (como TV, rádio e impresso, por exemplo) iria morrer. Ficamos discutindo uma coisa que não tem de ter discussão, porque tem espaço para todo mundo e ninguém vai morrer. Inclusive é nosso papel garantir a sustentabilidade desse ecossistema como um todo. Essa é uma das nossas preocupações, como é que a gente cresce o mercado e desenvolve ele para todas as agências do País.
Falta entender que o Brasil é um “continente”, mas falta também um pouco de interesse, sabe? De sair um pouco do escritório na Avenida Brigadeiro Faria Lima (principal centro financeiro do País), pegar o avião e trabalhar em outros lugares, fazer as coisas acontecerem mesmo. Eu mesmo tenho um encantamento com as agências que eu tenho conhecido fora daqui. De novo, como Abap, nós estamos tentando dar apoio para que esses outros mercados cresçam e se desenvolvam.
Recentemente a Abap foi procurada pela Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro) para discutir a sustentabilidade dos negócios que integram a cadeia produtiva do mercado publicitário. Como ficou essa discussão?
Quando a cadeia enfraquece, o ecossistema inteiro enfraquece. A Abap preza por um ecossistema saudável, com veículos, anunciantes, produtos, todos que estão dentro do mercado. Agora a gente também não pode esconder que o mundo mudou.
Tem uma mudança muito importante no mercado e é por isso que eu gosto muito da solução que encontramos, que é - óbvio, com coerência ética - a manutenção e representação das produtoras. É o nosso dever, porque é uma cadeia muito grande, são profissionais absolutamente capacitados. Nós temos sim, como indústria, de apoiá-los, tanto que montamos um grupo de trabalho interdisciplinar para discutir essas questões, que deve começar a ter reuniões já em janeiro. Acho que é uma boa oportunidade também para, além das boas práticas, a gente definir e entender que o mercado mudou, que tudo está se transformando e que tem algumas coisas que podem sim ser conversadas e acertadas para o bem do ecossistema publicitário.
A sra. é a primeira mulher a chefiar a Abap em mais de 70 anos. Como avançou a pauta de diversidade nesses primeiros meses à frente do órgão na sua gestão?
Eu acredito que esses são pontos principais. O primeiro é a representatividade dentro da diretoria da Abap, que é absolutamente equilibrada, trazendo a voz das pessoas. Inclusive, nós fizemos questão de dividir a participação de membros de agências locais e globais. Sobre a pauta de diversidade, eu realmente acredito na formação de base. Eu tenho visto cada vez mais mais mulheres assumindo as cadeiras de CEO nas agências e eu fico super feliz com isso, de ver que tem um movimento de equilíbrio acontecendo. Porque, por muitos anos, eu fui uma das poucas mulheres presidentes no mercado.
Precisa existir um movimento de capacitar na base essas profissionais. O desafio é como nós, como indústria, garantimos que o nosso mercado ajudará e apoiará na criação desses talentos e no seu desenvolvimento real, independente de cor, credo, raça ou classe social. E isso também é parte do papel da Abap.
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