Quando o preconceito custa caro: os prejuízos de Kanye West com falas racistas e antissemitas

Gigantes como Adidas, Gap e Balenciaga encerraram as parcerias com o artista, que vem sofrendo boicotes e críticas por seus posicionamentos preconceituosos; perda supera US$ 1 bi, segundo a ‘Forbes’

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Foto do author Wesley Gonsalves

Não foi a primeira vez – e provavelmente não será a última – que Kanye West se envolveu em polêmicas. Mas agora o rapper e ex-marido da influenciadora Kim Kardashian está sentindo no bolso o prejuízo pelo que faz e diz. Seus comentários antissemitas, falas com teor conspiratório e apoio ao movimento de extrema direita “White Lives Matter” (”Vidas Brancas Importam”, de tom notoriamente racista, em oposição ao slogan “Vidas Negras Importam”) geraram protestos na internet, críticas de outros artistas e até movimentos de grandes companhias para dar um fim nas suas colaborações com o artista. Segundo a Forbes, o prejuízo do artista passa da marca de US$ 1 bilhão.

Antes de estampar o noticiário internacional por causa das suas atitudes polêmicas, o americano ganhou o estrelato nos Estados Unidos como cantor, compositor e produtor de músicas de hip hop. Com álbuns reconhecidos pela crítica, o rapper americano tem obras listadas pela revista especializada em música Rolling Stone entre os 10 melhores álbuns do gênero e entre as 500 melhores coletâneas de todos os tempos.

Em meio a tantas polêmicas, o rapper americano viu sua fortuna minguar após gigantes da moda abandonarem suas parcerias com ele.  Foto: Evan Vicci/AP

Apesar do sucesso, ao longo dos anos, Kanye West – também conhecido apenas como “Ye” – foi se envolvendo em polêmicas dentro e fora dos palcos, devido suas atitudes, declarações controversas, relacionamentos turbulentos e por questionamentos sobre sua saúde mental. Recentemente, marcas como Adidas, Gap e Balenciaga colocaram fim a contratos milionários com o artista na tentativa de se distanciar de casos que o envolviam. A repercussão negativa em torno do cantor fez até o tradicional museu de cera da Madame Tussauds, em Londres, retirar a estátua em homenagem a West de sua exibição.

Transtorno bipolar?

Há quatro anos, West começou a falar sobre sua (falta de) saúde mental. Em 2018, lançou seu oitavo álbum de estúdio, Ye. Na época, ele divulgou ter sido diagnosticado com transtorno de personalidade bipolar, um dos motes da obra. Na capa do álbum, o artista trazia a mensagem: “I hate being bipolar, it’s awsome” (”Eu odeio ser bipolar, é incrível”, em tradução livre). Nas letras, o rapper narrou a preocupação de sua ex-mulher, Kim Kardashian, sobre a doença.

Kim Kardashian e Kanye West foram casados por sete anos. Assim como boa parte da história do artista, fim do relacionamento esteve envolto em polêmicas e problemas mentais.  Foto: Danny Moloshok/REUTERS

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Em paralelo, algumas das atitudes mais polêmicas do artista, principalmente em relação ao seu casamento, ganharam mais espaço na mídia internacional devido à sua aparição no reality show Keeping Up With The Kardashians, que retratava o dia a dia da família Kardashian. Até mesmo os quatro filhos de Kanye e Kim entraram na lista de polêmicas ao longo dos anos.

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Foi nessa época que o rapper começou a tecer elogios ao ex-presidente americano Donald Trump, divulgou suas opiniões sobre a escravidão de pessoas negras nos EUA, além de ter se metido situações embaraçosas envolvendo nomes da indústria do entretenimento, como nas trocas de acusações com a cantora Taylor Swift, as ameaças à Hailey Bieber -esposa de Justin Bieber- e ao atual namorado de sua ex-mulher Pete Davidson. Mais de uma vez, o estado de saúde e “surtos” foram usados como explicação para justificar falas e publicações questionáveis de West.

Polêmicas recentes

Neste mês, durante a última semana de moda de Paris, o artista compareceu a um desfile da sua marca Yeezy vestindo uma camiseta estampada com a frase “Vidas Brancas Importam”. A atitude foi alvo de críticas nas redes sociais – especialmente pela impressão de que relativizava o movimento “Vidas Negras Importam”, iniciado em maio de 2020 depois que George Floyd, um homem negro, foi morto por Derek Chauvin, um policial branco. Durante uma abordagem policial, o oficial asfixiou o homem, que já estava contido, ao pressionar seu pescoço com o joelho.

Mas usar a camiseta com a frase foi pouco. Depois disso, durante sua participação no podcast Drink Champs, West perpetuou no programa a informação falsa de que Floyd teria falecido em decorrência de uma overdose de Fentanil – um anestésico opióide utilizado como sedativo em procedimentos cirúrgicos –, e não devido a abordagem policial. “Se você olhar, o joelho do cara não estava nem no pescoço”, disse. O caso já foi concluído pela Justiça: o policial Derek Chauvin foi condenado a 22 anos de prisão pelo assassinato de Floyd.

Na semana passada, West causou confusão ao usar uma camiseta “White Lives Matter” (Vidas Brancas Importam) em seu desfile de moda em Paris.  Foto: Candace owens/Twitter

As declarações geraram reações na internet contra o artista, incluindo da família de George Floyd. Diante da disseminação de informações falsas, Roxie Washington, mãe de Gianna Floyd – filha de Floyd –, foi à corte americana para processar West. Na ação, a Roxie pede indenização de US$ 250 mil (aproximadamente R$ 1,3 milhões, na cotação atual) pelas falas “maliciosas” do cantor. Os advogados da família também pediram para o cantor removesse todo conteúdo de suas plataformas digitais que mencionasse a morte de George Floyd.

‘Surtos’ como desculpa

Menos de uma semana depois, West voltou aos holofotes, desta vez, por falas contra a comunidade judaica. Por causa das publicações vistas como antissemitas, suas contas no Instagram e no Twitter foram suspensas. O rapper fez comentários em referência a teorias da conspiração sobre uma suposta influência da comunidade judaica. “Eu vou usar você como exemplo para os judeus que pediram que você me ligasse, para mostrar que ninguém pode me ameaçar ou influenciar”, publicou o cantor em uma conversa com o também rapper Sean Combs – conhecido como Diddy.

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Em seguida, West veio a público se desculpar pelos comentários antissemitas, alegando estar passando por um surto da doença mental, ao mesmo tempo em que disse que “não se arrependia”. “Sinto muito pelas pessoas que machuquei. Sinto muito pelas famílias das pessoas que não tiveram nada a ver com o trauma que eu passei”, escreveu West. O incidente com a comunidade judaica geraria, dias depois, mais um problema ao artista.

Do boicote à saída da lista da ‘Forbes’

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Em resposta a West, marcas como Balenciaga, Adidas e Gap encerraram contratos que mantinham com o artista. A marca de luxo espanhola, que pertence ao grupo Kering, cortou laços com o artista e informou que não tem planos de retomar a relação comercial com West. “A Balenciaga não tem mais parceria ou planos futuros de projetos relacionados com esse artista”, anunciou a grife.

A marca de artigos esportivos alemã conhecida pelas “três listras” também pôs fim à produção da linha de tênis de luxo Yeezy, que no Brasil são comercializados por até R$ 35 mil, em e-commerces focados na alta renda. Em nota, a companhia afirmou que não tolera “antissemitismo ou qualquer tipo de discurso de ódio” e definiu a postura do cantor como “inaceitável, odiosa e perigosa”. “(Os comentários) violam os valores da empresa de diversidade e inclusão, respeito mútuo e justiça”, afirmou, em comunicado.

No caso da gigante norte-americana do varejo de moda Gap, os ataques à comunidade judaica levaram ao fim de uma parceria de cerca de dez anos entre o artista e a companhia, que preferiu retirar todos os produtos da marca de West de suas lojas espalhadas pelo mundo. Em nota, a Gap oficializou a quebra de contrato.

“As observações e o comportamento recentes de nosso ex-parceiro ressaltam ainda mais o porquê (do fim da parceria). Estamos tomando medidas imediatas para remover os produtos Yeezy Gap de nossas lojas e encerramos o YeezyGap.com”, comunicou a rede. “Antissemitismo, racismo e ódio de qualquer forma são imperdoáveis e não tolerados por nossos valores. Em nome de nossos clientes, funcionários e acionistas, estamos fazendo parcerias com organizações que combatem o ódio e a discriminação.”

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Ao ver "portas se fechando" West buscou novas parcerias, mas acabou expulso do escritório da marca de sapatos Skechers, uma empresa de origem judaica.  Foto: Patrick T. Fallon/AFP

Com o impacto em seus negócios, o rapper americano viu seu patrimônio despencar e seu nome deixar a lista de bilionários da revista Forbes. De acordo com a revista que acompanha o patrimônio dos “ricaços”, o fim do contrato com Adidas e Gap retirou US$ 1,5 bilhão do “valor” do artista (mais de R$ 8 bilhões, na cotação atual), deixando o rapper com uma fortuna em aproximadamente US$ 400 milhões (R$ 2,1 bilhões).

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Nas redes sociais, Kim Kardashian publicou uma mensagem classificando falas do ex-marido como “discurso de ódio”. Kim é dona da marca de beleza Skims, na qual West tem uma participação acionária de aproximadamente 5%. Em nota, empresa afirmou que o empresário é apenas um “acionista minoritário” sem participação nas decisões do negócio.

Ao ver as “portas se fechando” em sua direção, o rapper americano buscou novas parcerias, mas sem sucesso. Na quarta-feira, 26, o artista foi retirado do escritório da marca de sapatos Skechers, na Califórnia, Estados Unidos.

A empresa, fundada por uma família de origem judaica, emitiu uma nota ao site de notícias TMZ explicando que o artista foi ao escritório sem aviso prévio e sem convite. Por isso, acabou escoltado para fora do prédio pelos seguranças. Ainda no comunicado, a Skechers declinou qualquer chance de parcerias com West. “Condenamos seus recentes comentários divisivos e não toleramos antissemitismo ou qualquer outra forma de discurso de ódio”, disse, em nota.

Até sua ex-emulher, Kim Kardashian, veio a público tentar afastar sua empresa das recentes polêmicas entorno do cantor americano.  Foto: Julien de Rosa/AFP

Sem a renda das suas parcerias no mercado de moda, o cantor deve manter sua fortuna apenas através dos rendimentos com sua discografia. Segundo afirmou o presidente global do Spotify, Daniel Ek, em entrevista recente à agência internacional Reuters, apesar de classificar as falas antissemitas de West como “terríveis”, o executivo garantiu que obra dele não será retirada do serviço de streaming.

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