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Plano de infraestrutura de Lula vai se espelhar no PAC, diz ex-ministra

‘Nós já fizemos, sabemos quais são as dificuldades, aprendemos em muitas coisas e vamos além do que fizemos’, disse Miriam Belchior

Foto do author Amanda Pupo
Atualização:

O plano para infraestrutura de um novo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se eleito, vai “evidentemente” se espelhar no que foi feito à época do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), marca das gestões petistas, e do Programa de Investimento em Logística (PIL) - voltado ao setor privado. A previsão, dada ao Broadcast Político, é da ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior, escalada por Lula para trabalhar nas propostas de campanha para o setor de infraestrutura. O PAC irrigou o segmento com centenas de bilhões de reais do Orçamento Federal, mas também sofreu críticas por falhas de governança na aplicação dos recursos e pelas repercussões fiscais.

”O nosso plano de investimentos vai evidentemente se espelhar no que fizemos no PAC, no Minha Casa Minha Vida. Nós já fizemos, sabemos quais são as dificuldades, aprendemos em muitas coisas e vamos além do que fizemos”, disse a engenheira ao ser perguntada se Lula implementaria um novo PAC caso se consagre no pleito de outubro.

Miriam Belchior foi uma das lideranças do governo do PT na era do Programa de Aceleração do Crescimento Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Belchior foi uma das coordenadoras do programa. Chefiou no governo Dilma, entre 2011 e 2015, a extinta pasta do Planejamento, Orçamento e Gestão - ministério que pode ser retomado com Lula -, seguindo posteriormente para a presidência da Caixa. Na entrevista ao Broadcast Político, Belchior frisou em diversos momentos que, sem perder de vista a expansão do gasto público, a política de Lula para infraestrutura vai ser composta também por recursos privados, sustentada pela continuidade do programa de concessões, no qual o PT indica que pretende fazer aprimoramentos.

Considerado um dos pilares para a retomada econômica no programa do ex-presidente, o plano de investimento em infraestrutura do PT é dividido em “dois tempos”: um emergencial, focado no primeiro ano de governo, e outro estratégico, que seria desenvolvido ao longo de 2023 e se debruçaria sobre empreendimentos que se conectem com obras estruturantes e promovam desenvolvimento regional. “Isso tanto para obras públicas quanto para concessões do setor privado. Quando fizemos o PAC, tínhamos várias diretrizes - de ampliar os eixos estruturantes, mas também os eixos estaduais. Essa mescla é muito importante, assim como a mescla de modais”, disse.

Com o “emergencial”, a equipe de Lula planeja mergulhar nas áreas em que é possível dar uma vazão rápida a investimentos. Quer acelerar obras públicas que estão em andamento, mas cujo ritmo sofre pelas restrições orçamentárias atuais, e retomar o patamar de desembolso nas rodovias federais. “Essas coisas podemos fazer rapidamente, conseguindo negociar um espaço fiscal para poder viabilizar esses investimentos mais imediatamente enquanto se monta um grande plano mais estratégico de infraestrutura”, afirmou Belchior.

Uma das obras que o PT planeja acelerar é o do segundo trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), em construção na Bahia. Nesse planejamento de urgência, como já mostrou o Broadcast Político, a equipe de Lula fala ainda em dar continuidade a projetos de leilão em fase avançada e analisar a repactuação ou relicitação de contratos com investimentos parados.

A Ferrovia de Integração Oeste-Leste vai ligar as cidades de Ilhéus e Caetité na Bahia. Foto: Ministério da Infraestrutura

Segundo a ex-ministra, a campanha ainda não fechou as contas de quanto seria necessário para tocar esse plano, mas tem clareza de que o volume será maior que o previsto no Orçamento de 2023 enviado ao Congresso pelo governo Bolsonaro, ainda sob a égide do teto de gastos - que Lula planeja rever caso eleito. A peça prevê R$ 4,7 bilhões em investimentos para a pasta de Infraestrutura. Em 2012, período que antecedeu a crise econômica enfrentada por Dilma, a previsão orçamentária para investimentos em transportes chegou a R$ 41,8 bilhões (em valores corrigidos).

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Questionada se é possível chegar a esse valor logo num primeiro ano de eventual mandato, Belchior indicou ser provável que o Executivo não consiga alcançar o patamar em 2023, em função das contas fiscais que estão sendo projetadas para o próximo ano. “Nós fizemos até agora as grandes linhas (do plano), e estamos nos debruçando para começar a constituir o que seriam as obras a serem discutidas com Estados e municípios. Ter uma proposta básica para, a partir disso, chegar em números para discutir com a futura equipe econômica”, respondeu.

Crítico do teto de gastos, Lula ainda não apresentou qual âncora fiscal adotaria num eventual mandato. O que há de certo, até o momento, é que tal regra não irá comprimir o investimento público em infraestrutura como visto atualmente. Belchior reforçou que o modelo fiscal ainda não está fechado, mas defendeu que a sociedade, o setor privado e “até” economistas ortodoxos (mais ligados à teoria do Estado mínimo) reconhecem que esse tipo de desembolso precisa ficar de fora do teto.

“Então, estão criadas as condições para que isso ocorra, independente da nova regra fiscal”, disse. “A regra fiscal pode ou não incluir (os investimentos em infraestrutura). Ela pode ter uma folga suficiente para incorporar a infraestrutura, ou ela pode incorporar uma exceção da infraestrutura. Não está fechado como proposta”, concluiu. Recentemente, Lula voltou a apontar que não vê problema em a União contrair dívida para fazer investimentos.

Problemas. Com a crise econômica iniciada em 2015, que desencadeou no impeachment de Dilma, e a criação do teto de gastos no governo Temer, a redução dos investimentos públicos em infraestrutura se acentuou. A crise fiscal também endossou o entendimento da equipe de Paulo Guedes, já no governo Bolsonaro, de que o Estado não poderia assumir o protagonismo no desenvolvimento da infraestrutura. Problemas identificados no histórico do PAC passaram a ser usados como exemplo de má política para os desembolsos da União. Em 2019, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) apontou haver cerca de 4,7 mil obras paradas remanescentes do programa.

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Apesar dos problemas, Belchior defende que os governos petistas lançaram mão de mecanismos de controle com um “monitoramento forte” dos investimentos. “É importante dizer que a maior parte das obras paradas, acho, nem eram do PAC, eram dos convênios (...) Nós tínhamos um sistema de monitoramento muito forte, exatamente para identificar as dificuldades e ir provocando soluções”, defendeu. Ela reconhece, contudo, a necessidade de aperfeiçoar o sistema, tarefa que poderia contar com a ajuda dos tribunais de contas.

Problemas técnicos nos projetos base de obras do PAC, especialmente nos formatados pelos entes subnacionais, também foram identificados por especialistas como causa de estagnação de empreendimentos do programa. Para Belchior, é preciso dar previsibilidade de que os recursos chegarão ao gestor. “Nenhum prefeito ou governador faz projeto se ele não tiver perspectivas de que ele terá recursos para financiar”, disse, argumentando que, a partir de 2016, com o governo Temer, essa previsibilidade foi cortada.

De acordo com a ex-ministra, o time de Lula que se debruça sobre as propostas de desenvolvimento urbano está também pensando em formas de os municípios, especialmente os menores, ganharem maior capacidade de execução dos projetos. Fechar parcerias com universidades é uma das ideias em estudo.

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PT indica paralisar leilão de Santos e avalia concessão de dragagem

A equipe do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem “enorme preocupação” com o modelo de privatização do Porto de Santos, sinalizando que irá paralisar os planos de leilão caso Lula seja eleito e o certame fique para o próximo ano. A ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior afirmou ao Broadcast Político que o time do petista avalia outras formas de aprimorar a gestão dos portos públicos que não seja pelo modelo criado pelo governo Bolsonaro. Uma das ideias em estudo é fazer a concessão de serviços específicos das companhias docas, como o de dragagem. A atividade é responsável pela remoção dos sedimentos no leito do mar, importante para a navegabilidade nos portos.

De acordo com Belchior, a concessão da dragagem poderá ser uma forma de melhorar “muito” a eficiência desses ativos. “Na nossa discussão com o setor, temos conversado onde ‘pega mais’. E dragagem dos portos é um problema. Hoje, tendemos a conceder a dragagem, isso garantiria a eficiência”, defendeu Belchior ao ser questionada pela reportagem se haveria um “meio-termo” entre o modelo de privatização do governo Bolsonaro e o antigo formato de gestão de portos, loteado por indicações políticas. “Entendemos que a concessão de eventuais outros serviços pode ser a alternativa”, disse a ex-ministra.

O Porto de Santos é o principal polo de exportação do Brasil Foto: Clayton de Souza/Estadão

O Ministério da Infraestrutura ainda insiste publicamente que conseguirá fazer o leilão do Porto de Santos em 2022. Mas o cenário é visto com cada vez mais ceticismo pelo setor e até por integrantes do governo, já que o projeto ainda nem foi remetido para análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Portanto, o futuro visto como mais realista é o da publicação do edital neste ano, com leilão marcado para 2023. No entanto, se Lula se eleger, esse plano deverá ficar frustrado.

“Você está fazendo uma experiência nova, que ainda não foi experimentada, e vai aplicar esse modelo no maior porto brasileiro? Me parece uma coisa muito arriscada”, disse Belchior, lembrando que a primeira experiência de desestatização portuária, da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), teve o contrato assinado apenas recentemente. “No caso do Porto de Santos, o País não pode correr o risco de paralisá-lo (se o modelo der errado). E isso não somos apenas nós que estamos falando”, afirmou a ex-ministra.

Perguntada se, na hipótese de o governo Bolsonaro conseguir leiloar o porto neste ano, uma eventual gestão Lula assinaria o contrato de concessão, Belchior evitou fazer especulações. “Prefiro não conjecturar, prefiro acreditar que uma irresponsabilidade dessa (o leilão neste ano) não seja feita”, disse.

Concessões de rodovias devem ser ‘aprimoradas’ e outorga será reavaliada

Apesar de enxergar a política de concessões rodoviárias como madura no País, já que foi iniciada na década de 90, o PT ainda vê espaço para “aperfeiçoamentos” do modelo, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja eleito em outubro. Além de repensar aspectos da modelagem adotada atualmente, como a cobrança de outorga, o partido avalia ser necessário estudar alternativas às concessões “puras”, em que o ativo é repassado para a iniciativa privada sem contrapartidas da União.

Embora planeje dar continuidade a esse modelo, existe a avaliação de que há um limite de rodovias que podem ser concedidas dessa forma, já que nem todas as estradas são financeiramente atrativas para empresas privadas assumirem a administração, apontou ao Broadcast Político a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior. Segundo ela, um eventual governo petista também vai avaliar as autorizações de ferrovias privadas já assinadas no governo Bolsonaro e “olhar com muito cuidado” o projeto da Ferrogrão.

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Concessão de trecho da BR-163, entre o Mato Grosso e o Pará, principal via de escoamento de grãos do País Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

PPPs em rodovias. As PPPs podem ser viabilizadas de algumas formas, mas, em geral, o conceito prevê uma parceria com a iniciativa privada de modo que a União continue presente no ativo, mesmo após o leilão. Diferente de uma concessão comum, o poder público pode fazer aportes no projeto, por exemplo, remunerando a empresa privada pela prestação dos serviços. Ou seja, exige desembolso de recursos do Tesouro. “Isso está no nosso horizonte, ir diversificando para poder ampliar o tipo de ativo que pode ser concedido, porque nem todas concessões (puras) vão parar de pé”, disse Belchior.

De acordo com a ex-ministra, a campanha também debate se “vale a pena” manter a cobrança de outorga nos leilões de rodovia, diante do “impacto” na tarifa causado pelo desembolso desses recursos pela empresa privada, afirmou Belchior. “Você lembra que a gente não tinha outorga. Há uma discussão tão acirrada sobre o famigerado custo Brasil e aí se cobra outorga, que, é claro, será incorporada na tarifa”, apontou a engenheira. No governo Bolsonaro, o Ministério da Infraestrutura adotou um novo modelo de concessão de rodovias com leilão “híbrido”. Nele, as empresas podem ofertar um valor máximo de desconto no pedágio e, caso mais de uma empresa dê lances com esse limite, o certame é desempatado com outorga.

O modelo foi pensado para evitar os fracassos que marcaram a terceira rodada de leilões rodoviários, ocorrida no governo do PT, quando a média de deságio no valor do pedágio oferecido pelas concessionárias vencedoras chegou a 50%. A tarifa agressivamente mais baixa acabou se tornando, na avaliação do atual governo, um dos empecilhos para as concessionárias bancarem o cronograma de obras e investimentos.

Belchior reconhece que aperfeiçoamentos são necessários. “Temos que perseguir melhorias e tirar os oportunistas do caminho, que tentam aproveitar eventuais brechas da estruturação das concessões para minimizar investimentos e não fazer o que é necessário”, disse a ex-ministra, segundo quem o modelo de desconto máximo da tarifa é um dos itens que a campanha está analisando.

Ferrovias.  Ao Broadcast Político, Belchior também criticou a forma como o governo Bolsonaro estruturou o novo modelo de operação de ferrovias, no qual o Executivo apenas autoriza a construção de traçados que são de interesse do setor privado. O formato foi desenhado pelo Ministério da Infraestrutura em conjunto com o Congresso, em especial o Senado, em que o projeto foi relatado por um parlamentar petista, o senador Jean Paul Prates (RN). “As autorizações podem até servir para as shortlines (traçados de ferrovias curtas), de uma fábrica, por exemplo, até chegar ao tronco de uma ferrovia estruturante, mas não tem nenhum sentido autorização para ferrovias estruturantes”, disse a ex-ministra, pontuando que, se eleito, o governo Lula precisará “avaliar” o que foi assinado pelo governo Bolsonaro.

Sobre o projeto da Ferrogrão, ferrovia demandada há décadas pelo agronegócio e que ligaria Sinop (MT) a Miritituba (PA), Belchior afirmou que a continuidade do empreendimento terá que ser olhada com “muito cuidado”, diante das dificuldades de implementação do traçado, em especial ambientais. “Equacionar a questão ambiental é um eixo fundamental para nós. Nós começamos a fazer ferrovias (nos governos petistas) porque elas têm um custo menor e tornam nossa matriz mais limpa”, disse Belchior.

“Mas precisamos considerar os impactos que teremos. E aí entendo que a Ferrogrão precisa ser analisada com muito cuidado do ponto de vista do impacto ambiental. Do ponto de vista de logística, para área de grãos, ela seria bastante importante, é verdade. Então, ela cumpre esse primeiro requisito, mas como ela pode ser feita sem provocar danos ambientais importantes? Essa é a resposta que precisa ser dada”, concluiu.

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