A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) entrega ao Ministério de Minas e Energia (MME) esta semana o estudo macroeconômico sobre a construção da usina nuclear Angra 3. A informação foi dada ao Estadão/Broadcast pelo presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, que se diz “muito otimista” em relação à aprovação do projeto na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em 4 de dezembro.
O estudo deverá ser “bem denso e amplo”, segundo o executivo, e vai situar Angra 3 no planejamento energético do País. A tarifa de R$ 653/megawatt-hora (MWh) será comparada a outras fontes, além da avaliação do impacto da obra na cadeia produtiva. “Provavelmente vai ter também capítulos sobre a questão do Brasil necessitar de energia de base para poder suportar a entrada de mais energia intermitente”, antecipa Lycurgo. “Não será uma avaliação sobre o estudo do BNDES, mas uma avaliação sobre a necessidade de ter ou não Angra 3″, complementa.
Enquanto aguarda a decisão sobre a nova usina, o executivo comemora o sinal verde que recebeu sobre a aprovação da extensão da vida de Angra 1 pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). A decisão final do órgão, que funciona como uma agência reguladora do setor nuclear, será oficialmente conhecida em dezembro, mas Lycurgo antecipa que a extensão tem “99,999999%” de chance de ser aprovada, e já planeja como colocar em pé a próxima usina nuclear do País, de 1 gigawatt (GW), prevista no Plano Decenal de Energias 2034 (PDE 2034).
“Vamos precisar de um marco regulatório para que a iniciativa privada possa participar dessa nova usina de 1GW. Isso de que a energia nuclear só pode ser feita pelo Estado é tabu, não está na Constituição. A Constituição diz que compete à União as atividades nucleares e o monopólio da mineração. O monopólio é só da mineração, não é da atividade”, afirma. “Se não for feita com uma parceria com o privado, certamente (a nova usina) não vai ocorrer”, acrescentou, ressaltando que é muito mais fácil fazer uma usina do zero do que finalizar uma obra como Angra 3.
Ele explica que com a dívida que a Eletronuclear vai contrair para finalizar Angra 3, de cerca de R$ 21 bilhões dos R$ 23 bilhões necessários — 10% da obra será bancada pelos acionistas, ENBPar e Eletrobras —, ficaria impossível, financeiramente, se comprometer com mais uma usina. Segundo a modelagem feita pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em Angra 3 os acionistas vão participar com R$ 2,2 bilhões, sendo R$ 800 milhões da Eletrobras e R$ 1,4 bilhão da ENBPar, e o resto será financiado pela Eletronuclear junto a bancos, por até 20 anos, que será pago com a venda da energia.
Mais ‘20 anos de vida’
Angra 1, com potência instalada de 640 megawatts, vai ganhar “mais 20 anos de vida” após investimentos de R$ 3,2 bilhões. Com Angra 2, o parque nuclear localizado em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, tem capacidade instalada de 2 GW, que vai subir para 3,4 GW com Angra 3. Segundo o executivo, se o Brasil colocar em prática o que projeta o Plano Nacional de Energia 2050, o Brasil terá 14,4 GW de energia nuclear daqui a 26 anos.
“E será necessário. O consumo de eletricidade vem crescendo com os data centers, hidrogênio, eletrificação. O mundo todo está com projetos de energia nuclear para poder suportar”, explica Lycurgo, citando a usina que a francesa EDF está construindo no Reino Unido (Hinkley Point C), de 3 GW, e as 150 unidades que a China promete até 2035, além da volta do Japão ao setor e as iniciativas da Índia e Itália. “Os números estão cada vez mais galopantes. A China está construindo 29 usinas nucleares nesse exato momento, ao mesmo tempo, e a gente está com dificuldade de tirar uma do chão”.
Somente para manter os equipamentos e pessoal referentes à Angra 3, obra iniciada em 2010, a Eletronuclear gasta R$ 1 bilhão por ano, e ainda carrega uma dívida de R$ 12 bilhões relativa aos 65% que já foram construídos. A construção da unidade foi interrompida em 2015 por denúncias de corrupção, e retomada em 2022.
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Otimista com aprovação em dezembro pelo CNPE, apesar dos vários atrasos que empurraram a conclusão da obra para entre final de 2030 a início de 2031, como antecipou o Estadão/Broadcast em agosto, Lycurgo chama a atenção para a necessidade futura de energia firme no País e no mundo, frente ao crescimento das energias renováveis, que são intermitentes e não conseguem dar segurança e confiabilidade ao sistema.
“A gente tem um custo gigantesco pra desistir do que já foi investido e do quanto será preciso colocar a mais de dinheiro para não fazer a usina. Eu sou presidente da área nuclear, mas eu sou procurador federal de carreira e, como servidor público, me nego terminantemente a dar o braço a torcer e dizer que esse investimento em infraestrutura não vai ser feito. O Brasil precisa investir em infraestrutura de maneira forte, não podemos ficar tendo discussões estéreis”, concluiu.
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