BRASÍLIA – Os ministérios do governo Lula empenharam R$ 8,8 bilhões em despesas não obrigatórias na última semana antes do congelamento que será feito nas contas públicas em 2024. O empenho significa, na prática, que o Executivo federal está comprometendo aquela despesa no Orçamento e faz com que o dinheiro não seja cortado.
Desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento do governo federal, os ministérios começaram uma verdadeira “corrida” em busca de salvar uma parte das verbas. Os órgãos alegam que os gastos dizem respeito ao andamento normal das ações; mas os empenhos, na prática, garantem a liberação dos recursos.
O governo deve publicar nesta terça-feira, 30, um decreto detalhando quais ministérios serão alvo da contenção. Nos bastidores, ministros atuam para garantir o menor corte possível para cada área. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que todas as pastas serão afetadas.
Entre o dia 18 de julho e a última sexta-feira, 26, os ministérios aumentaram o ritmo de gastos de ações que ficam sob controle dos órgãos federais. A corrida incluiu um empenho recorde de R$ 3,4 bilhões em gastos no dia 19 – um dia depois do anúncio de Haddad, valor recorde para um único dia no ano.
O Ministério dos Transportes liberou R$ 2,4 bilhões em verbas em uma semana, priorizando obras em rodovias e o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). O Ministério da Saúde empenhou R$ 1,4 bilhão no mesmo período, incluindo verbas para hospitais e para o programa Farmácia Popular.
Serão R$ 11,2 bilhões bloqueados (despesas congeladas para cumprir o limite do arcabouço fiscal e compensar o aumento de gastos obrigatórios, como Previdência) e R$ 3,8 bilhões contingenciados (despesas congeladas para cumprir a meta fiscal, mediante a frustração de receitas). As duas medidas têm o efeito prático de congelar as programações no Orçamento.
O bloqueio e o contingenciamento só podem ser desfeitos se o Executivo voltar a ficar em dia com as contas e verificar que não há mais risco para o arcabouço e para a meta. A dinâmica, porém, está na contramão, com arrecadação menor do que o esperado e gastos obrigatórios cada vez maiores, especialmente com benefícios previdenciários e assistenciais. A equipe econômica quer transformar o congelamento em cortes definitivos (leia mais abaixo).
Em resposta à reportagem, o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que o empenho é “uma etapa normal da execução orçamentária e do próprio funcionamento da máquina pública”. A pasta disse ainda que o valor da contenção por órgão será estabelecido no decreto. Depois disso, cada ministério terá até o dia 6 de agosto para decidir onde vai aplicar o congelamento.
O Estadão procurou os ministérios que realizaram o maior volume de empenhos na última semana. O Ministério dos Transportes afirmou que o valor empenhado estava previsto pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e não se relaciona ao plano de congelamento. “O Ministério dos Transportes informa que aguarda o decreto e a divulgação oficial sobre o valor do contingenciamento referente à pasta, sem informações prévias a oferecer neste momento”, disse.
O Ministério da Educação, o Ministério das Cidades e o Ministério da Previdência Social afirmaram que os empenhos correspondem ao andamento normal das ações e obras dos órgãos. “Após conhecer o valor do contingenciamento, o ministério irá analisar e reprogramar suas despesas”, afirmou o Ministério das Cidades. O Ministério de Portos e Aeroportos e o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional não comentaram os valores gastos, mas informaram que também aguardam o decreto para avaliar os impactos do congelamento. As outras pastas não se manifestaram.
Governo quer autorização para cortar até 100% das despesas bloqueadas
A equipe econômica quer liberdade para cortar integralmente as despesas que serão bloqueadas e tirá-las do Orçamento para dar suporte ao crescimento dos gastos obrigatórios. O presidente Lula enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional neste mês pedindo essa autorização. Hoje, a lei orçamentária autoriza cortar apenas 30% das programações para cobrir as despesas obrigatórias.
O Ministério do Planejamento afirmou que a proposta tem a finalidade de facilitar a adequação orçamentária, “uma vez que as dotações bloqueadas devem ser utilizadas para atendimento de despesas obrigatórias”.
O congelamento deverá afetar, principalmente, a manutenção do dia a dia dos ministérios e dos órgãos federais. Além disso, custeio de serviços de saúde, bolsas de ensino, programa de escola integral, Auxílio Gás, obras em rodovias, Minha Casa, Minha Vida e o Farmácia Popular poderão ser alvos da “tesourada”.
Até a última sexta-feira, 26, o governo tinha R$ 57,2 bilhões em despesas não obrigatórias que ainda não haviam sido empenhadas e que poderão ser congeladas – o equivalente a 35% do Orçamento do ano inteiro. Tirando os pisos de saúde e educação, porém, sobravam R$ 28,9 bilhões.
Algumas ações de saúde e educação não são classificadas tecnicamente como obrigatórias, mas acabam sendo rígidas pois servem para atingir os mínimos. Então, mesmo que o governo bloqueie essa parcela, precisará liberar os valores até o fim do ano para cumprir os pisos.
Além dos gastos que ficam sob controle direto dos ministérios, o congelamento também deve afetar as emendas parlamentares, recursos indicados por deputados e senadores para seus redutos eleitorais. Dos R$ 3,8 bilhões contingenciados, R$ 843 milhões devem recair sobre as emendas. Até o momento, porém, 76% das emendas previstas para o ano (R$ 37,3 bilhões) já foram liberadas pelo governo e escaparam do ajuste.
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