BRASÍLIA - Após o tom mais amistoso da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo aconselhado por ministros do governo a baixar a temperatura no confronto contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Os interlocutores alertaram Lula que o confronto só contribui para aumentar o prêmio de risco pedido por quem compra papéis do Tesouro Nacional e financia o governo, impactando a curva de juros (situação que ocorre quando o mercado precifica uma alta de juros nos contratos futuros) e pressionando o câmbio.
O dólar mais alto, por sua vez, retroalimenta a inflação e pode retardar a queda de juros. Nesta terça-feira, 6, por exemplo, a taxa nos contratos DI com vencimento em janeiro de 2029 chegou a bater na máxima de 13,41% (ante 13,24% no dia anterior). Já o dólar fechou pelo terceiro dia consecutivo em alta, a R$ 5,19. Só em fevereiro, a moeda acumula alta de 2,42%.
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Para um interlocutor do presidente que preferiu não ser identificado, o caminho é diminuir a tensão para evitar que os dois lados – Lula e BC – fiquem sem saída mais adiante. Mas reconheceu que Lula pode não atender aos conselhos se houver uma escalada do conflito. Em seus dois mandatos anteriores, Lula terceirizava os ataques – ora na figura do então vice-presidente José Alencar, ora com Guido Mantega, ministro da Fazenda. Agora, Lula vem ele mesmo atirando os torpedos na direção do BC.
Segundo apurou o Estadão, duas senhas são consideradas chaves na tentativa de esfriar a crise, ao menos nesse primeiro momento.
A primeira foi o teor da ata do Copom, divulgada na terça-feira, no início da manhã, mostrando que parte dos seus integrantes enxerga potencial do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo de reduzir o rombo das contas públicas e diminuir as incertezas fiscais apontadas como risco pelo BC para o controle da inflação.
A outra foi a declaração do próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a ata foi mais “amigável” do que o comunicado divulgado logo após a reunião do Copom da semana passada, que manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano. No comunicado, o BC alertou para o risco fiscal e a deterioração das expectativas de inflação, sem considerar o plano Haddad. O que mais irritou o governo foi a posição do BC de que poderia manter o atual patamar de juros, considerado alto, por um período a mais.
“A ata do Copom veio melhor que o comunicado. Uma ata que foi mais extensa, mais analítica, colocando pontos importantes sobre o trabalho do Ministério da Fazenda. A ata foi, vamos dizer, mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, disse Haddad pela manhã.
Na noite de segunda-feira, Haddad tinha cobrado uma ata mais “generosa” do que o comunicado, ressaltando que as incertezas fiscais são herança do governo Bolsonaro.
Em encontro fechado com parlamentares da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, tentou amenizar a crise e negou que exista qualquer tipo de animosidade contra Campos Neto, segundo relato feito pelo presidente da frente, Marco Bertaiolli (PSD-SP). O deputado contou que Alckmin comparou a situação a uma “divergência de entendimento” e que nenhuma crítica pode ser levada a Campos Neto na figura de pessoa física.
Na tarde de terça-feira, a gravação de uma entrevista feita pelo presidente em café da manhã com veículos alinhados ao governo foi divulgada à tarde pelo Palácio do Planalto. Na entrevista, Lula voltou a fazer ataques a Campos Neto e disse que ele deve explicações.
Como forma de pressão, parlamentares do PSOL e do PT, no entanto, pretendem apresentar requerimento para convidar o presidente do BC a comparecer numa audiência pública na Câmara para explicar as razões dos juros altos. Por ter integrado o governo Bolsonaro, Campos Neto é visto pelos políticos da esquerda como uma espécie de “cavalo de Tróia” para atrapalhar o governo e a retomada do crescimento.
Esses deputados falam em propor mudança na autonomia do BC, mas nem mesmo o governo vê chances de um projeto desse tipo passar no Congresso. Na Câmara, a autonomia do BC teve como padrinho o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e o Senado hoje é formado por forças políticas mais conservadoras que se opõem ao governo Lula, o que dificultaria também qualquer plano para tirar o presidente do BC do cargo. Campos Neto já disse que vai ficar na presidência do BC até o final do seu mandato em 2024 e que vê o momento atual como teste da consolidação da autonomia da instituição.
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