BRASÍLIA - O ano de 2025 começará para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com uma tarefa ainda mais árdua e urgente do que a do final de 2024. Caberá a ele reverter a crise de confiança que se acentuou nas últimas semanas e que já levou a um choque de juros que mais cedo ou mais tarde atingirá a economia real.
A dúvida é se Haddad terá força política para conseguir medidas de ajuste fiscal mais sustentáveis, depois de ter sido derrotado na queda de braço interna do governo. Da ideia original da Fazenda, de colocar as principais rubricas do Orçamento dentro do limite de crescimento do arcabouço fiscal, de 2,5% ao ano acima da inflação, apenas o salário mínimo e as emendas parlamentares foram incorporadas.
As áreas de saúde e educação foram poupadas, e as medidas enviadas ao Congresso pela pasta sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foram, em sua maior parte, derrubadas pelos parlamentares e vetadas pelo presidente Lula, após acordo de líderes.
Na visão do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, a tarefa de Haddad de recuperar a confiança é uma missão “quase impossível”, porque depende do convencimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“O ministro tem uma tarefa: ganhar credibilidade - o que será uma bastante difícil, quase impossível. Ele precisaria acabar com a indexação dos programas sociais ao salário mínimo ou desindexar o salário mínimo do crescimento do PIB, ou desindexar os gastos com saúde e educação da Receita Corrente Líquida”, afirmou.
A incerteza quanto à sustentabilidade da dívida pública jogou o dólar para a casa dos R$ 6 e levou a uma forte piora das expectativas de inflação, o que obrigou o Banco Central a anunciar que a taxa básica de juros (Selic) chegará a 14,25% ao ano já na reunião do Copom de março.
O impacto dos juros foi exposto no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) do BC. De setembro a dezembro, entre a divulgação dos dois relatórios, o País passou por um “choque de juros” no mercado futuro, onde os investidores projetam tanto a taxa Selic quanto a inflação, e depois negociam o quanto estão dispostos a receber de rendimentos para carregar os títulos do governo.
Em três meses, houve o que os economistas chamam de “deslocamento da curva” de juros, quando há uma piora para todos os vencimentos (veja gráfico abaixo). Os números indicam que os juros reais (acima da inflação) estão projetados para 8,76% em junho de 2025 - um aumento de mais de dois pontos porcentuais em relação aos 6,62% previstos pelo mercado em setembro.
“A curva de juros subiu bastante em toda a sua extensão, refletindo uma trajetória da política monetária ainda mais restritiva e o aumento do prêmio de risco. Nesse ambiente, muitos investidores liquidaram suas posições otimistas no País, o que amplificou os movimentos”, explicou Sérgio Goldesntein, estrategista-chefe da Warren Investimentos.
Com juros reais tão elevados, empresários pensarão duas vezes antes de fazer contratações e investimentos, com impacto sobre a economia real.
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“É inevitável que isso gere um arrefecimento não desprezível da atividade ao longo do próximo ano. Essa conjugação de condições financeiras muito restritivas e política monetária bastante apertada afeta tanto o canal de crédito quanto o nível de confiança dos consumidores e dos empresários. Assim, tanto o consumo como os investimentos devem desacelerar”, disse Goldesntein.
José Márcio Camargo entende que, mantido esse patamar, os juros reais podem levar a economia a uma recessão no final do ano. É contra esse cenário adverso que Haddad terá que lutar.
“A política fiscal ainda está muito expansionista. Vai desacelerar, e acho que no final do ano podemos ter recessão”, disse.
Impasse nos números
Em conversa com jornalistas na sede do Ministério da Fazenda, em dezembro, Haddad afirmou que o mercado financeiro não está fazendo as contas certas sobre as medidas de impacto do pacote aprovado. Pelos números da pasta, as perdas de economia na tramitação foram de apenas R$ 2,1 bilhões em dois anos, caindo de R$ 71,9 bilhões para R$ 69,8 bilhões.
No mercado financeiro, contudo, os investidores estão mais céticos, prevendo perdas com as alterações em até R$ 20 bilhões. Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, a diferença entre os números expõe o ceticismo que os investidores têm na capacidade de Haddad oferecer novas medidas de ajuste.
“Como o próprio Haddad insiste na ideia de que o mercado não entendeu o pacote, fica difícil acreditar que virá algo melhor. Tenho impressão de que o Haddad vai seguir nas tentativas de ajuste via arrecadação, tentando compensar a isenção de R$ 5 mil no Imposto de Renda. Mas é uma tarefa inglória. A oportunidade dada foi em novembro” afirmou Vale.
Para o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, a prioridade do Ministério da Fazenda continuará sendo a política fiscal. Além de retomar medidas que já foram desconsideradas pelo governo, ele diz que uma das saídas seria o governo tentar reduzir o teto de aumento de gastos do arcabouço fiscal, atualmente de 2,5% ao ano acima da inflação.
“A prioridade total é na agenda fiscal. A tarefa é retornar com medidas que tenham impacto significativo na redução das despesas para restabelecer a confiança. Em parte, são medidas que ficaram de fora da versão final do ajuste aprovado: desvinculação dos gastos de saúde e educação (da arrecadação do governo), mudanças nos critérios de acesso ao seguro-desemprego, BPC. Seria fundamental também propor redução no limites de crescimento global das despesas, que atualmente é 2,5%”, disse.
Além do fiscal
Embora tenha dito que o pacote enviado ao Congresso foi a “primeira leva” de medidas, Haddad ainda não deu sinais do que pretende fazer em 2025. Ele afirmou que “lutou por mais”, mas que era preciso ouvir outros ministério e que a decisão caberia ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sobre a agenda que vai além do fiscal, o ministro afirmou, no café com jornalistas, que há uma série de projetos da agenda microeconômica que já foi encaminhada ao Congresso. “Existe uma série de leis que ainda não foram apreciadas, mas que já foram enviadas por nós, sobretudo de reformas microeconômicas”, pontuou.
Além disso, haverá a implementação da reforma tributária, medidas para adequar o Brasil às regras da OCDE e a taxação das big techs.
“Em 2025 vamos ter uma atividade interna na Fazenda para fazer a normatização do operacional da reforma tributária; atividade intensa com os Estados. Vai demandar muito da Secretaria Extraordinária (da reforma tributária). A Receita tem projetos importantes sobre os pilares 1 e 2 da OCDE, relativo às big techs, uma série de reformas setoriais importantes. A agenda é essa”, afirmou Haddad.
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