A transformação digital do varejo, acelerada pela pandemia, está mudando rapidamente o perfil do emprego no comércio. Profissões ligadas diretamente ao varejo online foram as que mais ampliaram as contratações com carteira assinada nos últimos quatro anos, embora os vendedores ainda representem a grande massa de trabalhadores formalmente ocupados no comércio.
Entre 2019 e 2023, das dez profissões que mais aumentaram o estoque de postos de trabalho no comércio varejista, a maioria está ligada ao e-commerce, revela um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), feito pelo economista Fabio Bentes, a pedido do Estadão.
Os grandes destaques no período foram para as admissões de auxiliar de logística, expedidor de mercadorias e estoquista, cujo número de contratações líquidas (descontadas as demissões) mais que dobrou no período em relação ao estoque de empregados na função.
Já o tradicional vendedor - que em dezembro do ano passado respondia por quase 20% dos 8,5 milhões de trabalhadores empregados formalmente no comércio - nem aparece entre as dez ocupações que mais ampliaram o número de vagas nos últimos quatro anos. Nesse período, a quantidade de postos de trabalho para a função de vendedor aumentou apenas 4,1%.
“O varejo está demandando profissionais com características diferentes do que demandava antes da pandemia”, afirma Bentes. O economista observa que essa mudança vem ocorrendo num ritmo muito acelerado justamente porque o comércio precisa se adaptar à nova realidade de digitalização do consumo, que foi impulsionada pela crise sanitária e não parou de avançar.
Para constatar a mudança do perfil do emprego, Bentes usou dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho de 2021, a última edição divulgada. E atualizou esses dados até dezembro de 2023 pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Das 2,5 mil ocupações existentes no varejo, foram consideradas no estudo as mais relevantes. Isto é, somente aquelas que empregam pelo menos um trabalhador em cada mil ocupados no setor.
Online X físico
O forte desempenho das vendas do comércio online em relação às vendas do varejo físico deixa claro por que o perfil do emprego no comércio está mudando rapidamente, observa Bentes. No entanto, o comércio eletrônico ainda responde por uma pequena fatia das vendas do varejo como um todo, menos de 10%.
Em 2020, por exemplo, o primeiro ano da pandemia, o volume de vendas do comércio eletrônico cresceu 78,6%, descontada a inflação, segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC). No mesmo período, as vendas do varejo restrito – que exclui veículos e materiais de construção – avançou só 1,2%, também em termos reais, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De lá para cá, a taxa de crescimento do comércio eletrônico desacelerou. Mas, ainda assim, o avanço em relação ao ano anterior ficou muito acima do registrado no varejo tradicional.
No ano passado, o volume de vendas no varejo cresceu 1,7%, segundo o IBGE. Os dados do varejo online de 2023, apurados pelo MDIC, ainda não foram divulgados. Mas, pelo histórico do desempenho, o economista da CNC acredita que o volume real de vendas do comércio eletrônico tenha avançado muito mais do que a média do varejo físico. “Seguramente deve ter crescido algo entre 7% e 10%”, prevê.
Isso justifica a demanda crescente por mão de obra para funções do varejo online, que tem ganhado musculatura como um grande empregador. O marketplace asiático Shopee, por exemplo, informa que emprega mais de 10 mil trabalhadores no País. Isso equivale ao total de empregados na rede varejista de materiais de construção Leroy Merlin em 2022, segundo o ranking da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
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Por sua vez, o marketplace Mercado Livre encerrou o ano passado com 22, 7 mil empregados, segundo a empresa. É quase 45% a mais do que no ano anterior. Tanto na Shopee como no Mercado Livre, a maior parte dos postos de trabalho está ligada à logística e à tecnologia.
Os dados mostram que a percepção de que o varejo online não emprega é equivocada. A questão, ressalta Bentes, é que o setor demanda outro tipo de profissional.
Agência e sindicato sentem a mudança
“Antes, a gente atendia e abastecia o varejo de rua com as posições presenciais. Agora, temos um movimento crescente do comércio eletrônico”, diz Debora Herdeiro, gerente de recrutamento e seleção da Luandre, uma das maiores agências de empregos do País.
Há cinquenta anos no mercado, a agência tem hoje 1.789 vagas de auxiliar de logística para serem preenchidas até meados de março. Os postos de trabalho são oferecidos por cinco grandes companhias, que incluem tanto as dedicadas ao comércio online, como varejistas tradicionais que estão se digitalizando.
Já o número de vagas disponíveis na agência só para o varejo físico neste momento é bem menor. São cerca de 700 postos de trabalho. Se forem descontadas as vagas direcionadas para a Páscoa, esse número cai para 200 empregos, observa a gerente.
A mudança do perfil do emprego no comércio também foi notada por Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). No último Mutirão do Emprego, por exemplo, realizado em meados do ano passado pelo sindicato, as ofertas de vagas para o varejo online cresceram 20% em relação ao evento do ano anterior, embora as lojas físicas tenham respondido pela maior parte das vagas ofertadas no mutirão.
Ranking das profissões
Das 976.726 vagas criadas no comércio varejista como um todo entre dezembro de 2019 e dezembro de 2023, quase 40% (372.152) ficaram concentradas em dez profissões. Destas, sete estão ligadas diretamente ao varejo online, aponta o estudo da CNC.
No topo da lista está o auxiliar de logística, com a geração de 15.339 postos de trabalho no período e crescimento de 127,2% em relação ao estoque de vagas, seguido pelo expedidor de mercadorias (6.634 postos e crescimento 118, 9%), estoquista (40.074 vagas e alta de 102,7%) e embalador (54.906 postos e crescimento de 62,3%).
O auxiliar de logística é a função mais básica do varejo online. Ele atua na separação e na organização das mercadorias já vendidas pelo e-commerce. Por ser a porta de entrada do emprego no comércio online, pode ser comparado ao tradicional vendedor da loja física, que durante anos também foi o primeiro emprego de muitos trabalhadores.
De acordo com dados do Caged, o salário médio mensal de admissão de um auxiliar de logística em 2023 foi de R$ 1.687. É 8,7% acima do salário médio mensal de admissão de um vendedor no mesmo período (R$ 1.552).
Débora, da Luandre, lembra que, além do auxiliar de logística, cujo trabalho está muito mais ligado ao esforço físico na separação de mercadorias, há funções mais estratégicas demandadas pelo varejo online, como armazenamento, gerenciamento de estoque, distribuição e processamento de pedidos, por exemplo. Essas funções exigem familiaridade com números, leitura de planilhas e processamento de dados estatísticos.
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