'Não é essa notícia que provocará o juízo final'

Para o economista, o rebaixamento dos países europeus faz parte do processo de solução do problema

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Por Redação

O ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Carlos Mendonça de Barros, avalia que o efeito da redução da nota de crédito da França será limitado. "Não é essa notícia que vai provocar o juízo final. Evidentemente, a mídia e os mercados, que estão muito especulativos, vão fazer disso um escândalo", afirmou ao Estado. "Mas o que interessa são as decisões que estão sendo tomadas para reduzir o déficit da França, que é o que já está ocorrendo." A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira, logo após a divulgação do rebaixamento do rating francês. A perda do rating AAA pela França muda algo para a economia global?Para mim, não muda nada, porque a situação da França é pior do que era antes. É um não evento. Não é essa notícia que vai provocar o juízo final. Evidentemente, a mídia e os mercados, que estão muito especulativos, vão fazer disso um escândalo. Mas o que interessa são as decisões que estão sendo tomadas para reduzir o déficit da França, que é o que já está ocorrendo. Continuo achando que a Europa vai conseguir sair dessa situação. O próprio rebaixamento desses países faz parte do processo de solução do problema. O político, se não houver pressão externa forte, não toma as decisões antipopulares que tem de tomar. É um processo que os mercados chamam de maçarico. Você põe pressão sobre os governos. Foi só por isso, aliás, que a Itália caminhou para um governo muito mais equilibrado. Acredito que, terça-feira ou quarta-feira, os mercados já voltem para a normalidade. Mas friso que é muito importante continuarmos com notícias favoráveis dos Estados Unidos. A crise europeia é uma com os EUA se recuperando e outra com os EUA também em dificuldades. O sr. avalia, então, que a toada otimista dos mercados neste início de ano pode se manter? A medida mais importante já foi tomada, ou seja, o Banco Central Europeu fazer o que fez. Qual era o quadro anterior? Havia uma crise no mercado de dívida soberana (dos países) e uma rolagem de mais de US$ 600 bilhões a ser feita pelos bancos europeus. Todo mundo sabia que, se os bancos não conseguissem rolar, seria um problema a mais para os países. Mas o BCE teve coragem de tomar as medidas que tomou. Além disso, o novo presidente do banco (o italiano Mario Draghi) não é enrolador como o anterior (o francês Jean-Claude Trichet). Ele é um sujeito que fala as coisas direito, não enrola, não dá duplo sentido para suas frases. Em fevereiro, há um novo leilão, no qual o BCE vai aceitar até mesmo empréstimos dos bancos para o setor privado. Essa foi a grande mudança nas últimas duas, três semanas. Tirou-se do mercado o temor sobre os bancos. Quando está vencendo bônus dos bancos, eles usam dinheiro do BCE para resgatar. Esse dinheiro, por sua vez, vai para as mãos dos investidores. Esse pessoal, ou parte deles, está indo para os leilões de Espanha e Itália. Só que para os papéis de curto prazo, justamente os que vêm registrando quedas nos retornos pagos ao investidor. Muitos analistas têm chamado a atenção para o efeito que o rating menor da França terá sobre a composição do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Há realmente algum efeito prático? Sim. O fundo vai captar com uma taxa um pouco mais alta. Mas, mesmo a França virando AA, ninguém questiona a capacidade de o país honrar suas dívidas. As agências relacionam suas nota com uma maior ou menor dificuldade fiscal dos países. A França tem uma dificuldade maior. O título emitido por esse fundo terá um spread (diferença) maior em relação aos papéis da Alemanha. Mas não é nada dramático. A questão central é que os bancos foram tirados do foco e isso acalmou o mercado. Agora, a Europa precisa continuar a caminhar. O plano de voo já está estabelecido. Estou velho demais para ver o fim do capitalismo. Deixo para os mais jovens. Vai andar e vai dar certo. O que importa é que o BCE passou a ser um agente extremamente positivo na solução do problema. O que tudo isso significa para o Brasil?A relação do Brasil com a crise europeia é bipolar. Se a crise continua - e vai continuar - sem ruptura, é bom para o Brasil. A gente fica mais atrativo em relação à Europa. Mas se houver uma ruptura na Europa, estamos falando de uma crise de proporções muito grandes. Sofreríamos muito. Seria pior do que a crise pós-quebra do banco Lehman Brothers. Acho importante, nesse movimento de ratings, que o Brasil vai no caminho contrário. Nos próximos dois anos, não há razão para o País não receber mais uma ou duas elevações. A dívida interna federal já é A- por uma das principais agências e acho que vai passar a mais dentro de três a quatro anos. Ou seja, desgraça de alguns, alegria de outros. Mas que fique claro: a alegria do Brasil precisa que a desgraça europeia não seja tão grande assim. Imagine quando as coisas se acalmarem e o mercado vir o Brasil com esse juro alto e um rating em A ou perto disso. Vai ser uma entrada de dinheiro maciça. E o ministro Guido Mantega vai ficar bravo com a desvalorização do dólar ante o real, que ele diz que não volta mais para R$ 1,60. Ele que reze, então, para dar uma crise mais brava na Europa. Do contrário, o dólar cai mesmo. Hoje (sexta-feira), antes dessa história da França, o mercado já estava levando o dólar para R$ 1,75. / L.M.

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