Como a Afya, criada em Tocantins, se tornou a líder no ensino de medicina do País e chegou à Nasdaq

Companhia, hoje controlada pelo grupo alemão Bertelsmann, investiu R$ 3,2 bilhões na compra de dez faculdades de medicina nos últimos três anos

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

Fundada pelos médicos Nicolau e Rosangela Esteves em 1997 no interior do Tocantins sob o nome NRE, a companhia de ensino de medicina Afya chegou a Wall Street com uma abertura de capital na Nasdaq 22 anos depois, em 2019. Foi uma trajetória relativamente rápida, impulsionada por várias aquisições no caminho, e que ganhou uma velocidade ainda mais impressionante após o IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) nos Estados Unidos. Nos últimos três anos, a empresa tornou-se a principal consolidadora do setor no País, investindo R$ 3,2 bilhões na compra de dez faculdades de medicina, que somam 1,5 mil vagas por ano.

A expansão por meio de aquisições está longe de chegar ao fim. A empresa promete adquirir instituições que lhe garantam 200 novas vagas por ano e chegar a um total de 4,5 mil em 2028. O número representa 15% do mercado de ensino de medicina do Brasil e significa um aumento de 50% na comparação com o volume de vagas atual. Atualmente, a companhia possui cerca de 3 mil vagas para oferecer anualmente e 18,1 mil alunos de graduação.

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“É um ritmo conservador de expansão, comparado com o que temos feito nos últimos três anos”, diz o CEO, Virgilio Gibbon. Apenas na última operação, realizada em outubro, a empresa comprou, por R$ 825 milhões, duas faculdades que oferecem, juntas, 340 vagas por ano. Foi a maior aquisição desde o IPO.

Hoje, a Afya atua não só com faculdades, mas também com cursos preparatórios para residência médica, pós-graduação na área de saúde e plataformas digitais que auxiliam o trabalho médico. A intenção da empresa é ter produtos para oferecer ao profissional durante toda sua carreira.

A estratégia da Afya tem sido vista como bem sucedida no mercado financeiro. Nos nove primeiros meses deste ano, a empresa registrou uma alta de 38,2% na receita líquida na comparação com o mesmo período de 2021, atingindo R$ 1,7 bilhão. Sem considerar as unidades de negócios adquiridas no período, o crescimento foi de 15,6%.


Dos nove bancos que cobrem a Afya, seis recomendam a compra de ações da empresa e três são neutros. “Ela se diferencia do resto das empresas de educação porque tem uma exposição muito acima da média ao curso de medicina, que é o mais rentável e sustentável no Brasil”, diz o analista Vinicius Figueiredo, do Itaú BBA.

O ensino de medicina também tem se mostrado mais resiliente do que qualquer outro. Graduações de outras áreas sofreram durante a pandemia, devido a altos índices de evasão, e agora lutam para se adaptar a uma maior presença do ensino à distância, que tem margens mais elevadas, mas também maior desistência por parte dos alunos. Com uma carga relevante de aulas práticas, os cursos de medicina não enfrentam esses desafios.

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“Ainda que o custo de um curso de medicina seja alto, dado que exige investimentos em equipamentos e às vezes estrutura hospitalar, as mensalidades cobradas compensam. Sem dúvida, é a menina dos olhos de toda instituição de ensino”, diz William Klein, CEO da consultoria da área de educação Hoper.

No caso da Afya, a média das mensalidades foi de R$ 9.351 entre janeiro e setembro deste ano. No mesmo período de 2021, havia ficado em R$ 8.591. O aumento foi de 8,8%, ou 4,71 pontos porcentuais a mais que o IPCA. Figueiredo, do Itaú BBA, destaca que a companhia é uma das poucas do setor de educação superior que têm conseguido repassar a inflação aos estudantes nos últimos anos.

Para Gibbon, ritmo de expansão projetado para os próximos anos é conservador se comparado com o que foi feito desde o IPO Foto: Daniel Teixeira

Os especialistas afirmam que, enquanto houver regiões no País com um número de médicos baixo em relação ao total da população, o ensino de medicina deve continuar em boa forma - e favorecer empresas como a Afya. “A companhia ainda tem muito espaço para crescer no Brasil. Há apenas algumas microrregiões de determinados Estados em que a oferta de vagas é realmente grande. São raros os casos em que sobra uma ou duas vagas”, diz Klein.

O CEO da Afya destaca que a ampliação tem sido feita de forma disciplinada. Na expansão das unidades já em operação, por exemplo, considera-se que o número de novas vagas ofertadas será metade do que a empresa poderia ter. Ainda assim, Gibbon diz que pretende estar em todos os Estados do País. Por enquanto, tem unidades em 12 Estados.

Hoje, os analistas de banco que acompanham a empresa citam o desafio de integrar todas as aquisições como o maior risco para a Afya. Por ora, no entanto, o analista do Itaú BBA afirma que a companhia tem se saído bem nesse trabalho. “É o modus operandi deles. Eles têm facilidade para operar.”

Se na graduação, a empresa não tem dificuldades, na sua área digital, os desafios têm sido maiores. A plataforma na internet de preparação para provas de residência Medcel decepcionou os investidores neste ano.

No segmento, a concorrência é grande, e a empresa não tem se destacado como o esperado. Além disso, por se tratar de um negócio digital, a companhia acompanhou o desempenho negativo das empresas de tecnologia verificado em todo o mundo conforme a taxa de juros nos EUA subia. “O baque foi maior no primeiro semestre. Mas esse ainda é um ponto que pesa para o investidor”, diz Figueiredo.

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Tanto o segmento digital como o de pós-graduação pressionaram, no início deste ano, as margens da Afya como um todo. Gibbon, porém, lembra que os serviços ligados à área digital começam com margem menor, mas crescem rapidamente. Em relação à pós-graduação, ele frisa que o segmento teve dificuldades durante a pandemia, quando muitos médicos tiveram de ficar sem atender e, portanto, não iriam fazer uma especialização. Segundo Gibbon, isso já começou a mudar.

No segmento de pós-graduação, a Afya também pretende crescer de forma acelerada. Hoje, são 3.500 alunos e a meta é triplicar esse número até 2028. Nos serviços digitais, o objetivo é crescer seis vezes até 2028. A expansão faz parte da estratégia de diversificar a companhia que, antes, tinha 90% de suas receitas geradas pelas faculdades. Esse número já recuou para 80%, diz Gibbon.

Empresa é controlada por grupo alemão de 187 anos

Apesar de ter sido fundada no interior do Tocantins por um médico mineiro, a Afya hoje é controlada por um grupo alemão com 187 anos de história e sede a 400 km de Berlim, na cidade de Gütersloh. A Bertelsmann é uma companhia originalmente de mídia – comanda, por exemplo, a gravadora BMG e a editora Penguin Randon House –, mas que, há quase uma década, criou uma unidade de educação.

Em maio deste ano, em uma transação de US$ 161 milhões, a Bertelsmann assumiu o controle da Afya. Hoje, o grupo alemão detém 37,5% das ações da empresa brasileira e 58,7% do poder de voto. A família Esteves ficou com 18% e 33,1%, respectivamente.

O presidente do Bertelsmann Education Group, Kay Krafft, diz que a aposta na Afya ocorreu porque a empresa alemã considera estratégico investir em educação na área de saúde, dado que o segmento tem uma empregabilidade maior que a média, e porque, no Brasil, o setor privado tem participação significativa no ensino superior.

Kay Krafft, presidente do Bertelsmann Education Group. Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Ainda que tenha se tornado controladora da Afya só agora, a Bertelsmann é parceira da empresa desde 2014, quando investiu na brasileira por meio de um fundo de private equity. A parceria começou antes mesmo de a Afya surgir oficialmente, já que a companhia foi realmente criada apenas em 2019 com a fusão da NRE (grupo de ensino de medicina) com a Medcel (preparatório para residência médica).

“Essa experiência de quase dez anos com eles nos ajudou a formar uma visão da Afya que nos fez elevar a participação e nos tornarmos acionistas controladores. É uma evolução da parceria”, diz Kraft.

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