Pouco após a Americanas divulgar a lista de seus credores, envolvendo bancos e fornecedores, interlocutores do mercado financeiro e especialistas do setor de varejo passaram a questionar dados divulgados pela companhia e apontar que, sem uma grande movimentação e aporte de capital do trio de acionistas de referência -Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira -, dificilmente a empresa conseguirá escapar da falência.
Especialistas ouvidos pelo Estadão acreditam que os dados divulgados na quarta-feira, 25, sobre as dívidas da varejistas somando mais de R$ 41 bilhões com diversos bancos e fornecedores podem impossibilitar qualquer tentativa da companhia de buscar crédito na praça para manter seus estoques e garantir manutenção das vendas, o que pavimentaria o caminho da varejista para um eventual pedido de falência e eventual extinção da marca. Enquanto o trio de acionistas propunha uma injeção de R$ 6 bilhões aos cofres da empresa, bancos e interlocutores do mercado pedem por uma capitalização de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões.
Apesar da maior parte da dívida descrita pela varejista ser de operações de crédito com grandes bancos, quase R$ 2 bilhões são referentes às dívidas com Samsung, Google, Apple, Facebook, Nestlé e Ferrero Rocher. Questionadas sobre o caso, as empresas evitaram comentar, ou não responderam à reportagem.
AMERICANAS: OS ACIONISTAS DE REFERÊNCIA
Na avaliação de Ulysses Reis, professor de varejo da Strong Business School (SBS), por causa da divulgação das dívidas com credores, a varejista terá ainda mais dificuldade de negociar estoques. Ele aponta que, no momento, uma saída para evitar problemas na operação envolveria um aporte expressivo de capital do trio de acionistas de referência, que ajudaria a manter estoque através de compras à vista. “Sem que Lemann, Telles e Sicupira coloquem dinheiro próprio, acho difícil que eles consigam negociar com os fornecedores e manter a empresa aberta”, afirma Reis. ”Há muita desconfiança das empresas em relação às Americanas agora.”
Além de ser visto como um gesto que pode acalmar o mercado dando um fôlego no valor das ações das Americanas, a injeção de capital do trio de acionistas deve auxiliar a companhia a manter o giro nos seus estoques e garantir as vendas da empresa. Eugênio Foganholo, sócio da consultoria especializada em varejo Mixxer, alerta para as dificuldades que Americanas terá para conseguir negociar com seus fornecedores, muitos deles que já têm valores a receber da varejista. “Esse débito com os fornecedores é de um produto que já estava nas prateleiras. A partir do momento que foram comunicados os problemas contábeis, evidentemente, a relação muda completamente. Se antes eles davam crédito, agora, com certeza quererão receber o pagamento adiantado.”
Buracos nas prateleiras
A dificuldade de negociar com credores importantes já começa a dar os seus primeiros sinais nas lojas físicas. Como adiantou o Estadão, em algumas unidades é possível ver os buracos nas prateleiras de itens de alto giro, ou seja, produtos com vendas recorrentes.
Outra categoria de produtos que começa a “desaparecer” das gôndolas são os itens de maior valor agregado, como aparelhos eletrônicos e smartphones. Apenas com a Samsung, a varejista tem uma dívida de R$ 1,2 bilhões.
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Segundo Foganholo, da Mixxer, falta de produtos acontece principalmente pela falta de caixa na varejista que estava acostumada a manter estoques através de operações de crédito de “risco sacado”, adiantando o pagamento para os fornecedores ao mesmo tempo que ampliava o endividamento da empresa com os bancos. “As chances de recuperação da empresa me parecem cada vez mais remotas, com uma possibilidade real de falência”, avalia o especialista.
Em um tom mais otimista em relação à situação da empresa, Fernando Ferrer, da Empiricus, acredita que a possibilidade de falência ainda pode ser resolvida, caso o processo de recuperação judicial da companhia seja feito com agilidade e a empresa consiga capitalizar para manter as operações em dia. Apesar de não apostar, ainda, na extinção da marca, Ferrer vê a necessidade de enxugar a operação para garantir que ela continue existindo. “Eles não têm mais espaço para ter mais de duas mil lojas”, diz.
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