Os vendedores do shopping virtual (marketplace) da Americanas ficaram temerosos desde o anúncio da companhia, na semana passada, a respeito das inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões. Desde então, a situação evoluiu rapidamente para um pedido de recuperação judicial, aceito pela justiça carioca na tarde de quinta-feira, 19. Em meio às incertezas, lojistas virtuais pausaram anúncios e reduziram promoções para diminuir as vendas na plataforma da companhia, com medo de não receber por elas. A varejista, porém, garante que está repassando todos os pagamentos.
O diretor de marketplace da companhia, Marco Zolet, viu sua rotina ficar mais agitada para dar conta de atender a todos os questionamentos da última semana. Ele está à frente dessa área desde o segundo semestre de 2022 e chegou à empresa em 2020, quando vendeu o Supermercado Now para a varejista. O executivo conta costuma trabalhar de forma próxima aos vendedores da plataforma e, por isso, tinha reuniões de rotina já agendadas com médios e grandes lojistas. Depois do anúncio feito pelo agora ex-CEO da Americanas, Sergio Rial, no dia 11 de janeiro, porém, a crise contábil da companhia virou o assunto principal.
“Houve alguns sellers (lojistas virtuais) que, devido ao comunicado ou desconforto, eventualmente tiraram alguns itens do ar, ou ficaram em dúvida e pausaram o relacionamento conosco, ou ficaram mais lentos na parte promocional. Por outro lado, alguns entenderam isso como oportunidade e ocuparam esse espaço”, diz Zolet.
Ele diz que entre o momento em que alguns decidiram diminuir a exposição à plataforma e o tempo em que outros resolveram aproveitar a oportunidade, a movimentação caiu um pouco. Na média, porém, avalia que o tráfego de clientes que acessam a plataforma subiu.
Com a desaceleração de alguns lojistas e a aceleração de outros, o executivo afirma que o mix de produtos e vendedores mudou um pouco. O número mais recente da Americanas indicava mais de 150 mil vendedores na plataforma.
Zolet relata que uma das perguntas à qual mais teve de responder nos últimos dias foi se os pagamentos dos lojistas virtuais da plataforma continuariam sendo repassados. Havia uma dúvida específica para repasses esperados para o dia 16 de janeiro que, segundo ele, foram realizados dentro das políticas pré-estabelecidas com os vendedores pela companhia. Após essa data, alguns lojistas que haviam decidido pausar o relacionamento com a varejista pelo receio de não receber, voltaram a operar, ainda de acordo com o executivo.
Há ainda dúvidas sobre a garantia de funcionamento do marketplace, visto que parte da infraestrutura do site e aplicativos de compras conta com fornecimento de serviços de terceiros. “Desde o começo estamos trabalhando de forma próxima aos nossos fornecedores e prestadores de serviços. Temos muitas operações próprias e temos acordos comerciais de longo prazo com alguns fornecedores”, afirma Zolet, apesar de não entrar em detalhes sobre como deve ocorrer o pagamento desses fornecedores de infraestrutura digital durante a recuperação judicial.
Ele explica que boa parte da conversa com os lojistas virtuais foi voltada para o entendimento da empresa de que eles são clientes e não credores da companhia. “A recuperação judicial é com os credores, os sellers são meus clientes”, diz Zolet. Sendo assim, a empresa garante que todos os repasses serão feitos normalmente.
A Americanas emitiu comunicados aos seus lojistas virtuais para explicar a situação que a levou a pedir recuperação judicial na tarde de ontem, assim como informar que seguirão sendo pagos. “Agora, o mais importante é esclarecer que os vendedores da plataforma são considerados nossos clientes e, por isso, continuam recebendo os repasses dos valores recebidos pela Americanas em nome dos parceiros dentro dos prazos de pagamentos estabelecidos no anexo de remuneração do contrato de termos e condições gerais do marketplace”, complementou. A empresa disse ainda que seguirá com o canal aberto para informar sobre todos os desdobramentos do processo.
Em outro comunicado, a empresa explicou o que aconteceu nos últimos dias. Nesse texto, afirma que tinha o objetivo de negociar com seus credores para encontrar uma solução rápida , mas que isso não foi possível. “Esgotadas as negociações, nos vimos obrigados a nos proteger e a proteger toda a nossa cadeia com este pedido na Justiça”, afirma a companhia aos lojistas virtuais.
Após comunicar, na semana passada, inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, a companhia teve seu caixa reduzido de quase R$ 8 bilhões para cerca de R$ 250 milhões, em função de bloqueios de bancos e redução de notas de crédito que interromperam o processo de antecipação de recebíveis de cartão. Nessa situação, protocolou pedido de recuperação judicial alegando uma dívida de mais R$ 40 bilhões, com mais de 16 mil credores.
“Sabemos que surgirão dúvidas sobre o nosso futuro. Por isso, é importante lembrar que a recuperação é apenas um recurso judicial utilizado para proteger o nosso caixa de novas possíveis retenções e uma saída para mantermos uma negociação saudável com nossos credores e continuarmos em operação em nossas lojas, sites e app”, disse ainda a empresa.
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