Em meio a um bilionário escândalo corporativo desde a semana passada, a rede varejista Americanas se destaca, perante alguns pares, por remunerar bem sua diretoria, mostra levantamento com base nas informações prestadas pela companhia no Formulário de Referência, documento que as empresas abertas entregam anualmente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado.
No acumulado de uma década, a diretoria da Americanas recebeu, em termos nominais, sem corrigir pela inflação, R$ 505,4 milhões. O valor acumulado é quase o dobro do pago a suas diretorias por dois pares entre as companhias abertas, a Lojas Renner (R$ 252,8 milhões) e a Magalu (R$ 270,9 milhões). Os dados foram compilados pelo o especialista em governança corporativa Renato Chaves, ex-diretor da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB).
Quando ponderado pela receita líquida ou pelos resultados líquidos, a remuneração total da diretoria da Americanas chama atenção nos anos mais recentes, embora, na média da década, esteja em linha com o praticado Renner e a Magalu. Como proporção da receita líquida, a remuneração da diretoria da Americanas foi 0,27% em 2021, mais do que o dobro da Renner (0,12%) e da Magalu (0,11%). Em 2020, as proporções foram mais próximas: 0,29% para a Americanas, 0,20% para a Renner e 0,21% para a Magalu. Na média de 2012 a 2021, a remuneração total da diretoria da Americanas ficou em 0,29% da receita líquida, até abaixo do 0,39% da Renner.
Segundo Chaves, responsável pelo levantamento, a remuneração como proporção da receita líquida costuma ser a melhor forma de comparar as políticas salariais das companhias em relação à alta direção. O especialista pondera, por outro lado, que na comparação entre as três companhias abertas selecionadas no levantamento, a receita da Americanas é muito maior, o que tende a moderar a proporção da remuneração.
“Eles são agressivos, isso é fato. Todos sabem que as empresas que têm o grupo como controlador (os acionistas de referência da Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira) são agressivos com remuneração”, afirmou Chaves.
A cultura corporativa do trio de investidores, forjada desde os tempos do Banco Garantia, na virada dos anos 1970 para os anos 1980, é de basear a remuneração em pagamentos variáveis, que crescem conforme metas são atingidas. No levantamento de Chaves, o peso dos “bônus”, a parcela variável da remuneração, chama a atenção no caso da Americanas.
Em 2020 e 2021, mesmo com a pandemia de covid-19, a diretoria da empresa recebeu 26% e 27% de sua remuneração total em bônus, respectivamente. Renner e Magalu não pagaram bônus em 2021. Em 2020, os bônus responderam por 9% da remuneração total da diretoria da Renner e por 16%, no caso da Magalu. Na média da década, de 2012 a 2021, essa proporção se aproxima, com a Magalu pagando os mesmos 32% da remuneração total em bônus que a Americanas.
Para Chaves, a cultura corporativa agressiva acaba tornando a perseguição de metas como uma pressão para que os executivos apresentem resultados de curto prazo. A política de remuneração entra aí como uma forma de medir esse sucesso, para além da compensação financeira. E a pressão por atingir metas acaba servindo de incentivo para que executivos cometam fraudes – o problema costuma estar em questão em muitos casos de fraude corporativa.
Na visão de Chaves, a melhor política de governança para lidar com o problema seria reforçar os canais de denúncia interna. Para isso, o ideal é trocar as ouvidorias internas por comitês externos de denúncia – o fato de a instância que vai processar a denúncia ser externa garantiria independência ao processo, evitando que denúncias sejam deixadas de lados por comitês internos constituídos “para inglês ver”, disse Chaves.
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