Vivemos em um mundo naturalmente mais ansioso diante do desafio em se atingir uma economia mais verde, que tem em suas costas o compromisso de se tornar NetZero até 2030. Estamos vendo países do hemisfério Norte já sofrer sérias consequências motivadas pelo aquecimento global e, por isso, é natural que os olhos do mundo se voltem para a busca de solução, muito está atrelada à geração de energia renovável.
Quando uma ocorrência como a da semana passada - que afetou praticamente todo o Brasil e gerou angústia em milhões de brasileiros - acontece, é natural que a ansiedade para entender as causas se estabeleça. Porém, é bastante precipitado também, tecer hipóteses prematuras que acusam justamente essa fonte renovável tão necessária para o planeta como um gatilho para esse apagão. Dizer que a causa pode ter sido o aumento da geração de energia eólica, mais do que precipitado, é, talvez, irresponsável.
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Nosso sistema é muito robusto quando falamos em linhas de transmissão, o suficiente para atender geração e carga na região Nordeste. Não é de hoje que a energia eólica se faz presente no Sistema Interligado Nacional, o SIN. No momento da queda de fornecimento, a energia eólica era responsável por gerar 16 MW, nada de surpreendente ou novo até então. No dia 4 de julho deste ano, batemos recorde de geração. Em apenas quatro dias de julho, a produção de energia eólica registrou índices inéditos, entre eles o montante mais elevado na geração instantânea e média no SIN de 2023, com produção de 19.720 MW, representando 27,8% da demanda de carga nacional e nenhum problema aconteceu.
Em 2021, as eólicas salvaram o País de um racionamento, gerando 63,20 TWh no acumulado do ano no Nordeste e transmitindo para o Sudeste brasileiro, naquela oportunidade, havíamos registrado um crescimento de 34% em relação ao ano anterior. Já passamos por isso outras vezes e, no passado, a causa foi realmente a falta de energia, muito diferente de hoje, onde temos energia em abundância.
Mas é importante destacar também que nosso sistema é tão robusto e consistente que, em poucas horas, houve o restabelecimento. Temos um sistema muito maior e mais complexo do que o resto do mundo e, mesmo assim, fomos mais ágeis. Olhando ao redor, vemos registros interessantes. Os Estados Unidos levaram, em 2003, até quatro dias para restabelecer a energia depois de um blecaute. No mesmo ano, na Itália, o apagão durou 12 horas. O mesmo ocorreu na Índia, em 2012, quando milhões de pessoas ficaram sem energia por dois dias.
Precisamos parar de especular e, com isso, desmerecer o que estamos vendo no Brasil -um protagonismo em relação ao mundo no avanço da transição energética justa. É hora de agirmos para mitigar falhas, mas também de esperar para que os relatórios técnicos nos apontem os motivos e indiquem pontos de melhorias. Um sistema grande, robusto e complexo pode sim falhar. E temos mecanismos de proteção para que essas interrupções sejam prontamente restabelecidas.
Dizer que o fluxo de energia renovável eólica ou solar pode ter causado a falha é uma hipótese completamente descartada. Nosso sistema se adapta cada vez mais a essa diversificação, que está presente no SIN desde 2014. Já é hora de usarmos nossa capacidade analítica para mostrar o quanto somos bons em controlar esse sistema tão complexo e deixar de mobilizar a sociedade para buscar culpados técnicos ou políticos de maneira precipitada.
Os especialistas têm razão em dizer que o sistema brasileiro está mais complexo e difícil de operar e isso é um ótimo sinal de que temos segurança energética, com uma diversidade de fontes de geração que é mais competitiva e que não emite CO2.
O que precisamos agora é fortalecer ainda mais nosso sistema já eficiente, investindo em tecnologia e em modelos de previsão de geração para além das várias ferramentas que temos hoje e que foram rapidamente operadas neste evento. Sim, talvez a transmissão precise de reforço, estamos crescendo em geração a cada ano e precisamos de mais oferta de transmissão como o que já vimos neste ano.
Essa é a realidade do sistema brasileiro e assim deve ser: ter um sistema global para descarbonizar a economia, reduzir a emissão de CO2 e evitar o aumento da temperatura da terra. Estamos na Safra dos Ventos, geramos mais do que a média para energia eólica e podemos chegar a valores superiores a 20 GW até setembro. Esse é um dado para comemoração, não de preocupação. É hora de unir forças, buscar saídas, controlar a impulsividade que pode de maneira irresponsável, colocar em xeque o protagonismo brasileiro na geração de uma energia limpa, renovável e competitiva.
* Presidente da ABEEólica, vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica e conselheira do CDESS
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