Anglo American será ‘uma nova empresa’, mais enxuta e mais rentável, diz CEO no Brasil

Ana Sanches, no cargo desde dezembro, destaca que América Latina, com cobre e minério de ferro, terá grande representatividade na nova estratégia global; ativos de níquel serão vendidos

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Foto do author Gabriel Baldocchi
Atualização:

A gigante da mineração Anglo American, fundada há 107 anos na África do Sul com uma mina de ouro pelas mãos de Sir Ernest Oppenheimer, será uma “Nova Anglo American” com o processo de reestruturação de seus negócios, na avaliação de Ana Saches, CEO da subsidiária brasileira, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Vai surgir uma nova empresa, com um portfólio de ativos mais enxuto e melhores margens de ganho das suas operações”, afirmou a executiva, que está há seis meses no cargo e desde 2012 no grupo, principalmente na área financeira e com passagem de três anos na sede, em Londres.

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A direção e o conselho de administração da companhia foram sacudidos dois meses atrás pela oferta bilionária de compra da concorrente australiana BHP, líder global do setor mineral, por US$ 39 bilhões (R$ 217 bilhões pela cotação desta sexta-feira, 28). Após várias recusas da parte da Anglo, principalmente por causa de algumas condicionantes, como efetuar antes a venda de ativos na África do Sul, a BHP recolheu os flaps e desistiu da ofensiva. O valor da oferta na última proposta atingiu a cifra de US$ 50 bilhões (R$ 278 bilhões) .

Isso foi motivo suficiente para a direção da Anglo American tomar medidas mais efetivas para definir seu novo foco estratégico de atuação global, centrando-se em alguns minerais e metais - cobre, minério de ferro e fertilizantes. Todo o restante do seu portfólio - carvão mineral, níquel, metais do grupo da platina e diamantes - entraram na rubrica “ativos disponíveis para venda”. “A América Latina passa a ter uma grande representatividade na nova estratégia da companhia”, comenta a CEO das operações no Brasil.

No movimento “quase hostil” da BHP, estavam no alvo as operações de cobre da Anglo American no Chile e Peru - metal considerado essencial para o ciclo da transição energética -, minério de ferro no Brasil (o projeto de classe mundial chamado Minas-Rio) e nutrientes para o solo (fertilizantes) na Inglaterra. A BHP se tornaria líder global na produção de cobre e reforçaria ainda mais suas operações de minério de ferro, situadas na Austrália, com a operação brasileira. A empresa já é sócia da Vale (50% a 50%) na Samarco, que produz pelotas de minério de ferro.

“Temos aqui no Brasil muitas possibilidades promissoras à frente de crescimento no minério de ferro, em linha com a nova estratégia traçada pela matriz do grupo”, destaca Ana Sanches. Segundo ela, hoje há no País duas realidades: o projeto Minas-Rio, com um produto premium de ampla aceitação no mercado internacional, e a produção de níquel usado na fabricação de aço inox, negócio que entra em processo para ser vendido e sair do portfólio do grupo.

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Acordo com a Vale abre caminho para a Anglo dobrar de tamanho no Brasil, diz Ana Sanches Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A executiva ressalta que o acordo com a Vale, firmado em fevereiro, vai garantir muitos e muitos anos de minério de alto teor e vai gerar a oportunidade de dobrar a operação brasileira de tamanho. Atualmente, o Minas-Rio está apto a fazer 26,5 milhões de toneladas por ano de minério tipo pellet-feed. O produto é destinado principalmente a siderúrgicas do Oriente Médio e do Japão, além de China e outros países. A Anglo Brasil já utiliza 90% da atual capacidade de produção e vê no acordo a oportunidade de novo salto de expansão e longevidade no País.

No negócio, a Vale incorporou reservas de minério situadas na Serra da Serpentina, contíguas às da Anglo em Conceição do Mato Dentro (MG), e ainda desembolsou US$ 157,5 milhões (R$ 877 milhões) para ficar com 15% do capital da Anglo American Minério de Ferro Brasil. As reservas incorporadas somam 4,3 bilhões de toneladas de minério de elevado teor de ferro, superior ao que a empresa tem hoje: 40% contra 32%, na média. Segundo Ana, as duas empresas aguardam agora o aval do órgão brasileiro antitruste, o Cade para concretizar o negócio, cujo valor total não foi divulgado.

A expectativa é de que a aprovação saia antes do final do ano. Com o aval em mãos, passarão a ser feitos estudos de viabilidade técnica-econômica para definir o plano de exploração das reservas unificadas. Estima-se até cinco anos, mas a expectativa é que isso ocorra antes, levando a uma decisão de investimento para adicionar de 25 milhões a 30 milhões de toneladas à capacidade atual da empresa. Com o plano definido, a Vale poderá exercer a opção de comprar mais 15% do capital da subsidiária brasileira da Anglo. Juntas, as duas empresas irão conduzir o investimento a ser executado na expansão, com recursos próprios da empresa e aportes dos sócios.

Com esse arranjo, ressalta a executiva, vai existir a exploração de um único corpo mineral por meio da Anglo, que construiu há um bom tempo uma história de relacionamento com as comunidades locais. A Vale não atua em mineração na região. “As reservas das Serra da Serpentina vão enriquecer a qualidade do minério a ser produzido no futuro. É um tipo do mineral friável (menos duro), mais fácil e de menor custo de beneficiamento depois que é lavrado”, afirma.

Segundo Ana, hoje a Anglo Brasil produz dois tipos de pellet-feed: um com 68% de teor de ferro, e apenas de 2% de sílica (que é um contaminante), para uso em redução direta - sistema de obtenção do aço que leva gás natural e forno elétrico; e outro, com 67% de teor, também premium, para alimentar tradicionais altos-fornos de siderúrgicas. Esse tipo de produto é desejado por siderúrgicas no mundo para ajudar no processo de descarbonização, ou seja, reduzir a geração de CO2 no processo de produção do aço.

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Para este ano, a subsidiária brasileira prevê produzir entre 23 milhões e 25 milhões de toneladas de minério de ferro. Com o acordo aprovado, a Vale receberá quantidade de minério correspondente a 15% da produção da Anglo American Brasil, provavelmente a partir de 2025, após os avais ao acordo.

Mineroduto ou ferrovia

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O projeto Minas-Rio é ancorado por um sistema de produção mina-mineroduto-terminal portuário. A mina que iniciou produção há 10 anos, com primeiro embarque em outubro de 2014, fica em Conceição do Mato Dentro, município da região central de Minas Gerais com 23 mil habitantes, a 167 km de Belo Horizonte. Já o mineroduto, que corta 33 municípios passando por 150 propriedades, tem de 529 km de extensão - é o maior do mundo.

O terminal fica no Porto do Açú, no litoral do Estado do Rio, um dos maiores portos em extensão do País. Numa área do terminal, que é uma joint venture com a empresa do porto, é a polpa de minério que chega pelo duto é filtrada e secada, a seguir estocada para embarques em grandes navios rumo aos mercados consumidores. No todo, a empresa tem, diretos e indiretos, na área de minério, 7 mil funcionários.

Os estudos entre Anglo e Vale, depois de aprovada a operação, vão avaliar, especialmente, as alternativas logísticas para escoar o minério adicional. Uma delas é a duplicação tanto do mineroduto como do terminal, apto a receber grandes navios. A outra é dobrar a capacidade do duto até onde passa a ferrovia da Vale em direção ao porto de Tubarão, em Vitória (ES).

No entroncamento duto-ferrovia seria montada uma unidade de filtragem e secagem do minério antes de ser carregado nos trens para serem destinados ao mercado pelo porto capixaba. “Tudo isso e outras coisas vão ser estudados nesse período”, afirma Ana.

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Mineradora já produz 25 milhões de toneladas de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro (MG) Foto: Anglo American/Divulgação

Ela ressalta que o atual mineroduto tem a vantagem de ser uma operação silenciosa e de menor custo, pois o maior gasto é com energia para acionar as bombas de pressão. Além disso, diz, tem a vantagem ambiental: o material corre em tubos debaixo da terra.

Após um vazamento em 2018, que levou à paralisação da produção por nove meses, segundo a executiva, a empresa investiu pesado em sistemas de monitoramento. A partir de uma sala de controle na mina, monitora pressão, granulometria, velocidade e ruídos ao longo da linha. “Conseguimos detectar até o barulho da passagem de um animal sobre o mineroduto”. A executiva informa que isso gerou um fluxo de caixa negativo de US$ 450 milhões e que a empresa manteve todos os funcionários.

Alternativa à barragem

Atualmente, o principal investimento da empresa é o projeto de filtragem de rejeitos gerados no beneficiamento do minério extraído, já com 45% da obra realizados. Ao custo de R$ 4 bilhões, a obra conta com 2,5 mil trabalhadores. “Quando estiver pronto, 85% do rejeito gerado na nossa operação será filtrado, secado, compactado e empilhado em um área própria”, informa Ana.

A barragem atual foi feita no modelo a jusante, que é mais cara para ser construída, porém com método considerado mais seguro. É diferente do sistema a montante de Fundão, em Mariana, da Samarco, e de Brumadinho, da Vale, cujas barragens se romperam em 2015 e 2019, respectivamente, com desastres ambientais, sociais e econômicos, além de 190 pessoas mortas. Os 15% restantes de lama, com rejeitos super finos, continuarão sendo depositados na barragem, que é múltipla - de reservatório de água (recirculada para uso processo de beneficiamento) e de contenção dos rejeitos do minério.

A executiva diz que, mesmo construída pelo método a jusante, a empresa adotou monitoramentos constantes nas áreas da barragem para evitar qualquer risco. “Nosso sonho é fazer uma mineração que seja segura, invisível, silenciosa, e que seja mais verde. Defendo uma mineração de portas mais abertas”.

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A meta da Anglo American, globalmente, é em 2040 ser carbono neutro. A empresa já busca alternativas para caminhões movidos a diesel, para usar frotas em modelo híbrido, enquanto avalia modelos elétricos e movidos a hidrogênio. “Hoje, a energia que usamos já é 100% renovável desde 2022″.

A companhia definiu, para os próximos cincos anos, um plano total de investimentos de R$ 12 bilhões. Parte ainda será alocada na planta de filtragem, prevista para ser concluída no início de 2026. São investimentos gerais nas atuais instalações, que abrangem de troca de equipamentos, renovação de frotas e sistemas para reduzir elementos contaminantes do minério, como sílica. Além de investimentos sociais da empresa, destaca a CEO.

Reforma tributária

A executiva, que foi empossada neste ano como presidente do conselho diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), afirmou que o projeto na reforma tributária de taxação dos bens minerais precisa ser reavaliado. “Não faz sentido. Já somos taxados pela CFEM (Compensação Financeira sobre Exploração Mineral”, declarou Ana Sanches.

O projeto determina que quando cobrado no momento da extração (do bem mineral), o imposto terá alíquota máxima de 1% sobre o valor de mercado do produto e incidirá a despeito de qual seja a destinação do bem extraído. O royalty cobrado do minério de ferro pela CFEM é de 3,5% sobre o valor da produção.

Segundo Sanches, o presidente executivo do Ibram, Raul Jungmann, está conduzindo as conversas, junto com empresários do setor, com diretores e técnicos do Ministério da Fazenda. “Temos expectativa de ser revertido”, diz.

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