ANTT concede ferrovia para o grupo Cedro, mas MRS vai à Justiça para garantir direito de preferência

Aprovação de construção de trecho de 26,5 km na região de Serra Azul, em Minas Gerais, foi suspensa com liminar obtida enquanto a deliberação ocorria na agência reguladora na manhã de 31 de outubro

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Ivo Ribeiro

A concessão de um trecho ferroviário de 26,5 km de extensão na região conhecida como Serra Azul, próximo de Belo Horizonte, foi parar na Justiça. O caso envolve a Cedro Participações, a MRS Logística, empresa ferroviária controlada por CSN, Vale, Usiminas e Gerdau, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A agência reguladora do setor aprovou, na manhã de 31 de outubro, a concessão da linha de curta extensão (conhecida como “shortline”, no jargão do setor) ao grupo Cedro, que é controlado pelo empresário Lucas Kallas. O pedido de autorização havia sido feito à agência há mais de um ano.

A MRS, como terceira interessada no projeto - pelo fato de se conectar à sua ferrovia que passa na região -, alegou na Justiça que não teve o devido tempo concedido pela ANTT para avaliar e exercer o direito de preferência sobre o projeto, que tem investimento previsto de R$ 1,5 bilhão. Foi à Justiça e obteve uma liminar na própria manhã da quinta-feira, 31, às 9h48, que lhe garantiu prazo até o dia 7 de novembro, ratificando seu direito. Naquele momento, segundo a MRS, a reunião da ANTT para deliberar sobre a concessão, na agência, ainda não havia terminado.

Ramal ferroviário aprovado pela ANTT se conecta à via principal da MRS em Minas Gerais, chamada Ferrovia do Aço  Foto: Fábio Motta/Estadão

PUBLICIDADE

Ao mesmo tempo, a diretoria colegiada da ANTT discutia a aprovação da ferrovia em uma reunião que foi marcada para começar às 8 da manhã. O contrato de adesão da Cedro Participações estipulava construção e exploração do ramal ferroviário entre os municípios de Mário Campos e Mateus Leme, pelo prazo de 99 anos, com base na Lei nº 14.273, de 2021, que permite autorização para construir ao invés de licitação.

A MRS, após negativa de uma liminar na primeira instância do tribunal, requereu agravo de instrumento para suspender a reunião da diretoria da ANTT. Segundo o desembargador federal José Amílcar Queiroz Machado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com base nas alegações da empresa, a agência só disponibilizou os documentos essenciais ao exercício de preferência em 23 de outubro, quando começaria a correr o prazo. A MRS argumentou que o prazo legal era de 15 dias, portanto, até 7 de novembro, o que foi acatado na decisão do desembargador durante um plantão.

Publicidade

Na segunda-feira, 4, em comunicado no fim do dia, a MRS informou ao mercado que no dia 31 de outubro ratificou seu “direito de preferência” em executar o projeto do ramal ferroviário requerido pela Cedro na ANTT e destacou que a “a matéria está sub judice e que seguirá adotando as medidas judiciais cabíveis visando à preservação de seus direitos”.

Procurada, a ANTT informou que “está analisando o teor da decisão (da Justiça) e vai se manifestar perante o tribunal prestando os esclarecimentos”. O vice-presidente Jurídico e Institucional da Cedro Participações, Eduardo Couto, rebateu a alegação da MRS e disse que a ANTT intimou a empresa de logística a manifestar interesse pelo projeto em várias ocasiões nos últimos quatro meses, inicialmente com prazo de 30 dias, e depois mais duas vezes de 15 dias cada uma.

A Cedro, informou Couto, na própria quinta-feira, na sexta-feira e na segunda-feira, já se manifestou no processo, alegando que o mandato de segurança obtido pela MRS perdeu seu efeito, uma vez que foi dado pelo desembargador quando a reunião que aprovou a concessão já havia sido encerrada, por volta das 8h30 do dia 31. “Não tem mais efeito prático, porque teve perda de objeto. Pedi no tribunal o seu arquivamento”, afirmou.

Alvo de disputa judicial, o ramal ferroviário foi requerido pela Cedro na ANTT em meados do segundo semestre de 2023. Pedia a outorga para construir e explorar um trecho localizado na região metropolitana de Belo Horizonte dedicado ao transporte de minério de ferro do complexo mineral Serra Azul. A pequena via férrea tem por objetivo substituir 2,5 mil carretas que transportam diariamente o minério, principalmente pela rodovia BR-381.

Publicidade

Esse trajeto passa ainda pelos municípios de Igarapé e São Joaquim de Bicas. É onde estão as operações de cinco empresas que produzem minério de ferro na região da Serra Azul: ArcelorMittal, Musa, do grupo Usiminas (que faz 12 milhões de toneladas ao ano), Ipê, controlada por Trafigura e Mubadala, e as mineradoras familiares Minerita e Comisa.

Ganhos pessoais e para meio ambiente

Ao ficar pronta, a via férrea vai gerar vários benefícios, para o transporte e para a região, afirmou Kallas, principal acionista e presidente da Cedro, ao Estadão. Ele aponta que vem ocorrendo ao longo dos anos degradações da via e constantes acidentes com veículos que transitam na BR-381. “São mais de 400 vítimas fatais nos últimos anos.” Além disso, destaca, haverá menor geração de emissões de CO2 - cerca de 40 mil toneladas a menos - em relação ao que é emitido diariamente pelos caminhões, que utilizam diesel.

“Shortlines ferroviárias” são comuns nos Estados Unidos, com dedicação ao transporte de cargas específicas em trechos que ficam às margens das grandes ferrovias. O investimento no empreendimento pedido pela Cedro, de R$ 1,5 bilhão, caiu após ajustes no projeto original que previa R$ 1,8 bilhão e extensão de 32 km. A capacidade prevista é de transportar 25 milhões de toneladas ao ano de minério de ferro.

Ate agora, nem MRS nem as mineradoras que operam na região lançaram uma iniciativa de desenvolver um projeto de “shortline” para fazer a logística do minério extraído pelas cinco empresas - mais de 20 milhões de toneladas por ano. No Quadrilátero Ferrífero, onde estão as reservas do minério, como a Serra Azul, a pequena extração surgiu e cresceu muito há mais de 15 anos, mas carece de logística integrada (mina-ferrovia-porto).

Publicidade

O ramal ferroviário prevê captar minério e levá-lo até a linha principal da MRS, que segue até portos nos Estados do Rio e São Paulo. O minério sairá de pátios das mineradoras até a ferrovia por meio de correias transportadoras automatizadas, informou Kallas. Os 26,5 km de trilhos previstos para cortar os quatro municípios vão circundar as serras da região de Serra Azul no Quadrilátero Ferrífero.

Redução no custo do frete

Segundo o empresário, existe grande apelo dos usuários da BR-381 e da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) para reduzir o impacto das carretas que trafegam com minério na região e causam problemas à circulação de veículos leves.

Kallas afirma que o Ramal Ferroviário Serra Azul, nome que deu à ferrovia, beneficia também as mineradoras, pois estima-se redução de até 30% no custo do frete em relação ao que é cobrado pelas carretas, que atingem até R$ 50 a tonelada. “A ferrovia consegue fazer por R$ 35, cerca de US$ 6″, disse.

Segundo o presidente da Cedro Participações, o financiamento para a obra viria de recursos próprios e com o lançamento de debêntures incentivadas para obras de infraestrutura. O grupo também opera a Cedro Mineração, que extrai minério de ferro em outra região de Minas Gerais - em Nova Lima e Mariana. Além de outros negócios.

A partir da aprovação da concessão pela ANTT, seria iniciado o processo de licenciamento nos órgãos ambientais e apresentação do projeto às futuras usuárias, às autoridades de Minas Gerais, bem como às comunidades no entorno da via férrea. No entanto, com o caso na Justiça, todas as previsões relativas à construção da ferrovia ficam indefinidas, podendo o caso se arrastar por longo tempo. Cedro e ANTT vão tentar, até dia 7, derrubar a liminar obtida pela MRS.