Ao sair da área de controle de passaportes no Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, os viajantes se deparam com uma profusão de salas VIP. Algumas exibem filas na entrada, enquanto outras passam por obras de ampliação. Esses espaços refletem, de forma concreta, a corrida entre fintechs e bancos para segmentar e fidelizar clientes de alta renda, buscando expandir sua participação na vida financeira dessas pessoas.
Neste ano, o Nubank começou a separar seus mais de 100 milhões de clientes no Brasil em segmentos como Roxinho, voltado para a base da pirâmide, e o Nu+ e Ultravioleta, destinados à alta renda. O C6 Bank, pioneiro nesse movimento entre os bancos digitais, iniciou a segmentação há dois anos e, mais recentemente, lançou uma categoria (o Graphene) para clientes com mais de R$ 5 milhões em recursos.
A criação de marcas voltadas à alta renda tem pelo menos três décadas e fixou nomes que os clientes passaram a querer ter em cartões e contas, como Personnalité, do Itaú; Estilo, do Banco do Brasil; Prime, do Bradesco; e Select, do Santander.
Esse público, além de gerar mais receita ao gastar em cartões de crédito e seguros, tem uma inadimplência menor. Contudo, exige um atendimento personalizado e um pacote robusto de benefícios, contrariando o modelo digital e padronizado que as fintechs adotavam inicialmente.
“Para as fintechs terem chance nessa batalha por principalidade, elas buscaram maneiras de acessar o cliente de alta renda, que já tinha sido filtrado por outras instituições. É uma espécie de rouba-monte”, diz o sócio da consultoria de inovação Spiralem, Bruno Diniz.
O sócio especialista em Serviços Financeiros da Bain, André Leme, afirma que um dos desafios das fintechs é pagar o custo de atração do cliente, que cresce com a concorrência no mercado. “Os bancos digitais começaram massificados, e quando tinham uma certa escala, identificaram essa necessidade”, diz ele.
Foco no atendimento
Para os bancos nascidos no digital, a segmentação significa criar novas formas de atendimento para o cliente de alta renda, recorrendo a especialistas em investimentos e gerentes humanos. “O serviço e o atendimento ao cliente, de fato, parecem ser componentes mais relevantes do que os outros nessa equação”, afirma o diretor de Investimentos e Private Banking do C6 Bank, Igor Rongel.
Ele afirma que os produtos em si geram uma vantagem competitiva apenas temporária, porque são fáceis de copiar. Um exemplo são as contas internacionais para o varejo: o C6 lançou a primeira delas em 2019. Hoje, todos os grandes bancos as oferecem.
A estratégia já é uma aposta dentro dos bancos tradicionais. “Os clientes de longa data gostam do atendimento, do gerente e desse cuidado especializado e personalizado”, diz o diretor de Wealth Management do Bradesco, Augusto Miranda. De olho nessa característica, o banco terá no Principal uma quantidade menor de clientes por gerente do que vinha mantendo no Prime.
Reforço deve ser a palavra de ordem no BB ao longo do ano que vem. O banco deve aumentar as estruturas de atendimento do Estilo com foco em dois subgrupos, um deles para clientes com investimentos entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões, e outro voltado aos produtores agrícolas. O banco tem hoje cerca de 7 mil funcionários dedicados ao Estilo, e deve reforçar esse contingente no ano que vem.
“Vemos um potencial de avançar em clientes gerenciados em cerca de 2 milhões, mas sabemos que esse é um processo de longo prazo”, diz a vice-presidente de Negócios de Varejo do banco, Carla Nesi. “O potencial de captura de receita é exponencial. Um cliente gerenciado chega a gerar 10 vezes mais margem do que um cliente não gerenciado.”
Movimentos
O movimento das fintechs vem após os grandes bancos relançarem suas marcas. No ano passado, o Itaú repaginou o Personnalité e o Uniclass, voltados à alta e à média renda, enquanto o Santander reformulou o Select e o Van Gogh. Em novembro, o Bradesco lançou um novo segmento, o Principal, para fidelizar clientes de alta renda que se dividem entre o banco e outras instituições. A estratégia é reformular o Prime, como marca de atendimento ao varejo de média renda.
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“O cliente de alta renda usa as fintechs porque as ofertas que chegaram até ele foram de uma melhor experiência, de produtos inovadores e de uma forma diferente”, diz Leme, da Bain. “Os bancos tiveram de melhorar a experiência e a chamada proposta de valor, ou seja, como se comunicam com o cliente.”
Diniz, da Spiralem, vê um segundo empurrão para a mudança nos bancos: as plataformas de investimento, como a XP, que abriram a um público mais amplo alternativas antes restritas aos clientes mais ricos.
“A pressão feita tanto pelas fintechs quanto pelas casas de investimento, leia-se XP, fez com que os investimentos e o aconselhamento financeiro virassem parte de uma oferta nova que os bancos ofereceram”, diz o especialista. Nas reformulações de suas marcas, os grandes bancos têm enfatizado a contratação de milhares de assessores, que atuam em paralelo aos gerentes de conta.
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