PUBLICIDADE

Publicidade

Bets: cresce número de brasileiros que pegam empréstimos e gastam em apostas online, mostra pesquisa

Segundo levantamento com 5 mil pessoas com contas em bancos em todo território nacional, 30% das pessoas já pegaram crédito e fizeram apostas; representantes das empresas não responderam à reportagem

Foto do author Wesley Gonsalves
Atualização:

Uma pesquisa realizada pela fintech Klavi apurou a conexão entre o uso de empréstimos e as apostas esportivas, as ‘bets’. Ao analisar uma amostra de 5 mil clientes de bancos de todo o território nacional, a instituição apurou que nos últimos 12 meses 30% já tinham buscado empréstimos e depois gasto o dinheiro (em partes ou o total) em jogos online. Procurados, os representantes das empresas de bets não responderam ao pedido de entrevista.

PUBLICIDADE

Para os autores da pesquisa, o resultado demonstra que o crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil pode elevar o nível de endividamento da população. A empresa analisou o comportamento de crédito de 5 mil clientes de todo o Brasil para entender como o público gastava em sites de apostas e jogos de azar via aplicativos.

A companhia usou seu banco de dados e informações obtidas por meio do Open Finance para compilar as informações de forma anônima. Ela verificou o extrato dos correntistas, separou os demais gastos e comparou com os pagamentos feitos a CNPJs vinculados a empresas de apostas. Além disso, foi possível verificar que as apostas não estavam sendo feitas com dinheiro que sobrava dos correntistas, mas sim com a alavancagem pessoal, por meio de empréstimos. Ou seja, logo após adquirirem algum crédito, as pessoas gastavam em apostas.

Quanto aos valores do empréstimo solicitado, a companhia revela que a maioria busca quantias relativamente baixas, variando entre R$ 500 e R$ 4 mil. Por outro lado, o levantamento mostra um perfil de aposta variável por indivíduo. Dos correntistas que fizeram empréstimos e também apostaram, o gasto médio por apostador foi de R$ 1.113,09.

Porém, em alguns casos, os valores são maiores. Para 5% das pessoas que realizaram apostas, os valores gastos com as bets foram em torno de R$ 4 mil, enquanto em casos mais extremados, há casos de apostadores contumazes que chegam a desembolsar valores acima de R$ 50 mil nas apostas, antes de recorrerem aos empréstimos bancários.

Empresas de apostas foram autorizadas a operar no País em 2018, durante governo de Michel Temer Foto: vectorfusionart/Adobe Stock

O presidente e fundador da Klavi, Bruno Chan, conta que o levantamento feito pela fintech é uma resposta a demanda por informações de grandes bancos e financeiras, clientes da companhia. O executivo explica que eles querem entender o impacto das apostas online nas finanças de seus clientes e como essa mudança no comportamento de consumo pode afetar a análise de crédito dessas instituições.

Os jogos online foram liberados no Brasil em 2018, quando o então presidente Michel Temer assinou um decreto autorizando a operação das bets no País. De lá para cá, as casas de apostas proliferaram rapidamente, alcançando algo na casa de 2 mil empresas no mercado. Esse número deve cair consideravelmente a partir de 1º de outubro, quando as bets que não regularizaram sua situação serão proibidas de operar.

Publicidade

Calcula-se que o mercado de bets já movimenta R$ 100 bilhões no País, o que representa quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeções da Strategy & Brasil, consultoria estratégica da PwC. Isso tira dinheiro do consumo e impacta o desempenho do varejo doméstico. “Pegamos 5 mil pessoas e começamos a olhar o perfil de gastos. É uma análise do fluxo de caixa das pessoas, vendo para onde elas estão mandando esse dinheiro”, diz Chan.

Ele explica a empresa deve fazer esse levantamento todo mês de agora em diante, para analisar as mudanças e o impacto das apostas online no endividamento da população. “Há muita empresa de crédito querendo entender como as pessoas gastam em apostas e como isso influencia a inadimplência”, afirma o executivo.

Perfil do apostador

De acordo com o levantamento da Klavi, a maioria dos clientes que buscam crédito na praça para apostar é homem (58%). Ao todo, 47% das pessoas têm entre 35 e 49 anos, enquanto 28% pertencem à faixa etária que vai de 26 a 34 anos. Quanto à região, a pesquisa mostra que 60% desse público está localizado no Sudeste do País; já os demais, têm uma distribuição igualitária entre os Estados. A pesquisa mostra que 64% dos entrevistados ganham de um a três salários mínimos, ou seja, de R$ 1,4 mil a R$ 4,2 mil. Desse total, 40% deles trabalham com vínculo empregatício CLT.

Metodologia

Na avaliação de Ulysses Reis, professor e coordenador do MBA FGV, uma pesquisa como a feita pela Klavi, com mostra de 5 mil correntistas escolhidos de forma aleatória, é mais do que suficiente para ser fidedigna e ter boa representatividade do perfil de gastos do público. “Uma análise dessa envergadura é suficientemente confiável, com uma margem de erro muito baixa”, diz.

O especialista conta que, tradicionalmente, as empresas de análise utilizam bases de dois mil a três mil indivíduos, o que já seria responsável por um nível já baixo de erro, e que no caso da pesquisa de Klavi - 5 mil correntistas - seria algo expressivo. Segundo divulgado pela empresa Klavi, a margem de erro é de 3%.

Ainda segundo Reis, uma análise feita de maneira aleatória, diversa em território, idade e perfil de renda é justamente a melhor maneira de se ter um “fotografia” do perfil do tipo de gasto do público no País. “Para reduzir ainda mais a margem de erro, em talvez 1%, seria necessário ampliar essa análise para mais de 30 mil casos, mas sem grandes mudanças no resultado final”, diz.

Bruno Chan, Ceo da Klavi, conta que levantamento surge para atender demanda de bancos e financeiras que querem entender o impacto das apostas na inadimplência do País Foto: VIVIAN KOBLNSKY

Falsa ideia

Para o presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, o crescimento de empréstimos para financiar as apostas se deve, em grande parte, pela falsa ideia de que é possível multiplicar o dinheiro, como mostram alguns poucos players dentro desse setor. Gomes lembra que estatisticamente, as chances de um apostador conseguir se consagrar em detrimento da máquina é ínfimo. “Isso faz com que as pessoas acreditem que é possível mudar suas vidas através do jogo.”

Publicidade

Gomes acredita que o aumento dos problemas de endividamento pelo jogo (e, posteriormente, uma inadimplência) está diretamente relacionado à falta de educação financeira no País, que afeta principalmente grupos de menor renda. Outro reflexo negativo dos problemas envolvendo as apostas online, diz ele, é o possível encarecimento do crédito em determinados produtos financeiros, que consideram a inadimplência como fator de precificação.

“O mercado de crédito trabalha na sua precificação dos juros com a inadimplência. Quanto mais as pessoas se endividam, maior é a chance de elas não pagarem a conta, elevando a inadimplência e pressionando as taxas de juros em determinados segmentos”, analisa o executivo.

Bolsa família

O avanço do número de apostadores no País não afeta só a inadimplência, mas alguns programas sociais de transferência de renda. Nesta semana, o Banco Central divulgou que cinco milhões de pessoas, de famílias beneficiárias do Bolsa Família, enviaram R$ 3 bilhões via Pix a plataformas de apostas.

“O BC está atento ao tema e precisa ainda de mais dados e tempo para avaliar com maior robustez suas implicações para a economia, a estabilidade financeira e o bem-estar financeiro da população”, diz a nota técnica, elaborada pelo Banco Central sobre o tema.

Presidente da VG Research, Vicente Guimarães, pontua que no caso de apostadores contumazes, é importante ressaltar que esse não é apenas um problema ligado a inadimplência, mas também um problema de saúde e que, em muitos casos, pode demandar tratamento com especialistas. “Toda vez que a pessoa joga descargas imensas de adrenalina e dopamina são geradas. Isso gera uma dependência química. Por isso que existem muitos programas de assistência a jogadores compulsivos”, diz.

O especialista ainda pondera que educação financeira deve preconizar pelo jogo zero, já que não há, segundo Guimarães, um limite mínimo aceitável para vícios na vida das pessoas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.