Farra das bets: legislação mais rígida promete ‘limpeza’ no mercado brasileiro

Mercado de apostas passou anos sem a devida regulamentação e está diante de uma tentativa de profissionalização que pode atrair investimentos, embora a fiscalização seja um desafio; entenda o que já mudou e ainda vai mudar no setor

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Foto do author Lucas Agrela
Atualização:

A regulamentação das apostas esportivas e dos jogos online no País começa a pôr fim à farra das empresas que exploraram o mercado nacional de maneira quase irrestrita desde 2019. Pelas novas leis, as companhias não só precisam pagar impostos, seguir normas rígidas sobre pagamento de prêmios aos apostadores e garantir proteções contra lavagem de dinheiro e terrorismo, mas também pagar por uma licença de exploração do setor a partir de 2025. Com a legislação, a expectativa é de que isso signifique o fim do Velho Oeste no setor. Para isso, porém, o novo “xerife” precisará ser duro na fiscalização, uma tarefa desafiadora. A responsabilidade será da Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda. Não à toa, o número de milhares de empresas, a princípio, será reduzido a pouco mais de uma centena. Em 2023, o faturamento do setor foi estimado em R$ 100 bilhões.

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O mercado de apostas online foi autorizado pelo ex-presidente Michel Temer (2016-2018) no último mês de seu mandato, com a regulamentação sendo exigida a partir de dois anos depois, prazo prorrogável por mais dois anos. Com isso, o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) passou os quatro anos sem tocar a pauta, que terminou nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na Lei 14.790, de 29 de dezembro de 2023, o governo estabeleceu uma série de medidas relacionadas ao pagamento de imposto, de 12% sobre o faturamento das bets, detalhando o destino dos recursos, e também determinou proteções para os apostadores, que devem receber seus prêmios num prazo máximo de 120 minutos.

As empresas, por regra antes estrangeiras, passaram a ter a necessidade de um sócio brasileiro, dono de ao menos 20% do capital social do negócio. As propagandas que prometiam ganhos fáceis ou eram direcionadas a menores de idade passaram a ser proibidas. Com a tributação, a estimativa do governo é arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões ao ano.

Número de empresas de apostas atuando no País deve cair Foto: Adobe Stock

A barreira de entrada a partir de 2025 será de R$ 30 milhões para a operação de três marcas no País por cinco anos, além de as empresas precisarem de R$ 5 milhões como garantia bancária do negócio. As que operarem sem a outorga no próximo ano estão sujeitas a uma multa de até R$ 2 bilhões.

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“Antes, as empresas podiam explorar o mercado, mas não podiam estar no País. Todas as empresas com licenças do exterior. O dinheiro passava pelo Brasil, mas acabava não ficando. Além disso, o consumidor não tinha a mesma proteção que tem de uma empresa nacional”, afirma o advogado especialista no segmento de apostas Leandro Pamplona, sócio-fundador do Bonetti, Krugen & Pamplona Advogados Associados.

Segundo estudo da PwC, a cada aposta, a “Casa” fica com uma taxa estimada em 12% do valor apostado — parte disso é usada para manter a operação funcionando, e o restante é lucro.

Para Magnho José, presidente do Instituto Jogo Legal, o mercado de apostas vai mudar completamente no País a partir de 1º de janeiro. “Todos os problemas que observamos hoje vão deixar de existir. O que acontece hoje é pela falta de regulação. A multa de R$ 2 bilhões prejudica a margem de qualquer empresa”, afirma. O instituto estima que mais de 90% das apostas sejam feitas via Pix ou depósito bancário, mas uma portaria da Secretaria de Prêmios e Apostas já veta o uso de cartões de crédito para evitar o endividamento, pauta que preocupa a Febraban.

As empresas do segmento de apostas veem a legislação como positiva para o desenvolvimento do mercado, que, apesar das novas imposições, pode continuar a existir no País.

“As regras trarão ordem para o mercado que cresce a cada dia, mas de forma desenfreada. Muitas pessoas acreditam que é um mercado que dá para se arriscar e criar um site de apostas da noite para o dia e não é bem assim. E, claro, o que mais sofre com isso é o próprio apostador”, diz, em nota, a empresa de apostas NossaBet, que atua no Paraná.

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Ueltom Lima Gomes, CEO da H2, que nasceu no mercado de pôquer e detém o H2Bet, afirma que, apesar de o País ter demorado muitos anos para regulamentar as apostas e os jogos online, o mercado oferece muitas oportunidades. Mas, antes, eram aproveitadas apenas por empresas com maior apetite por risco, e isso deve mudar, especialmente, a partir de 2025. “Arrecadação dói para o empresário, mas é vital para as regras. Ela faz o filtro de quem quer trabalhar sério”, diz.

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Gomes aposta na história de 20 anos da sua empresa no mercado brasileira para se diferenciar no setor de apostas online, que tem muitas companhias vindas de países como Reino Unido ou sediadas em paraísos fiscais. “Temos relação com o mercado brasileiro que já tem uma história consolidada e temos conhecimento sobre o País. As internacionais fazem uma guerra aérea. É importante ter a operação no solo, conhecer o Brasil e o brasileiro.”

O CEO da Sorte Online, Marcio Borges Malta, afirma que a empresa já atua no Brasil há 21 anos, fazendo intermediação de apostas na loteria, e passou a atuar no segmento de apostas esportivas e jogos online. O negócio, diz, tem potencial de ser o principal da empresa, que ainda é o de loterias.

“Ouvimos muitas críticas sobre as apostas, mas há uma diferença muito grande nos produtos de bet e games para loterias no retorno ao jogador. O consumidor é inteligente. Não estaria apostando tanto se não houvesse uma qualidade de entretenimento. As pessoas apostam mais em bets porque o retorno é maior. Nos jogos online, Tigrinho ou Aviator, os prêmios pagam um valor médio de 95% do total apostado. Muitas pessoas ganham e muitas perdem”, afirma Malta.

Os empresários ressaltam que as apostas têm finalidade de diversão, e não são investimentos, apesar da possibilidade (não garantida) de obter ganhos.

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Segundo o professor da Escola de Matemática Aplicada da FGV (FGV EMAp), Moacyr Alvim, as apostas esportivas têm um fator de imprevisibilidade inerente a competições, como jogos de futebol, tornando desconhecido o modelo de probabilidade de cada partida.

“Temos alguma dica do funcionamento por meio da odds. O que a casa paga reflete de certa forma a probabilidade de vitória e derrota. Se as odds forem de 3 para 1, a probabilidade inferida é de ⅓. Isso é uma dica de como a probabilidade é inferida pelos apostadores. Mas a real probabilidade de um time vencer ninguém sabe ao certo. Numa roleta, sabe-se exatamente a probabilidade de vencer. Se for vermelho e preto, a probabilidade é de quase 50% de vermelho, um pouco menos por ter o zero”, afirma.

Alvim lembra a importância de olhar para o jogo como diversão, e não como investimento, além de saber a hora de parar. “Se uma pessoa jogar muito tempo, o lucro esperado é negativo.”

Uma portaria recente da Secretaria de Prêmios e Apostas também determina que as bets deverão monitorar o comportamento de usuários que possam vir a ser dependentes ou jogadores patológicos. A multa por infração de até R$ 2 bilhões também é aplicável nesse caso.

Fusões e aquisições

Segundo especialistas, as novas leis dão mais estabilidade e segurança para destravar investimentos no setor de apostas no País, tanto para uma consolidação entre os atuais protagonistas do mercado quanto para aquisições de empresas de fora.

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“O Brasil conseguiu uma regulamentação que permite investimento, arrecada imposto, gera empregos e tira o amador do mercado, que normalmente tem histórico ruim no País, fechando as portas e sumindo. A partir de 2025, esse mercado poderá contribuir para o País e trazer mais seriedade”, afirma Brunno Galvão, CEO do fundo americano de investimento de risco Crownstone Ventures, que diz ter até R$ 300 milhões para investir no setor em 2025 no mercado nacional. Hoje, o fundo atua com R$ 50 milhões e tem as empresas NoHype, de marketing de afiliados para bets e outras marcas, e a Elisa.bet, do segmento de apostas.

Para Galvão, inicialmente, o País passará por uma fase de combate às empresas ilegais para depois iniciar uma etapa de consolidação do setor, com fusões e aquisições, que deve deixar o mercado nacional com alguns grandes negócios nesse mercado.

O economista Adam Patterson, sócio da Redirection International, afirma que o Brasil tem condições únicas para o crescimento do setor de apostas, que, estima, terá aumento de 50% ao ano no faturamento até 2028. Por isso, a legislação deve atrair investimentos ao mercado nacional. Mas esse não deve ser o único fator. Como a disputa pela preferência dos clientes requer grandes volumes de investimentos em marketing, a união de operações será uma saída para reduzir as despesas e ter negócios mais lucrativos.

“Com os novos custos regulatórios, haverá impulsionamento de operações de M&A (fusões e aquisições). Mas isso também vai acontecer por causa do custo de operação e marketing. Veremos internacionais comprando nacionais e também veremos fusões”, diz.

Patterson lembra que negócios já foram fechados no País mesmo enquanto a legislação estava tomando forma e começando a ser aplicada. Dois exemplos, diz, foram as aquisições da Torcedores.com pela Better Collective, no ano passado, e do Grupo Loyalty pela Esportes da Sorte, no começo deste ano.

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