Dono da terceira maior reserva mundial de elementos químicos de terras raras (ETR), metais considerados estratégicos por serem de difícil extração, incrustados em argilas no subsolo ou em rochas compactas, e por terem centenas de aplicações industriais, o Brasil vive desde 2022 uma corrida de empresas para obterem licenças de pesquisa e exploração de áreas minerais espalhadas por diversos Estados.
O país conta com vastas reservas de argilas iônicas, uma das fontes naturais que contêm ETR, em geral com minério aflorado ou a baixa profundidade no solo. “Nossas jazidas têm reservas mais elevadas e de maiores teores de metais de terras raras do que as da China. Os resultados que vemos são bastante encorajadores”, afirma Mathias Heider, especialista de recursos minerais da Agência Nacional de Mineração (ANM) e pesquisador do assunto.
Com todos os resultados até agora divulgados, diz o especialista da ANM, o Brasil entrou no mapa das argilas iônicas com grande protagonismo mundial e elevado potencial para suprir as cadeias produtivas de terras raras. A Mineração Serra Verde, com uma unidade industrial em operação desde o início do ano no município goiano de Minaçu, é o grande projeto de produção de ETR que há hoje no Brasil , disse Heider ao Estadão.
“Em metais pesados, o País tem condições de se aproximar da China, onde há grandes reservas de argilas iônicas”, afirma o especialista da ANM. Será um longo caminho a ser trilhado, uma vez que a produção chinesa, no ano passado, foi de 240 mil toneladas de metais de terras raras, conforme dados da agência geológica americana USGS. A do Brasil, é ainda pouco relevante: em 80 toneladas.
As vantagens das argilas iônicas, que atrai investidores, em relação a outros minérios com ETR são diversas, informam Heider e David Fonseca Siqueira, também especialista da ANM. Eles citam, por exemplo, baixos custos de operação, facilidade de lavra do minério, menor impacto ambiental, menor consumo de reagentes químicos e de energia, baixa extração de materiais radioativos perigosos e elevado teor na extração de ETR pesados.
Os óxidos de terras raras (OTR) pesados, caso do disprósio e do térbio, se destacam na corrida porque suas aplicações são, atualmente, as de maior valor no mercado. São usados para fabricação de motores de maior eficiência elétrica, aerogeradores para energia eólica e super imãs. Além dos dois elementos, as reservas da Serra Verde contém neodímio e praseodímio, incluídos nessa categoria.
Onda de aquisições de projetos
Muitas empresas já estão com projetos avançados no País, muitos deles fruto de aquisições de direitos minerários, em transações ocorridas em 2023 e neste ano. Por exemplo, a Saint George Mining, que recentemente adquiriu ativos da MBAC Fertilizantes, em Araxá (MG); a Meteoric Resources, que fez acordo envolvendo a exploração do projeto Caldeira, em Minas Gerais; e a Aclara Resources, do grupo peruano Hochschild Mining, com sede em Londres, com atuação em Goiás.
É notória a presença nessa corrida de companhias estrangeiras de diversos países, principalmente do Canadá e da Austrália, algumas já listadas em bolsas nos dois países.
Em Palmeirópolis (TO), a Alvo Minerais desenvolve o projeto Bluebush (antigo Mata Azul), e está também em Goiás no projeto Iporá. A Australian Mines adquiriu títulos da RTB Geologia e Mineração na Bahia (em Jequié); a Prime Star estudou o projeto Morro do Ferro da Mineração Terras Raras MTR); e a Foxfire Metals identificou presença de terras raras em suas áreas de lítio, em Minas Gerais.
Há até iniciativas para extrair ETR em áreas de rejeitos de mineração. A Rainbow Rare Earths firmou memorando de entendimento com a Mosaic (fertilizantes) para um projeto conjunto de extração dos metais em uma pilha de fosfogesso em Uberaba (MG). A Canada Rare Earth avalia um projeto para processar 70 milhões de toneladas de rejeitos de estanho acumulado no garimpo de Bom Futuro, em Rondônia, onde se identificou terras raras, cassiterita (minério de estanho), zircônio e ilmenita.
No território brasileiro, a presença de ETR é identificada em vários Estados, com destaque para Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Tocantins, Rondônia, Pará, São Paulo e Paraná. Além das argilas iônicas, os metais de terras raras são encontrados em outras fontes, como rochas compactas, areias monazíticas, rejeitos de outros minerais ou em associação a outros metais, como na exploração e produção de estanho no Amazonas, que gera também nióbio e ETR.
Cenário geopolítico
Na avaliação de Heider, o Brasil surge com vantagens na questão geopolítica. Hoje, a posição dominante em toda a cadeia de valor, que vai da mineração a produtos intermediários e finais, como ímãs, é da China. O país produz mais de 90% das ligas de imãs permanentes. Os Estados Unidos, apesar de avanços, ainda não dominam completamente a tecnologia em todas as etapas, principalmente na separação dos óxidos e na produção das ligas com metais de terras raras.
Na Ásia, depois da China, só a Malásia opera uma unidade de refino, cujo concentrado é australiano e a produção se destina quase totalmente ao Japão, informa artigo do especialista dos dois especialistas da ANM. Por isso, Europa, Japão e EUA, que têm forte dependência da China atualmente, e por bom tempo ainda - sobretudo ETR pesados e magnéticos - buscam alternativas de suprimento.
“A transição energética coloca o Brasil na rota de grandes investimentos em mineração, com o potencial de extração de terras raras de argilas iônicas”, afirma Heider. Para ele, é uma janela de oportunidade para alta escala de produção futura, atração de investimentos e também de empresas com tecnologia. “Há no País um cenário bastante animador para desenvolver ativos de classe mundial nessa área”, afirma.
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