‘Brasileiros procuram e querem pagar por produtos de beleza mais sofisticados’, diz CEO da L’Oréal

Segundo executivo, tecnologia e inteligência artificial estão revolucionando o mercado de cosméticos, com possibilidade até de fabricação de produtos personalizados

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Foto: Rogerio Resende/R2Foto
Entrevista comMarcelo ZimetCEO da L'Oréal Basil

Quarto maior mercado de beleza do mundo, o Brasil virou um grande laboratório a céu aberto para a gigante francesa L’Oréal. A empresa, que faturou no ano passado 38,2 bilhões de euros (algo como R$ 204 bilhões), vê na biodiversidade brasileira, com produtos diferenciados como a carnaúba e o babaçu, e na diversidade da população uma grande oportunidade para crescer.

“Temos praticamente todos os tipos (e tonalidades) de cabelo e pele aqui. Dificilmente temos isso em outros lugares”, diz o CEO da companhia no Brasil, Marcelo Zimet. Segundo ele, o País oferece grandes oportunidades no desenvolvimento de produtos e de negócios que, posteriormente, podem ser extrapolados para outras nações.

O executivo, primeiro brasileiro a assumir a presidência da L’Oréal no País, diz que, nos últimos quatro anos, a empresa tem crescido na casa de dois dígitos por ano – só em 2022, o avanço foi de 15%. Zimet afirma que tem percebido um movimento interessante no mercado doméstico, que é o interesse dos consumidores por produtos mais sofisticados, com mais inovação e tecnologia. “O Brasil está numa fase de ‘premiurização’ e valorização. Os consumidores estão dispostos a pagar por isso.”

Em entrevista ao Estadão, o executivo falou sobre o apetite da empresa por novas aquisições no País, o avanço da inteligência artificial e a busca pela sustentabilidade na empresa, que detém no portfólio marcas como La Roche-Posay, Lancôme, Vichy, Maybelline e Yves Saint Laurent. Confira trechos da entrevista:

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Como o sr. vê o ambiente de negócios do Brasil?

Temos muitas oportunidades de crescimento no Brasil. Nos últimos anos, independentemente do que ocorreu na economia e na pandemia, a L’Oréal cresceu a uma taxa de dois dígitos no País e a perspectiva é continuar assim. Uma economia mais aquecida, com mais emprego, tem um impacto ainda maior nas vendas e no consumo das nossas categorias. Isso cria um mercado ainda mais dinâmico. Mas, quando a gente fala de taxa de juros e de reforma fiscal, etc, é uma questão que traz um pouco mais de credibilidade internacional para o Brasil e reduz essa imagem que a gente tem da complexidade para fazer negócios no País. Mesmo assim, nunca colocamos isso como uma trava para investir aqui. O Brasil é o quarto maior mercado de beleza do mundo. Então, independentemente de algumas decisões macroeconômicas, vamos continuar crescendo. É claro que a queda da taxa de juros e a redução das complexidades ajudam ainda mais o grupo a querer investir no Brasil.

Qual a classe social predominante para a L’Oréal no Brasil?

A gente praticamente alcança todas as classes de consumo. Temos duas marcas voltadas para as classes C e D, a Colorama e a Niely. Nosso portfólio inclui categorias e marcas variadas, que nos dá certa margem em momentos de crise. Quando há uma crise econômica, temos produtos mais acessíveis para oferecer. Quando volta a crescer, temos marcas mais “premium” e com inovações. Esse é um grande diferencial da L’Oréal. O papel da empresa é trazer marcas valorizadas e justificar essa valorização através de inovação. Mas isso também vale para produtos mais acessíveis, como a Colorama, Niely e a Garnier Skin, uma marca própria que lançamos no Brasil durante a pandemia. Entendemos que, em momentos de crise, temos de acelerar os investimentos. Foi o que fizemos na pandemia e desde então estamos crescendo dois dígitos todo ano.

Presidente da L'Oréal Brasil, Marcelo Zimet, diz que País é um laboratório a céu aberto para desenvolvimento de produtos e negócios Foto: Rogerio Resende/R2Foto

Esse crescimento mais forte começou em 2020?

A gente já vinha crescendo bem, mas um dos grandes diferenciais da L’Oréal naquele ano foi que, enquanto muitas empresas recuaram, nós decidimos investir forte e lançamos duas marcas durante a pandemia. Lançamos a Garnier Skin (linha Skin Active) e CeraVe no Brasil. E isso deu muito certo.

Do consumo interno do Brasil, o que é fabricado aqui e o que vem de fora?

Hoje, mais de 90% das unidades que vendemos no Brasil são fabricadas aqui. Temos uma fábrica que produz praticamente cinco categorias. Geralmente, as fábricas no mundo da beleza são muito especializadas em uma categoria. A nossa fábrica atende muito bem o consumo local, o que nos dá agilidade para tomar decisões de lançamento, por exemplo.

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Qual o produto líder de vocês?

Quando a gente fala de volume, o Brasil é um dos maiores mercados de cabelo do mundo. Praticamente vendemos produtos capilares em três das nossas divisões. Temos marca desde Kérastase, L’Oréal Profissional; tem a divisão de beleza dermatológica, que trabalha questões um pouco mais medicinais, ou seja questões como de caspa, queda de cabelo e fortalecimento; e temos as marcas mais acessíveis, como Elseve e Niely Gold. A categoria de pele e coloração também é muito forte. Hoje a L’Oréal é líder absoluta no Brasil com mais de 30% do mercado de coloração. Diria que grande parte do volume de vendas da empresa vem dessas três categorias. O que é interessante é que nos últimos anos o mercado de luxo no Brasil tem se desenvolvimento bastante. Fragrâncias, perfumes e maquiagens mais sofisticadas vieram complementar um pouco esse portfólio. O País vem numa fase de “premiurização” e valorização. Os consumidores brasileiros, pelo menos em beleza, vêm procurando produtos mais sofisticados, com mais inovação e mais tecnologia. E estão dispostos a pagar por isso.

Qual a explicação desse movimento num País com baixo crescimento econômico?

Há um grande movimento global e super intenso no Brasil – por ser um dos maiores mercados de beleza do mundo – que é a questão da autoestima. Principalmente em momentos difíceis (como ocorreu na pandemia), a autoestima floresce. Essa parte de você se sentir bem é super relevante. Outra é a questão da saúde. Tivemos um crescimento exorbitante de consumo por produtos para pele e cuidados para pele durante a pandemia, em que as pessoas estavam em casa.

Com esse crescimento de dois dígitos, há perspectiva de expansão da fábrica ou de novas aquisições?

Sempre trabalhamos com horizonte de três a cinco anos. Então, no ano passado, fizemos um planejamento até 2027 da fábrica, mas já com uma estimativa também até 2030. Hoje temos capacidade para praticamente duplicar nosso faturamento no Brasil tanto na parte de produção quanto do novo Centro de Distribuição, inaugurado em 2021. Não temos nenhuma barreira operacional para duplicar o nosso negócio no Brasil. Já fizemos isso, entre 2019 e 2023. E a tendência é que nos próximos quatro ou cinco anos a gente duplique novamente nosso faturamento. É um ritmo bastante acelerado de crescimento.

Vocês acabaram de fazer uma aquisição da Natura. Tem outras aquisições no radar?

Sim. Falamos de forma aberta para o mercado isso. Das 36 marcas globais da L’Oréal, apenas três são originais da empresa (L’Oréal Paris, L’Oréal Profissional e Kérastase). O resto foi aquisição. A L’Oréal está sempre olhando categorias, preços, tendências que estão acontecendo e mirando aquisições. Somos muito ativos nessa área. A Aesop (adquirida da Natura) foi uma super aquisição para complementar o portfólio. Temos certeza que dá para multiplicar por várias dígitos o faturamento que ela tem hoje. Então foi super estratégica e acho que vai ter bons frutos para a empresa. E, sim, a gente continua olhando tudo. Diria que praticamente todas as categorias ainda têm grandes oportunidades no Brasil. Avaliamos não só aquisição de marcas, mas também quais são os planos futuros das marcas com potencial de crescimento no Brasil e quais modelos de negócios podem ser mais interessantes para a expansão. Talvez seja um modelo que a gente não opera no Brasil e que seja super interessante para expansão também das marcas que a gente já tem. Estamos aberto para olhar absolutamente tudo.

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Hoje estamos num momento em que se discute muito o papel da inteligência artificial nas empresas. Em que estágio a empresa está nesse aspecto?

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Vou começar um pouco pela cultura da L’Oréal. Tem uma frase que a gente fala muito aqui que é “Antecipar o que está por vir’. A empresa sempre teve essa curiosidade de entender quais são tendências. Fomos uma das primeiras empresas que entraram no digital, há muitos anos. Percebemos que isso era uma tendência e que seria a revolução da beleza no mundo. Uma forma de as pessoas se comunicarem, se expressarem. Isso começou lá atrás, foi evoluindo, entrou com digital e depois com a parte do e-commerce, em que investimos muito. Isso foi um dos motivos pelos quais a empresa foi menos afetada na pandemia, comparada a outras organizações. Foi uma aceleração incrível do e-commerce, com cerca de 30% do faturamento por meio do digital. Depois disso tivemos um novo momento, que é o momento em que a L’Oréal se autodeclara não apenas como uma empresa de beleza, mas como uma “beauty tech”.

Por quê?

O nível de investimento que fazemos em novas tecnologias para estar à frente da concorrência é enorme. Fizemos um acordo com a Microsoft alguns meses atrás que permite ao usuário ter looks diferentes para uma reunião. Se você acordou e não conseguiu se maquiar e se arrumar, você pode escolher um look e ficar 100% maquiada (uma espécie de filtro). E se você gostou, você pode adquirir os produtos por meio de um link já definido. Então tem esse movimento da L’Oréal para ser uma empresa de tecnologia, seja com serviço ou com a fabricação de produtos. Hoje, por exemplo, você pode fazer um lápis labial ou um batom da cor que você quiser. A gente dá os ingredientes e o cliente define no aplicativo qual a cor é mais adequada para o look do momento. Você testa no seu telefone e vê como fica. Se gostar, manda uma mensagem e o produto é feito do jeito que você quer.

É produzido um batom personalizado?

Sim. A pessoa terá três cores para fazer um batom. E vamos produzir a cor que ficará melhor no seu rosto, para aquele momento ou roupa que está vestindo. Tudo isso por inteligência artificial. Quando falamos de beleza, estamos cada vez mais falando de beleza individualizada, em que a cliente vai poder definir o que é beleza para ela. Nós damos todas as ferramentas para que ela consiga produzir o que deseja. Estamos super empolgados com tudo isso. Há 2, 3 anos começamos a falar sobre Metaverso e a testar. Agora veio a inteligência artificial aumentada. Criamos um grupo de trabalho para explorar as possibilidades disso tudo, como o ChatGPT. Tive há pouco uma reunião para falar dos prós e contra e os cuidados que a gente tem de tomar, pois ficamos muito empolgados e queremos sair fazendo um monte de coisas.

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Isso não assusta?

Não. O mercado de beleza no mundo vem crescendo num ritmo super acelerado, em torno de 5% de forma constante. A L’Oréal tem crescido mais que o dobro disso. E temos uma participação acima de 14% do mercado global. Então temos muita empolgação, porque se a gente acertar em como utilizar de inteligência artificial, temos uma grande oportunidade. O ponto aqui é como que a gente se movimenta rápido.

O objetivo seria usar a tecnologia para produtos mais inovadores e a inteligência artificial para chegar mais rápido até o cliente?

Também. Mas, por exemplo, o e-commerce foi uma coisa maravilhosa, que permitiu chegar até lares que a gente não chegava antes. Hoje, quase 80% do faturamento na China vem do e-commerce. O comércio eletrônico permite chegar a muitos lugares que não se imaginava alguns anos atrás. Com a inteligência artificial e o Metaverso você também poderá ter acesso a consumidores que antes não tinha. Também vai dar acesso a produtos. Mas, repito, há muitos cuidados que a gente tem de ter. Tem uma parte de responsabilidade, não só de empregabilidade, mas também de dados. Porque todas as novas plataformas que existem hoje - seja de e-commerce ou inteligência artificial - só funcionam com uma grande base de dados. Apesar de ser uma super oportunidade, é preciso fazer isso de forma sustentável, que também respeite o consumidor.

De que forma esse novo mundo mexe na estrutura da corporação?

É um ambiente cada vez mais integrado. Eu lembro que no começo, quando a gente falava de digital, havia o time de digital. Hoje em dia digital já é um pré-requisito para qualquer colaborador que trabalha na empresa, seja na área comercial, de marketing ou qualquer outra função. A tendência é essa, é natural. Sempre que tem uma coisa nova, há um grupo de especialistas, que ajudam a educar e colocar isso dentro dos processos. Depois naturalmente essas novas tecnologias acabam sendo integradas na operação cotidiana. Eu diria que hoje as estruturas são super dinâmicas, então existem funções que desapareceram e têm funções que apareceram, mas as pessoas não desaparecem. As posições foram modernizadas.

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Mas isso exige habilidades diferentes dos profissionais?

Ao mesmo tempo que a gente adota nova tecnologias, tem todo um trabalho de educação super forte. Em toda essa parte de inteligência artificial, existe um trabalho de educação das lideranças.

L'Oreal agora se autodenomina uma Beauty Tech Foto: ALAIN JOCARD / AFP

Alta tecnologia combina com sustentabilidade?

Se você perguntar quais as duas grandes revoluções da L’Oréal, eu diria que foi a parte digital e de sustentabilidade. O CEO anterior colocou muito foco nisso, em como a gente transforma nossa companhia numa empresa mais tecnológica e avançada, mas ao mesmo tempo sustentável e responsável. Um dos objetivos super ambiciosos do grupo é ter praticamente todos os prédios, centros de distribuição e fábricas com carbono neutro até 2030. No Brasil, todos os prédios já são carbono neutro, uma meta alcançada cinco anos antes da data estabelecida pela empresa. Também queremos eliminar ao máximo a quantidade de plástico no nosso processo. Até 2030, 100% dos produtos feitos pela companhia em plástico vão ser de plástico reciclado ou reciclável. Estamos acelerando também a venda de refil. Hoje, por exemplo, há uma listinha para cada produto que a gente vai lançar e temos de cumprir critérios e indicadores de sustentabilidade. Caso tenha algum vermelho, não podemos lançar esse produto, mesmo que ele seja incrível.

O que o sr. diria sobre a participação do Brasil no grupo?

Temos de ser maiores do que somos hoje. Temos uma grande ambição para o Brasil. O País tem um potencial gigantesco. Tem também dois competidores muito bons (referindo-se a Natura e Boticário) que fazem a gente ser ainda mais exigentes com nosso time para continuar crescendo. Apesar de ser o quarto maior mercado de beleza do mundo, há categorias subdesenvolvidas no País e que têm potencial de crescimento. O Brasil é um laboratório a céu aberto, com a maior biodiversidade e diversidade de pessoas que dificilmente vemos em outros países. Temos praticamente todos os tipos de pele, de tonalidade de pele, de tipos de cabelo. Dificilmente temos isso em outros lugares. O Brasil é um grande laboratório para o grupo L’Oréal no desenvolvimento de produtos e de negócios que depois podem ser extrapolados para outras regiões ou países.

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