Braskem: ‘operação de guerra’ após tragédia no RS envolveu de helicópteros a inteligência artificial

Em uma mobilização inédita, a empresa usou até IA para monitorar o avanço da água na casa de cada um dos 1,5 mil profissionais da equipe do polo petroquímico durante o evento climático extremo

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Roberto Bischoff, presidente da Braskem, chegou a Guarulhos às 5h da manhã de quarta-feira, 17, e 16 horas depois conseguiu pousar numa cidade a duas horas de seu destino final. Detalhe: ele não embarcou num voo internacional. Tratava-se de uma viagem cotidiana, numa visita à unidade da petroquímica no Rio Grande do Sul. “De longe, a gente ainda não consegue ter dimensão do tamanho da tragédia”, diz ele, que é gaúcho e começou a trabalhar na empresa antes de o polo petroquímico de Triunfo ser construído. “Cruzei o Estado e ainda tem estradas na Serra destruídas, que estão abertas apenas por uma hora e meia de manhã e à tarde. É impressionante!”

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Do mesmo modo, a operação montada na Braskem, tão logo as chuvas que devastaram o Estado há dois meses começaram a avançar, foi inédita e com detalhes que o executivo reconstitui agora. Com a atuação em um setor de risco e acostumada a lidar com emergências, como o afundamento de bairros em Maceió por conta de sua mina de sal-gema, a Braskem tem protocolos estabelecidos para situações que fujam das cotidianas. Mas a tragédia climática do Rio Grande do Sul teve tamanha dimensão que a empresa, uma gigante que faturou R$ 70 bilhões no ano passado, foi obrigada a apelar a helicópteros, inteligência artificial para monitorar o avanço da água na casa de cada um dos 1,5 mil profissionais da equipe e uma mobilização que não havia experimentado até então.

Para se ter uma ideia da dimensão da operação no Rio Grande do Sul, a Braskem tem oito fábricas no polo. São três unidades de insumos básicos, três de polietileno e duas de polipropileno. De lá saem 5 milhões de toneladas de produtos ao ano, por rodovias, ferrovia, dutovias e hidrovia. A operação está conectada a diversas empresas, como fabricantes de embalagens, itens de plástico e não tecidos, entre outras. Além dos 1,5 mil funcionários diretos, há mais de 3 mil pessoas empregadas nessas operações. É uma peso tão grande no Estado que economistas tentavam descobrir quando seria sua retomada para poder concluir o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB).

Diferentemente de outras indústrias, pegas de surpresa com fábricas ilhadas e profissionais presos e incomunicáveis, uma petroquímica tenta não ser surpreendida por uma parada súbita. “A diferença entre parar preventivamente e de forma emergencial é muito grande em termos de impacto na operação e riscos”, diz Bischoff. Assim, a Braskem não podia esperar a inundação chegar à porta do polo para decidir o que fazer.

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A Braskem doou R$ 5 milhões em resinas, e a FFS, com a parte que recebeu, produziu 100 mil sacos, usados na embalagem de donativos Foto: Jeronimo Silvello/Braskem

Como foi montada a operação

Com chuvas em volumes inéditos desde 27 de abril, foi formado um comitê de crise, como determina o protocolo para emergências, composto por líderes das áreas de produção, logística, segurança e recursos humanos. Eles decidiram parar a primeira unidade no dia 3 de maio. No dia seguinte, a segunda. “Foram basicamente três motivos que levaram à decisão: mobilidade de pessoas e produtos porque os acessos já estavam sendo interrompidos, risco de paradas de bombas de captação de água e no tratamento de efluentes”, diz.

Só que parar um polo petroquímico não significa desligar o interruptor de luz e ir para casa. Há equipamentos e linhas que precisam ser mantidos em operação e demandam pessoal 24 horas por dia. Cerca de 300 funcionários, cujas casas e famílias foram menos afetadas, se voluntariaram para essa fase.

A gente precisou criar condições para que as pessoas pudessem ficar na região ou mesmo dentro das unidades de maneira adequada. Enquanto montávamos uma operação mais complexa de helicópteros que os transportariam nos turnos de 12 horas, criamos uma espécie de alojamento, com colchonetes, colchões e estadias em hotéis na vizinhança, que funcionou por alguns dias.”

Roberto Bischoff, presidente da Braskem

Havia muito acontecendo ao mesmo tempo. Além de comandar a própria operação, as empresas que trabalham conectadas em tempo real à Braskem precisavam ser avisadas para alterar sua própria produção. “As operações são totalmente integradas, uma depende da outra”, diz ele. “Um suspiro numa delas, a gente fica sabendo imediatamente.” E vice-versa. Além disso, era preciso suspender o recebimento de matéria-prima e a logística de saída. No total, foram mais de 500 envolvidos.

Os voluntários, porém, não conseguiam mais sair nem chegar ao polo. “A gente precisou criar condições para que as pessoas pudessem ficar na região ou mesmo dentro das unidades de maneira adequada”, afirma Bischoff. “Enquanto montávamos uma operação mais complexa de helicópteros que os transportariam nos turnos de 12 horas, criamos uma espécie de alojamento, com colchonetes, colchões e estadias em hotéis na vizinhança, que funcionou por alguns dias.”

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Corrida contra o tempo

Simultaneamente, parte dos trabalhadores sofria com as águas invadindo suas casas e as de seus parentes. Quase 100 deles tiveram perdas consideráveis. “Fizemos um mapa por inteligência artificial que identificou onde cada um dos 1,5 mil funcionários morava e acompanhávamos, conforme a enchente ia andando, quais estavam em situação de risco e quais iam entrar”, diz Marcelo Arantes, vice-presidente de pessoas e comunicação da Braskem. A ideia era contatar e ajudar para tentar evitar perdas maiores.

Foram conseguidos alojamentos para quem estava desabrigado, bem como fornecida ajuda de custo emergencial. O 13º salário e a participação nos lucros foram antecipados, oferecida assistência psicossocial a todas famílias envolvidas e organizados grupos de apoio. Além disso, havia demandas da comunidade, de prefeituras, de secretarias e do governo do Estado. “Essas pessoas são muito treinadas, mas a emergência climática e a velocidade com que se estabeleceu exigiu muito mais apoio”, afirma Bischoff.

Depois da parada, o grupo continuou reunindo-se três vezes ao dia, para acompanhar um conjunto de 49 ações necessárias para manter a segurança e restabelecer condições para a retomada. Entre as tarefas, estava a busca de rotas alternativas para o recebimento e a retirada dos produtos, já que as estradas haviam sido danificadas e o terminal de barcaças estava submerso. As fábricas em si não foram inundadas.

Foram duas semanas de parada até o início da retomada, em 20 de maio, quando as águas baixaram. Também aconteceu de maneira paulatina, com grupos e listas de tarefas sendo executadas com as condições até hoje precárias em várias frentes.

Para os negócios, o impacto foi pequeno, diz Bischoff, uma vez que o setor vive um ciclo de baixa e as demandas dos clientes foram atendidas por outras unidades, com exceção do plástico verde, feito exclusivamente em Triunfo. Os custos também não teriam sido expressivos. “Temos um modelo de gestão descentralizado e, ao longo do ano, as equipes trabalham para compensar eventuais perdas”, diz Bischoff. “Mas haverá impacto no balanço do segundo trimestre, evidentemente.” Talvez também nos próximos. “Sem a ferrovia, temos uma logística completamente diferente, por cabotagem com transbordo por caminhão, que é mais cara”, afirma.

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