ENVIADA ESPECIAL A CAMAÇARI (BA) - Há um ano e meio, o baiano Irã Ribeiro, de 41 anos, vive a rotina de deixar a família em Camaçari (a 45 quilômetros de Salvador) e passar temporadas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Ele trabalha como mecânico industrial e tem conseguido empregos temporários nesses locais.
A vida já foi melhor para Ribeiro. Por 17 anos, ele atuou como terceirizado na fábrica da Ford em Camaçari, que fechou as portas em janeiro de 2021. Nos seis meses seguintes após a planta encerrar as atividades, o trabalhador continuou batendo ponto no local, onde esvaziou os tanques de tinta e verniz dos laboratórios químicos. Foi um dos últimos a deixar a fábrica.
Entre o fim das operações da Ford em Camaçari e meados de 2023, Ribeiro ficou sem trabalhar, vivendo com o dinheiro que recebeu ao ser desligado. Pensou em abrir uma oficina de pintura automotiva, mas desistiu ao ver que todos seus colegas de fábrica estavam fazendo isso. Por fim, investiu o que ainda tinha para comprar sete terrenos na região.
Apesar de hoje ganhar 30% menos do que recebia na época da Ford e de ter de passar temporadas longe da família para trabalhar, Ribeiro está otimista com 2025.
Ele diz acreditar na possibilidade de conseguir um emprego em sua cidade – para isso, fez um curso de três meses no Senai neste ano – e de vender com lucro alguns dos terrenos que comprou nos últimos anos.
A perspectiva positiva surgiu com o anúncio de que a montadora chinesa BYD vai começar a operar em Camaçari em março do ano que vem – no terreno anteriormente ocupado pela planta da Ford –, empregando 10 mil pessoas até agosto. De acordo com a empresa, ao todo, 20 mil postos devem ser gerados quando a unidade estiver em pleno funcionamento.
A BYD, que anunciou o início das obras em Camaçari em março deste ano, está investindo R$ 5,5 bilhões na unidade, onde pretende produzir veículos 100% elétricos e híbridos. Em março, no entanto, a empresa havia anunciado que a operação começaria entre o fim de 2024 e o início de 2025. Agora, o prazo é “após o Carnaval”.
Apesar do atraso da chinesa, Ribeiro permanece otimista. Diz achar que muita gente vai se mudar para a cidade, aumentando a demanda por imóveis e garantindo um preço melhor para seus terrenos. Também está na expectativa de ser chamado para trabalhar na montadora.
Ele não é o único na cidade animado com a chegada da BYD em 2025. Lucia De Nardi tem uma loja de materiais de construção em Camaçari há 21 anos. Ela conta que, desde que a Ford fechou a fábrica, suas vendas diminuíram 35% – e nunca se recuperaram. Com a queda no faturamento, a empresária teve de demitir cinco dos sete funcionários que tinha e vender o carro usado para fazer entregas.
“A gente tinha muitos clientes que trabalhavam na fábrica. Eles foram todos embora”, diz. Segundo De Nardi, há a expectativa de que as vendas finalmente aumentem com a chegada da BYD, apesar de ela não ter registrado melhora até agora.
Entre os moradores de Camaçari, é praticamente unânime a afirmação de que a saída da Ford teve um impacto significativo na economia do município. Grande parte das pessoas ouvidas pela reportagem disse ter ao menos um conhecido que passou pela fábrica e fala com pesar do fim das operações da montadora americana.
Em fevereiro de 2021, mês seguinte após o anúncio do fechamento da planta, a produção industrial da Bahia caiu 5,8% na comparação com janeiro. Foi o terceiro maior recuo no País naquele mês, após Ceará e Pará, segundo dados do IBGE.
Também entre janeiro e fevereiro daquele ano, 350 postos de trabalho formais foram fechados na cidade. Em julho, quando tinha 64,5 mil pessoas com carteira assinada, o mercado de trabalho de Camaçari registrou seu pior resultado de 2021, com 2,5 mil vagas a menos que no começo do ano. A partir daí, a situação foi se recuperando aos poucos. Hoje, são 73,6 mil pessoas no mercado formal.
O impacto é mais claro quando se analisam dados de emprego na fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias na Bahia. Em janeiro de 2021, eram 6,3 mil pessoas. Um ano depois, 2,1 mil – recuo de 67%. Atualmente, são 2,4 mil.
“Quando fechou a Ford, a impressão é que todo mundo ficou órfão aqui. Foram dois grandes impactos seguidos: o da covid e o da Ford. Mas o comércio buscou forças. Os pontos não ficaram muito tempo fechados, mas o poder aquisitivo caiu em toda a cidade. As vendas diminuíram em todos os setores”, diz Manuelina Ferreira, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Camaçari.
Com o fim da operação da montadora, a arrecadação da prefeitura com ISS diminuiu R$ 10 milhões por mês, o equivalente a 7%, segundo o secretário de governo de Camaçari, José Gama Neves. O repasse de ICMS recuou 12%. Procurada para comentar sua saída da cidade, a Ford não retornou os pedidos da reportagem.
Diante da queda na arrecadação, a Prefeitura levantou um financiamento de R$ 200 milhões com a Caixa Econômica e outro de US$ 100 milhões com o Banco de Desenvolvimento da América Latina para realizar obras que planejava fazer com recursos próprios.
“O impacto foi muito grande. Houve uma discussão na cidade quando eles (a Ford) chegaram, mas não houve quando saíram. Imagina uma empresa que fazia o transporte dos funcionários, ela teve de fechar de uma hora para outra”, lembra o secretário.
Para que a BYD abra sua unidade em Camaçari, a Prefeitura concedeu à empresa dez anos de isenção no IPTU e um desconto de três pontos porcentuais na alíquota do ISS. “Tudo na perspectiva que depois, com as atividades na fábrica, a arrecadação cresça. Mas ainda não estamos vivendo essa realidade”, diz Neves.
Ferreira, da associação comercial, entretanto, destaca que alguns setores começam a perceber um aquecimento econômico, sobretudo o imobiliário e o de alimentação. “A gente nota que está circulando dinheiro na rua.”
O setor imobiliário foi um dos poucos que não sofreram muito quando a Ford encerrou as atividades, dado que muitos trabalhadores demitidos compraram imóveis com o dinheiro que receberam na rescisão. Hoje, esse setor parece ser o primeiro a se beneficiar com a chegada da BYD.
A imobiliária Imóvel Fácil, por exemplo, já locou um prédio inteiro, com 50 apartamentos, localizado no município vizinho de Lauro de Freitas, para trabalhadores da montadora chinesa. Na Palmeira Imóveis, foram quatro casas e um apartamento locados para chineses.
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“A gente sentiu que a procura cresceu e parece que, em fevereiro, vai chegar mais chineses”, diz a dona da imobiliária, Amanda Palmeira. Ela destaca que os preços de locação já estão pressionados na região, com o aluguel de casas em condomínio tendo passado de R$ 3,5 mil para R$ 4,5 mil – alta de 28,6%.
Entre os donos de restaurante, também há perspectiva de um 2025 melhor que 2024. Dono de dois estabelecimentos, Everton Souza espera que seu faturamento cresça 50% em 2025. Ele passará a abrir uma de suas unidades para o almoço e para o jantar no ano que vem – hoje, a loja só funciona à noite. “Acho que não faria isso se não tivesse a fábrica”, diz.
O empresário afirma pretender contratar mais dez funcionários no próximo ano, fazendo com que sua equipe atinja um tamanho semelhante ao do pré-coronavírus. Hoje, são 28 trabalhadores. No pior período da crise, o número caiu para 22.
“No primeiro ano depois da Ford, a situação não foi tão ruim, porque as pessoas receberam dinheiro quando foram demitidas. Um ano depois, tudo complicou bastante”, diz Souza. “Agora, em 2024, as coisas foram melhorando. Os chineses começaram a chegar”, acrescenta ele, que, até 2020, costumava vender vouchers de refeições para fornecedores da Ford distribuírem entre seus funcionários.
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