O Carrefour reinaugurou na quinta-feira, 1º, a sua loja de número um no Brasil, aberta em 1975 na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Uma nova unidade foi erguida bem ao lado da original, que será demolida para dar lugar a um conjunto de prédios residenciais e comerciais avaliado em R$ 3 bilhões e que se estenderá pela antiga área de estacionamento.
A transformação do local serve como exemplo de um grande plano de negócios que virá pela frente. O Carrefour Property, braço de negócios imobiliários do grupo varejista francês, tem 50 projetos de complexos multiusos para serem desenvolvidos nos próximos dez anos a partir da reconfiguração dos terrenos onde estão as suas lojas. Com isso, seria possível multiplicar a área construída nesses locais entre três e cinco vezes, com inserção de residências, salas comerciais, hotéis, minishoppings, parques e afins.
O Carrefour é um dos maiores proprietários de imóveis do País. Após a aquisição do Big, o grupo chegou a um total de 518 unidades - entre hipermercados, galerias de lojas, shoppings, estacionamentos e postos de gasolina. Esse estoque de ativos tem um valor contábil de R$ 21 bilhões.
O pontapé no desenvolvimento dos projetos de uso misto será acelerado após o grupo anunciar, no começo deste mês, a intenção de transferir os ativos para a subsidiária imobiliária encarregada de fazer a gestão das edificações e desenvolver novos empreendimentos.
“O Carrefour Property tem um landbank (banco de terrenos) muito grande, mas isso não aparece no preço da ação do grupo. Ele só terá valor a partir do momento em que os projetos forem desenvolvidos”, ressaltou a presidente da subsidiária, Liliane Dutra, que assumiu o cargo há um ano com a missão de destravar os projetos.
Dutra tem mais de 20 anos de experiência na indústria de shoppings, onde trabalhou como diretora de desenvolvimento e de operações de BrMalls, Ancar Ivanhoe e Brookfield Asset - três peso-pesados do setor. No Carrefour Property, vai liderar um time com 350 funcionários que foi contratado com vistas a dar suporte ao lançamento dos projetos.
Potencial para destravar valor
Uma vez segregado, o portfólio de imóveis da varejista representaria um resultado operacional líquido (NOI, na sigla em inglês) de R$ 1,5 bilhão. Pelos cálculos do Goldman Sachs, isso geraria um valor de firma de R$ 11 bilhões a R$ 17 bilhões, algo próximo a 40% do valor de mercado do grupo todo no Brasil. Ou seja, tem, de fato, grande potencial para destravar valor aos investidores.
“São muitas as oportunidades. Após a compra do Big, esperamos que essa iniciativa terá uma tração maior”, afirmou Dutra. Do total de 50 projetos selecionados, todos têm viabilidades legal, urbanística e financeira já comprovadas, segundo a executiva. Alguns estão em fase de licenciamento e outros estão mais avançados para se chegar à decisão de início das obras.
Os lançamentos devem ocorrer “muito em breve”, disse ela, acrescentando que está em conversas com potenciais parceiros para essa jornada. “Estamos decidindo se vamos anunciar os projetos um a um ou em conjunto”, disse. O Carrefour Property pretende desenvolver uma parte dos projetos por conta própria e outra parte através de parcerias com permutas - neste caso, o Carrefour entra com o terreno e a futura sócia se encarrega das obras.
Foi assim no Complexo Alto das Nações - que abriga a primeira unidade do Carrefour no Brasil. O projeto do local terá um prédio residencial com apartamentos para aluguel (da JFL Realty), um prédio corporativo (da Altre, empresa do grupo Votorantim) e um residencial com apartamentos de alto padrão para venda (da Eztec), além de parque público e teatro. O Carrefour permaneceu com 30% do negócio todo. A WTorre ficou com as obras, que serão concluídas em etapas até 2025. Neste mês ficou pronto o novo hipermercado e a galeria de lojas.
Na visão da diretora de Pesquisa e Inteligência de Mercado da consultoria Newmark, Mariana Hanania, o Carrefour Property deve despontar como uma das maiores empresas de propriedades comerciais do País. Ela lembra que a estratégia de diversificar o uso de suas unidades é semelhante ao que já fazem bancos como Bradesco e Santander, por exemplo, que também têm áreas voltadas a explorar o potencial imobiliário das suas agências. “Mas é preciso estudar a viabilidade mercadológica e a capacidade de absorção de todos os potenciais usos dos futuros projetos”, ponderou Hanania.
O presidente da consultoria Siila, Giancarlo Nicastro, disse ver essa estratégia como um caminho natural para o Carrefour, que acumulou muitos imóveis em bairros centrais ao longo das últimas décadas de operação no Brasil. Ele acredita que a companhia precisa diluir o custo de carrego desse conjunto gigantesco de imóveis ao mesmo tempo em que compete com mercados de bairro e o comércio eletrônico. Nicastro disse também que há interesse do mercado em entrar como sócio. “A coisa mais difícil para o setor imobiliário é encontrar bons terrenos nas capitais, especialmente áreas grandes em regiões centrais. E não falta incorporador, investidor ou fundo querendo colocar dinheiro em bons projetos”, disse.
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