Ressuscitar o chamado carro popular, que ajudou a expandir o mercado brasileiro nos anos 1990, não é tarefa fácil, mesmo que a medida venha com redução de impostos, como ocorreu naquele período. Para incentivar o segmento, o governo da época reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para 0,1%.
O preço para a categoria também foi limitado a R$ 7,2 mil, em valores da época. Hoje, atualizado pelo IGP-M, os modelos apelidados de “pé de boi” e “pelados”, por serem despojados de itens de conforto, segurança e matéria-prima de qualidade, custaria R$ 80 mil, segundo cálculo da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
“E estamos falando de um tipo de veículo que, na época, não tinha nem retrovisor do lado direito, só o do motorista”, disse o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite. Hoje, ressaltou ele, os carros têm airbag e freios ABS - que passaram a ser obrigatórios a partir de 2014. Também há elevado número de semicondutores para atender sistemas de navegação, conectividade e de controle de emissões.
Montadoras, revendedores e governo estudam uma forma de baratear os preços de modelos que já estão no mercado, em especial os chamados “de entrada”, os mais baratos de cada marca, hoje na casa de R$ 70 mil a R$ 80 mil. Os mais em conta à venda, atualmente, são o Fiat Mobi e o Renault Kwid, ambos a R$ 69 mil.
Um valor citado inicialmente pelo governo é o de R$ 50 mil, a ser atingido com redução de impostos, retirada de itens de conforto e design, redução de margem de lucro dos fabricantes e dos revendedores e linhas especiais de crédito com juros subsidiados. Segundo Leite, está em avaliação se a proposta é factível ou não, mas fabricantes como a General Motors já se pronunciaram contrárias ao tema.
Leia também
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou recentemente os preços dos automóveis no Brasil, citando modelos de R$ 70 mil e R$ 90 mil que, em sua avaliação, “não são populares, são para a classe média”.
Preço alto
O carro brasileiro está caro por uma série de fatores, segundo os fabricantes. Os motivos vão dos altos impostos (antiga queixa do setor) às mudanças tecnológicas que seguem as tendências do mercado global e as novas regulamentações de segurança e emissões internas.
O projeto dos carros populares foi aprovado em 1992, pelo então presidente Itamar Franco. Contemplava modelos com até 1.0 cilindrada, e o primeiro beneficiado foi o Uno Mille, da Fiat, que só precisou fazer pequenas alterações no modelo que já estava em linha dois anos antes.
As outra três montadoras que atuavam no mercado de automóveis na época se apressaram em adaptar seus modelos para usufruir do benefício fiscal. Surgiram então o Gol 1000, da Volkswagen, o Chevrolet Junior, da GM, e o Escort Hobby, da Ford. O Fusca só entrou na categoria por um capricho de Itamar, que sugeriu seu retorno à Volkswagen porque achava que era o verdadeiro carro popular.
O modelo tinha deixado de ser fabricado em 1986 e foi ressuscitado com o mesmo motor 1.6. Itamar deu um jeito de alterar a regra e incluiu o Fusca. A retomada da produção em 1993 contou com visita do então presidente à fábrica do ABC paulista, com direito a desfilar em uma versão conversível, nunca foi fabricada. Conhecido como “Fusca Itamar”, teve pouco mais de 40 mil unidades vendidas e saiu de linha três anos depois.
Em 1995 o presidente Fernando Henrique Cardoso aumentou o IPI dos “populares” para 7%, e os preços saltaram para cerca e R$ 12 mil, em valores da época. Na sequência de Fusca, Gol, Mille, Junior e Hobby, vários outros modelos marcaram o segmento, e o motor 1.0 permanece no mercado até hoje, com imposto menor que os demais, e equipa desde modelos simples, “de entrada”, até carros com motor turbo, sedãs e SUVs.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.