As recentes turbulências em relação aos carros elétricos, decorrentes de fatores como falta de infraestrutura de carregamento, preços altos e fim de subsídios, desaceleraram as vendas em nove dos dez maiores mercados globais, entre eles os Estados Unidos e a Alemanha. A exceção no grupo desses dez mercados é o Brasil.
O País assiste a uma alta significativa de vendas de automóveis 100% a bateria ao longo deste ano, com um acumulado de 492,8% até setembro, ante 24,6% em 2023. Os negócios são puxados pela chegada de marcas chinesas com preços competitivos em relação aos elétricos importados por montadoras tradicionais e até mesmo na comparação com alguns dos produtos com motores a combustão.
Mas, apesar do alto índice de crescimento, em unidades o número de elétricos vendidos no País ainda não é muito relevante, e soma 45,7 mil unidades, o equivalente a 3,2% do total de automóveis e comerciais leves vendidos no período. No Reino Unido, que está logo abaixo do Brasil em volume geral de vendas de automóveis, os carros a bateria somaram 269,9 mil unidades. Na incomparável China foram 4,2 milhões de unidades.
Mas, enquanto a venda de elétricos desacelera na maior parte dos países, a comercialização de veículos híbridos (que combinam um motor a combustão e um elétrico) e híbridos plug-in (quando o motor elétrico pode ser carregado por uma fonte externa) teve melhora de desempenho — ou pelo menos desaquecimento menor nas vendas — em vários desses locais na comparação com os resultados de janeiro a setembro de 2023.
Esse movimento fortalece as análises de que a transição energética por meio de frotas totalmente elétricas pode ser mais lenta do que se esperava. Países com datas definidas para o fim da produção de carros a combustão estão agora revendo prazos e buscam um mix com mais híbridos. Antes dessa reviravolta global, a hibridização já era a escolha do Brasil, mas com uso da tecnologia flex, que permite abastecer o motor a combustão com etanol ou gasolina.
A China, líder mundial do mercado automotivo e maior fabricante de elétricos, registrou alta de 14,2% nas vendas de janeiro a setembro. Em igual período de 2023, a alta tinha sido de 25,6%, conforme dados do relatório global da consultoria PwC. As vendas de híbridos no país cresceram 6,9%, enquanto em 2023 o saldo foi negativo em 4,5%. O desempenho de híbridos plug-in manteve-se acima dos 80%.
Nos EUA a mudança foi ainda mais expressiva. As vendas de elétricos cresceram 17,9% no período analisado, ante 64,1% em 2023. O crescimento dos híbridos também desacelerou, mas em menor proporção, de 38,6% para 28,7%.
Migração
Segundo Geovani Fagunde, sócio da consultoria PwC Brasil, há uma migração de carros elétricos para híbridos e híbridos plug-in, em especial nos países que tinham decidido fazer a transição dos modelos a combustão direto para aqueles movidos só a bateria. “O elétrico puro teve um certo arrefecimento global e hoje os híbridos aparecem mais como solução intermediária e mais interessante para a descarbonização”, diz.
Outra justificativa para a retração dos elétricos na Europa e nos EUA tem a ver com a suspensão de incentivos governamentais para compra, que eram de € 7 mil e US$ 7,5 mil, respectivamente. “Com a retirada de subsídios, as vendas tiveram uma queda, o que era esperado, pois eram valores que praticamente eliminavam a diferença de preços entre carros a combustão e elétricos”, diz o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio Lima Leite.
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Leite acredita que o mercado brasileiro deve apresentar mudanças em breve no segmento de eletrificados (soma de elétricos, híbridos plug-in e híbridos), com o lançamento de diversos híbridos nacionais com motores flex a partir de 2025. Pelo menos um deles chega ainda este ano. A Fiat informa que já iniciou a produção do seu primeiro híbrido em Betim (MG) e que as vendas começam em novembro. Atualmente, só Toyota e Caoa Chery fabricam híbridos no País.
As vendas de híbridos no mercado nacional, segundo a PwC, aumentaram 29% até setembro, com 38,6 mil unidades. Bem próximos, os plug-in somaram 38,2 mil unidades, um crescimento de 93% no comparativo com igual período de 2023.
Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), aposta mais na alta dos híbridos plug-in. “Esses modelos podem rodar boa parte do percurso a eletricidade, e o motor a combustão só é acionado se não for encontrado posto de recarga no caminho.” Segundo ele, há muitos projetos de infraestrutura a serem inaugurados a partir de 2025 e 2026.
“Se o condutor não conseguir carregar a bateria por algum motivo, vai ter o tanque de combustível”, diz Bastos, para quem a tecnologia deverá ter a preferência entre consumidores do Brasil, dos EUA e de países com maiores extensões territoriais.
Ele também ressalta que vários lançamentos anunciados pelas montadoras tradicionais são “micro-híbridos”, com um sistema que melhora a eficiência do motor em no máximo 7%, mas não tem tração elétrica nem baterias modernas. “Estão sendo feitos para atender normas de limites de emissão de gases poluentes, mas não são uma experiência de eletrificação.”
Custo de energia e imposto
Na Alemanha, a perda de fôlego dos elétricos tem a ver também com questões financeiras, afirma Fagunde. Segundo ele, o custo da energia é comparável ou até mesmo superior ao da gasolina. “Com o fim dos subsídios, o incentivo financeiro para o elétrico se perdeu e a decisão de compra passou a ser mais uma questão de consciência ecológica.”
No caso do Brasil, cita o presidente da Anfavea, houve uma recomposição do Imposto de Importação para elétricos e híbridos e as margens ficaram um pouco mais apertadas para algumas empresas. “De uma forma geral, é uma acomodação também, porque não se imaginava a manutenção do porcentual de crescimento que vínhamos verificando (para os elétricos) e, à medida que essa base cresce, o porcentual tende a ser mais lento.”
O sócio-líder do Setor Automotivo da consultoria KPMG Brasil, Ricardo Roa, também avalia que vários países que haviam decidido partir direto para os elétricos no processo de descarbonização começaram a ponderar sobre o uso de outras tecnologias e os híbridos também passaram a ser opção.
De acordo com Roa, os híbridos começam a ter maior atratividade em alguns países por questão de infraestrutura e facilidade atrelada à diversidade geográfica. Híbridos e híbridos plug-in eliminam a insegurança do consumidor de ficar na mão no meio do caminho por falta de local para recarregar a bateria. “Nesses casos, os híbridos vão servir para melhorar a autonomia — não vão usar o 100% elétrico nem o 100% a combustão.” A solução ajuda o meio ambiente, mas não resolve plenamente o problema das emissões, ressalta.
Apesar da desaceleração do mercado dos 100% a bateria na maioria dos países, Fagunde ressalta que a venda global de eletrificados mantém crescimento significativo de 21,9%, com 17,2 milhões de unidades. O número equivale a 35% das vendas totais de veículos no mundo. Para modelos a combustão houve queda de quase 10% nos negócios, para 30 milhões de unidades.
“Tanto as vendas de elétricos quanto de híbridos devem crescer nos próximos anos, mas as de híbridos devem ter alta mais acelerada e, no mercado brasileiro, isso será maior ainda em razão dos vários lançamentos previstos”, diz Fagunde.
Lá fora, o híbrido comum, que usa só gasolina, ganhará espaço nesses próximos anos, mas há também iniciativas de busca de alternativas por combustíveis verdes. Boa parte do crescimento global dos eletrificados vem da China, responsável por cerca de 40% das vendas globais desses modelos.
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