Com inflação alta, aperto dos juros, variação cambial e encarecimento do crédito, as grandes empresas de comércio e varejo do País listadas na B3 tiveram queda de R$ 1,2 bilhão no lucro no primeiro trimestre deste ano, um tombo de 85% em relação ao mesmo período em 2022.
O lucro total do setor recuou de R$ 1,4 bilhão para R$ 207 milhões. Os dados são do levantamento feito por Einar Rivero, diretor comercial da plataforma independente do mercado financeiro TradeMap, com as 31 maiores empresas de comércio listadas na Bolsa.
Os principais motivos para a queda do lucro são o aumento das despesas e a alta do dólar. “Tirando empresas muito endividadas, o fator macroeconômico foi o que mais impactou os resultados das empresas de comércio e varejo. No primeiro trimestre do ano passado, houve queda de 15% do dólar e isso levou a um ganho financeiro, o que não aconteceu neste ano. Isso levou ao aumento de despesa e queda de receita financeira”, afirma Rivero.
De janeiro a março de 2023, as despesas subiram 22,7% em relação ao período anterior de 2022, o que diminuiu em 9,6% o dinheiro em caixa dessas companhias, indo de R$ 27,8 bilhões para R$ 24,6 bilhões.
A margem líquida das empresas também teve forte redução de 1,68 ponto porcentual, indo a 0,23%. Já a dívida líquida subiu 43,4%, de R$ 38 bilhões para R$ 55,6 bilhões no período. O retorno sobre o patrimônio (ROE) nos últimos 12 meses, importante métrica para o mercado financeiro, teve queda de 5 pontos percentuais, chegando a 8,4%.
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Entre as varejistas, o pior caso de piora na lucratividade é o do Carrefour, que foi de um lucro de R$ 370 milhões em 2022 para um prejuízo de R$ 113 milhões, queda de R$ 483 milhões. O Magazine Luiza também teve queda e ampliou o prejuízo de R$ 161 milhões para R$ 391 milhões, conquistando o posto de pior resultado do trimestre no setor.
Considerando o lucro líquido ajustado, no entanto, o Carrefour assume a posição de maior prejuízo, com R$ 421 milhões, enquanto o Magazine Luiza fica com R$ 309 milhões. Vale notar que o levantamento da TradeMap não inclui a Americanas, que não divulgou resultados financeiros neste ano. Em recuperação judicial, a varejista tem dívida de R$ 43 bilhões.
Apesar da difícil situação do setor de comércio no País no primeiro trimestre, o pagamento de dividendos para acionistas aumentou de R$ 38,7 bilhões para R$ 55,6 bilhões. Os valores pagos são referentes ao ano completo de 2022, e o pagamento é obrigado por lei. O dinheiro é proveniente do lucro líquido e pode ser usado para remunerar acionistas, como investidores pessoas físicas ou os membros do conselho de administração, ou para fazer novos investimentos no negócio.
Virada
Diante do cenário macroeconômico desafiador, a expectativa é que o ano de 2023 continue a pressionar o lucro das empresas de comércio e varejo, que precisarão conter despesas e fazer ajustes de operação para sobreviver. Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da Gouvea Consulting, avalia que o mercado de varejo alimentar e o de materiais de construção são os que mais devem se beneficiar dos incentivos do governo, especialmente nos casos das classes C e D.
Porém, na visão de Rebetez, os segmentos dependem de crédito para o consumidor, como eletroeletrônicos, que devem sofrer neste ano devido ao alto custo dos juros. Para sobreviver, as empresas devem repensar o negócio, diz.
“São três despesas mandatórias no varejo: ocupação, mão de obra e estoque. Se comprar muito estoque e não vender, o custo sobe diante do juro alto. Se não tem mão de obra o suficiente, fica com muito estoque. O negócio do varejo é cruel. Se a indústria está mal, corta turnos. No varejo, não tem como fazer isso. A solução é fechar lojas ineficientes, como fez a Marisa. O que o varejo pode fazer em momentos difíceis é racionalizar a operação, diminuir despesas e reduzir mão de obra”, afirma Rebetez.
Na visão do professor de economia do Insper, Otto Nogami, as varejistas sofrem os efeitos de mudança de comportamento do consumidor, falta de crédito para a pessoa física e jurídica, alavancagem dos negócios e aumento acelerado da taxa de juros nos últimos dois anos. Por isso, devem adotar uma postura financeira conservadora.
“As empresas têm de ter dinheiro em caixa. Hoje é impensável trabalhar com capital de terceiros como acontece em algumas empresas. É preciso repensar as finanças para ter capital de giro e depender o mínimo possível dos bancos. Isso é uma forma de crescimento sustentável, e uma não alavancagem, que gera um ambiente artificial”, afirma.
Além de ter um caixa positivo, Nogami diz ainda que as varejistas precisam adaptar os negócios à realidade cada vez mais digital do consumo. Uma forma de fazer isso é reduzir o número ou o tamanho das lojas físicas e integrá-las ao comércio eletrônico da empresa. “As companhias foram pegas no contrapé, acreditaram na volta do físico e não foi bem isso que aconteceu. O consumidor se habituou à compra digital por comodidade”, diz o professor do Insper.
No Magazine Luiza, essa realidade já aparece nos números do balanço do terceiro trimestre. A empresa teve faturamento de vendas de R$ 4,4 bilhões no marketplace digital, que conta com produtos de terceiros, enquanto as lojas físicas faturaram R$ 4,2 bilhões. Do total de R$ 15,5 bilhões em vendas, R$ 11 bilhões vieram do e-commerce.
Outra saída apontada por especialistas ouvidos pelo Estadão é apostar no aumento de capital de giro com pagamentos de maior liquidez, em especial o Pix. “Uma transação no cartão de crédito pode custar até 20% para recebimento em 30 dias quando há parcelamento. Em uma transação à vista, ainda há custo de 4,79% e pagamento em um mês. O Pix tem custo de apenas 1% ou até zero”, afirma Patrick McDougall Sterea, CEO da startup de pagamentos Drip.
Outro lado
Em nota ao Estadão, a Marisa informou que os resultados do primeiro trimestre trazem números positivos na operação de varejo, como receita e margem bruta. Porém, o impacto das altas taxas de inadimplência e de custo de crédito sobre a operação financeira impactam ainda negativamente a operação, embora já “em rota de ajuste”, diz a empresa.
O Magazine Luiza informou que fechou quiosques nas Lojas Marisa, um centro de distribuição, e fez ajustes de práticas contábeis e deu baixas de ativos referentes a empresas adquiridas no passado que causaram um prejuízo maior no primeiro trimestre. “São eventos pontuais do trimestre que não são recorrentes. O que o mercado olha é o lucro ajustado, que não considera eventos pontuais que não irão se repetir”, diz Lucas Ozorio, coordenador de relações com investidores da companhia.
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