‘Big techs respondem por 60% do tráfego de rede, mas quem investe é a Vivo’, diz CEO da empresa

Para Christian Gebara, será necessário um acordo com as big techs que usam mais as redes das operadoras, uma vez que o consumo de dados continua crescendo, e capacidade de investimento anual já está próximo do teto

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Sergio Barzaghi/Estadao
Entrevista comChristian Gebarapresidente da Telefônica Brasil

O presidente da Telefônica Brasil (dona da marca Vivo), Christian Gebara, acredita que chegou o momento de negociar com as “big techs” (como são conhecidas as gigantes internacionais da tecnologia) para repactuar como são feitos os investimentos em infraestrutura de telecomunicações. Enquanto as empresas de telefonia gastam bilhões para criar as suas redes e estão no limite de gastos - a Telefônica tem investido R$ 9 bilhões por ano no Brasil, diz -, poucas grandes empresas de tecnologia consomem 60% do tráfego de dados, casos de Netflix, Google, Amazon, Meta e TikTok, sem precisar fazer esse tipo de investimento. “Essa conta está desbalanceada”, afirmou Gebara, em entrevista ao Estadão, concedida na sede da Telefônica, em São Paulo.

A Vivo, por sua vez, também tem realizado uma migração para se tornar uma empresa de tecnologia, que vende um pouco de tudo, como os pacotes da Netflix e do Spotify. Dentro dessa estratégia de diversificação e de digitalização, o plano é fazer o cliente utilizar as plataformas da empresa para concentrar as suas contas, aumentando a receita dos serviços. Isso passa até pela criação de joint ventures e novas divisões para atuar nas áreas de mercado livre de energia (primeiramente para empresas, e depois para o consumidor final), educação, saúde e até seguros.

Mas Gebara descarta que isso seria a única forma de uma operadora de telefonia continuar crescendo no Brasil atualmente, mesmo que o número de aparelhos móveis em funcionamento já supere o de habitantes. Ele defende que é possível continuar ampliando o faturamento com serviços de telecomunicações por cliente, uma vez que pode migrar as pessoas do celular pré-pago para o pós-pago e para outros planos mais sofisticados, à medida que o consumo cresce.

Passada a instalação da tecnologia 5G nas maiores cidades do País, o ciclo de investimentos altos continua no setor de telecomunicações? Qual é o momento da empresa?

Ao longo desses 25 anos depois da privatização da telefonia, nós investimos mais de R$ 500 bilhões no Brasil. E esse negócio que foi a origem da Telefônica, a telefonia fixa, hoje representa menos de 6% do nosso resultado. Ela perdeu a atratividade, perdeu demanda. No final de 2019, nós redefinimos o propósito da empresa, que está agora em torno da digitalização. Acreditamos realmente que por meio da digitalização você consegue aproximar as pessoas e empresas de um mundo de novas oportunidades, de novos conteúdos, de novas possibilidades de desenvolvimento, de inclusão social, inclusive econômica, e do empreendedorismo. Num país como o nosso, com tantas carências, talvez o único caminho de inclusão de parte da população seja pela digitalização. Por meio dela, é possível levar educação, saúde, inclusão financeira e desenvolvimento de empresas. Esse propósito surgiu uns meses antes da pandemia. E, quando veio a covid, as propostas se tornaram ainda mais verdadeiras e as pessoas realmente perceberam a importância do serviço digital.

Publicidade

Christian Gebara, presidente da Telefônica Brasil, na sede da empresa, em São Paulo Foto: Sergio Barzaghi/Estadão

Esse reposicionamento já está completo?

Temos uma visão muito clara de transformar uma empresa de telecomunicações em uma empresa de tecnologia, em um ecossistema verdadeiramente digital. Hoje, 9,5% da nossa receita vem do que chamamos de novos negócios, ou serviços digitais. Por exemplo, as ofertas para empresas dos serviços de computação em nuvem, de cybersegurança e internet das coisas. São serviços que complementam a oferta de internet. Desses 9,5%, em torno de 6,5% da nossa receita vêm de serviços para empresas. O restante vem do consumidor final, como os de entretenimento. Somos uma grande plataforma de distribuição de aplicativos de vídeos, de música, e somos um dos maiores parceiros de Netflix, Amazon Prime, HBO, GloboPlay e Spotify. Então, temos hoje 2,7 milhões de clientes que compram esses serviços por meio da Vivo. Vendemos acesso a fibra óptica e mais Netflix, ou mais Spotify. Em doze meses, faturamos nesses serviços quase R$ 600 milhões. Tem toda a conveniência de comprar por meio da Vivo, por meio da nossa fatura, para o cliente que não quer usar o limite do cartão de crédito. E também dá para ele a facilidade de ter todos esses serviços concentrados em uma única fatura. A nossa marca é uma das mais valiosas do Brasil e nos permite prestar outros serviços além das telecomunicações.

Ao mesmo tempo que vocês são parceiros dessas empresas de conteúdo, a associação de empresas de telecomunicações, a Conexis, está pedindo que as big techs compartilhem os investimentos...

Nós defendemos o fair share (a fatia justa, em inglês). O nosso investimento no Brasil no ano passado foi próximo de R$ 9 bilhões. Somos uma das empresas de capital estrangeiro privado (o grupo Telefônica tem matriz na Espanha) que mais investem no Brasil. Excluindo os setores de óleo e gás, somos os grandes investidores do Brasil, e ajudamos a Espanha a ser o segundo país de maior investimento no Brasil. O mercado questiona até quando vai esse investimento. E ele é crescente nos últimos anos, apesar de nós termos chegado quase num teto. Assim, a partir de agora, o nosso investimento em relação à receita deveria se reduzir, e ele vem se reduzindo, porque estamos crescendo também. E, em muitas das novas ofertas em que buscamos novas receitas, não tem investimentos atrelados. Então, a tendência para crescer em infraestrutura tem a ver com o que temos discutido através da associação GSMA, em termos mundiais, e da Conexis, no Brasil. Existe a discussão de investir em rede instalada versus crescer mais em cobertura onde a rede ainda não chega. Isso porque o tráfego de dados se incrementa de maneira acelerada. Aqui na cidade de São Paulo estamos constantemente investindo em aumento da capacidade, porque o tráfego se incrementa - com mais consumo de vídeos, por exemplo. Isso é uma realidade no móvel e uma realidade nas redes fixas, que têm dados ilimitados. Quando nós olhamos a origem desse tráfego, vemos que mais de 60% desses dados que as pessoas consomem são gerados por cinco ou seis grandes empresas de tecnologia, como Netflix, Google, Meta, Amazon ou TikTok.

Qual é a proposta das teles?

A pergunta é: as empresas que consomem mais de 5% da nossa rede deveriam compartilhar conosco esse investimento? Por que eles iriam reduzir ou comprimir dados, ou não lançar altíssima definição, se não pagam nada pelo uso da rede? Quem passa mais numa estrada deveria pagar mais. Inclusive, essa teoria é totalmente pró-inovação. A proposta seria de que quem usa até 5% da rede não paga nada. Estamos discutindo as empresas que estão consumindo 10%, 15% ou mais do que isso. É um debate complexo. Existem forças também dessas grandes empresas. Mas nós não queremos taxá-lo. Mas, sim, que exista uma discussão consensual em que se tenha um investimento compartilhado para permitir que o Brasil aumente a sua cobertura e digitalize mais pessoas, aumente cobertura de 4G e 5G.

As big techs também têm a ganhar com o aumento de cobertura?

A sociedade ganha e o País ganha. Seria um incentivo para digitalizar, principalmente, o Norte e o Nordeste, ou digitalizar escolas. Inclusive, grande parte das obrigações que nós temos, de leilões vencidos, estão orientadas a esse tipo de coisa, mas os nossos recursos são finitos. Num País como o nosso, que é carente, a digitalização é vital para inclusão das pessoas e precisa chegar a mais pessoas. Para isso, precisamos compartilhar esse investimento. Essa conta está desbalanceada.

Publicidade

Que outros serviços fora de telecomunicações vocês têm ofertado?

Agora, estamos nos aventurando até em energia renovável, com a abertura do mercado livre de energia. Lançamos uma joint venture com a Auren Energia para aproveitar essa oportunidade, que se abre agora no topo da pirâmide, mas que vai descer. A parceira é a responsável pela geração de energia e nós fazemos a comercialização. Também temos uma joint venture de educação, a Vivae, com a Ânima. Em saúde, compramos uma empresa, a Vale Saúde, que é uma plataforma que dá desconto em farmácias e clínicas. Em alguns segmentos, vamos preferir fazer investimento por meio do nosso fundo de venture capital, de R$ 320 milhões. Já investimos mais de R$ 90 milhões desse capital. E, além de tudo isso, já fizemos até um projeto-piloto no Centro-Oeste para vender TVs, já que muitas vezes as pessoas mudam o pacote de fibra óptica e querem comprar TVs novas.

A Vivo também avançou em serviços financeiros?

Em serviços financeiros, pelo Vivo Money, já fizemos mais de R$ 400 milhões em empréstimos nos últimos doze meses para clientes que os bancos não enxergam e que são clientes nossos. Temos seguros. Pedimos agora licença para o Banco Central para fazer novos serviços financeiros. Lançamos o Pix parcelado pelo nosso aplicativo. Vamos fazer o adiantamento do FGTS. Temos um cartão de marca conjunta com o Itaú. Todos esses serviços financeiros juntos nos deram mais de R$ 400 milhões de receitas.

Quanto essas iniciativas podem representar do faturamento?

Esses projetos em outros setores hoje, como já disse, representam 9,5% da nossa receita, e cresceram mais de 23% no último ano. É algo crescente, apesar de não poder dizer até onde podemos ir. Mas o importante também é que tudo isso fideliza a nossa base de clientes. Atualmente, temos uma perda de clientes que é recorde negativo. No pós-pago, por exemplo, temos perda de menos de 1% ao mês, o que para o setor é muito baixo. Cada vez mais as pessoas querem a comodidade de concentrar tudo isso numa conta só. Temos um app que consegue trazer todas as informações para os clientes, com 60 milhões de clientes e 113 milhões de acessos. São quase dois celulares por cliente. Na base de consumidores finais, temos uma média de 1,4 serviço por cliente. Se analisamos o topo da pirâmide, com os clientes de mais valor agregado, a média é de 6,6 serviços. Temos a meta de aumentar essa média de 1,4, e estamos muito confiantes de que vamos conseguir isso.

Ainda há possibilidades de crescimento nos serviços mais tradicionais?

O Brasil ainda tem potencial de crescimento em telecomunicações. As pessoas estão consumindo mais e, com certeza, existe potencial de expansão. Apesar de haver estudos mostrando que as pessoas já têm até dois celulares, existe também uma migração do pré-pago para o plano controle, que é um pós-pago de entrada. A pessoa é cliente do pré-pago, começa a ter mais poder aquisitivo e faz a migração. Ela pode começar com um plano de dados mais baixo e vai crescendo, vai adquirindo mais planos de dados porque vai consumindo mais.

Publicidade

E na oferta de fibra óptica?

PUBLICIDADE

Estaremos chegando, no fim deste ano, a 29 milhões de domicílios com a possibilidade de contratar Vivo Fibra, e com 6,5 milhões de clientes. Mas queremos crescer mais do que isso. Cresceremos construindo mais rede e alugando rede de fibra pelo Brasil, e eventualmente até olhando para alguma possível aquisição de empresa. Enxergamos um universo próximo a 60 milhões de domicílios com potencial de receber fibra óptica.

Esse setor tem uma perspectiva de consolidação?

Nós temos por volta de 18% do mercado, mesmo sendo a líder indiscutível do segmento. É um mercado muito fragmentado. Existem outras 5 mil empresas que têm por volta de 50% a 60% de participação. A consolidação ocorre de diversas formas. Às vezes, a empresa é muito pequena e vai comprando outra pequena. Ou a compra pode ser financiada por um fundo de private equity, ser levada até a abertura de capital ou abrir um processo de venda. Ou pode haver consolidação por meio de compras entre empresas grandes, como a nossa.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.