O Comitê Independente criado para investigar a fraude de R$ 23,5 bilhões nas Lojas Americanas terminou o seu trabalho no domingo, 30. A informação foi publicada nesta segunda-feira, 1º, em comunicado ao mercado divulgado pelo conselho de administração da varejista.
O comitê, formado por um trio liderado pelo advogado Otavio Yazbeck, está revisando o texto final do relatório, que será submetido ao conselho de administração, que decidirá que publicidade será dada ao documento. Em todo caso, a Polícia Federal, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e o Ministério Público Federal (MPF) devem receber cópias integrais do documento.
O comitê, criado em janeiro de 2023, analisou documentos, gravações e entrevistou personagens dessa história. Entre os ouvidos estão o empresário Carlos Alberto Sicupira, um dos acionistas de referência da varejista, e dois integrantes da antiga direção da empresa: o presidente Miguel Gutierrez e o ex-diretor financeiro, Fábio da Silva Abrate. Os demais ex-integrantes da diretoria das Americanas se recusaram a falar com o comitê.
Apesar de não ser esse o objetivo, o grupo detectou durante os trabalhos a venda de ações da empresa feitas por membros da diretoria antes do estouro do escândalo financeiro. O trabalho também vai tratar do papel desempenhado pelos bancos no esquema bilionário de fraudes — as relações entre integrantes da Americanas e funcionários dos bancos devem ser expostas no documento.
Um dos pontos mais esperados do documento são as conclusões sobre o alcance das fraudes e se a devida diligência foi observada por auditores, sócios e bancos durante os dez anos em que os dados contábeis da varejista foram fraudados a fim de produzir lucros fictícios, resultando em dividendos e bônus para a direção. Há expectativa quanto a saber se a responsabilidade pelas fraudes se encerrava em Gutierrez ou se algo atingirá pessoas fora da empresa e escalões superiores, ainda que apenas na esfera administrativa, e fora da esfera criminal.
Por fim, o comitê não teve acesso às delações premiadas de Marcelo Nunes e Flávia Carneiro, dois antigos integrantes da direção da empresa que fecharam acordo de delação com a Polícia Federal.
Os gastos da Americanas com os trabalhos do Comitê se aproximam dos R$ 150 milhões. “Ao longo de um ano e meio de apuração, a equipe de investigação do Comitê Independente revisou aproximadamente 1,2 milhão de documentos únicos; realizou cerca de 250 entrevistas com funcionários, ex-funcionários e terceiros que colaboraram com o Comitê Independente; processou mais de 74 terabytes de dados; preservou dados estruturados de cerca de 11 sistemas corporativos; e preservou cerca de 2.300 fontes corporativas de dados não-estruturados de aproximadamente 360 custodiantes”, informou o comunicado.
Leia, abaixo, a íntegra do comunicado.
Depois dos trabalhos de busca e apreensão feitos pela Polícia Federal contra ex-executivos da empresa na semana passada e revelações de detalhes das investigações que os responsabilizam pelas alterações nos balanços, além das conduções do ex-presidente da Americanas Miguel Gutierrez e da ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali no exterior, agora o foco deve se voltar para as conclusões do comitê.
Do lado da gestão da Americanas, a expectativa é de que as perdas sofridas pelo trio de acionistas de referência — que incluem, além de Sicupira, os empresários Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles — ajudem a comprovar que não havia interesse para eles em ocultar alterações contábeis na empresa. Em dez anos, eles teriam recebido R$ 740 milhões em dividendos a empresa, o mesmo montante que os salários e benefícios destinados à direção executiva da Americanas. Mas precisaram desembolsar R$ 2,3 bilhões em aportes para a continuidade do negócio.
Com os mais de R$ 12 bilhões que se dispuseram a incluir no processo de recuperação judicial da companhia, todos os ganhos registrados pelos bilionários junto a Americanas, desde que assumiram a empresa nos anos 1980, teriam sido apagados após esses encargos.
Os bancos, por sua vez, teriam recebido mais de R$ 5 bilhões nas operações de crédito com a empresa. Estes ganhos também podem ser revertidos ao fim da recuperação judicial.
Pelo lado da defesa dos ex-executivos, resta saber se as conclusões do relatório do comitê trarão conclusões similares às disponíveis na medida cautelar que fundamentou o pedido de busca e apreensão feito pela Polícia Federal. Junto ao processo do Ministério Público, a estratégia que deve ser adotada pela defesa deve ser colocar em questão o processo estar baseado nas denúncias feitas pelos ex-executivos Marcelo Nunes e Flávia Carneiro. Durante depoimento à CPI da Americanas, em 29 de agosto de 2023, Nunes respondeu que a sua demissão não havia sido feita por justa causa, diferentemente do que havia acontecido com os outros executivos envolvidos.
A defesa de Gutierrez, em específico, deve concentrar suas movimentações junto à Justiça espanhola, já que ele possui dupla cidadania e vive atualmente em Madri, ao sul do centro da cidade.
Comunicado da Americanas
Americanas – Em Recuperação Judicial (“Americanas” ou “Companhia”), em continuidade ao Comunicado ao Mercado divulgado em 06 de maio de 2024, informa aos seus acionistas e ao mercado em geral que, nesta data, recebeu nota do Comitê Independente (“CI”), que apura as circunstâncias que ocasionaram os eventos reportados no Fato Relevante divulgado em 11 de janeiro de 2023, informando, dentre outros, que os trabalhos de apuração do CI foram concluídos em 30 de junho de 2024 e que os resultados da investigação conduzida pelo CI estão sendo compilados e serão apresentados ao conselho de administração da Companhia nas próximas semanas, conforme consta a íntegra em anexo.
A Companhia manterá seus acionistas e o mercado em geral atualizados acerca dos assuntos objeto do presente Comunicado ao Mercado.
Comunicado do comitê independente
O Comitê Independente Ad Hoc de Apuração das Causas e Responsabilidades Relacionadas a Inconsistências em Lançamentos Contábeis da Americanas S.A. (o “Comitê Independente” e a “Companhia”, respectivamente) vem a público comunicar que concluiu, em 30/06/2024, sua apuração sobre os fatos reportados no Fato Relevante divulgado pela Companhia em 11 de janeiro de 2023.
Ao longo de um ano e meio de apuração, a equipe de investigação do Comitê Independente revisou aproximadamente 1,2 milhão de documentos únicos; realizou cerca de 250 entrevistas com funcionários, ex-funcionários e terceiros que colaboraram com o Comitê Independente; processou mais de 74 terabytes de dados; preservou dados estruturados de cerca de 11 sistemas corporativos; e preservou cerca de 2.300 fontes corporativas de dados não-estruturados de aproximadamente 360 custodiantes.
Os resultados da investigação conduzida pelo Comitê Independente estão sendo compilados e serão apresentados ao conselho de administração da Companhia nas próximas semanas. Além disso, tendo em vista as notícias publicadas desde a deflagração da Operação Disclosure pela Polícia Federal na última quinta-feira, 27/06/2024, o Comitê Independente vem a público esclarecer que:
1. Os resultados da investigação conduzida pelo Comitê Independente ainda não foram comunicados ou apresentados à Companhia.
2. Uma vez apresentados os resultados dos trabalhos do Comitê Independente ao conselho de administração da Companhia, caberá exclusivamente a este deliberar sobre as medidas eventualmente cabíveis.
3. Os resultados do trabalho do Comitê Independente não se confundem com as conclusões de (i) autoridades públicas (incluindo a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Comissão de Valores Mobiliários), (ii) de colaboradores e ex-colaboradores da companhia (incluindo ex-colaboradores que celebraram acordos de colaboração premiada), (iii) dos auditores externos da Companhia, e (iv) da própria Companhia (em diligências e procedimentos conduzidos por conta própria e em paralelo às atividades do Comitê Independente), tornadas públicas nos últimos dias.
4. Ante o exposto acima e o conteúdo de notícias recentemente veiculadas, o Comitê Independente esclarece que as análises conduzidas pelo Comitê Independente não serviram de base para os trabalhos da Polícia Federal que resultaram na Operação Disclosure.
5. Por fim, o Comitê Independente esclarece que não teve acesso, no correr dos seus trabalhos, a acordos de colaboração premiada ou acordos administrativos em processo de supervisão celebrados entre ex-colaboradores da Companhia e autoridades competentes, incluindo aqueles relacionados à Operação Disclosure.
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