Logo no início da pandemia, a empresária Gabrielle Carvalho, 34 anos, e duas amigas criaram um bazar para desapegar de algumas peças sem uso no guarda-roupas, com a ideia de abrir espaço para novos itens e recuperar uma parcela do que haviam investido nos antigos “looks”. Diante do interesse das pessoas pelos itens, as amigas decidiram abrir o brechó “Vende, Amiga!”, focado em itens do setor premium e de luxo.
O que começou como um grupo de WhatsApp, agora, se prepara para inaugurar um ponto físico de vendas de itens de segunda mão. “Nossos principais clientes são os jovens que gostam de moda e querem consumir itens de luxo, mas com um preço acessível”, conta. Enquanto não encontra um endereço, a empresária utiliza o próprio apartamento como “showroom” das peças para os clientes.
No grupo de Whatsapp, no qual as novidades são anunciadas para cerca de 100 clientes, peças de marcas como Chanel, Gucci, Prada e Louis Vuitton são arrematadas em minutos. Uma bolsa de verniz da grife francesa Chanel, avaliada em mais de R$ 30 mil, foi vendida por R$ 8 mil, após meros 20 minutos “exposta” no grupo.
Assim como Gabrielle, outros empreendedores viram no aumento da procura por itens usados uma oportunidade de negócio. Desde o começo do ano passado, 6,7 mil lojas que comercializam esses itens foram abertas no País, segundo aponta um levantamento do Sebrae, que considera o pequeno varejo de diversos produtos de segunda mão – dos brechós aos sebos, além de antiquários –, sem a subtração das lojas desse ramo que fecharam as portas em igual período.
Como as marcas de luxo têm feito reajustes altos nos preços, comprar um item no brechó é a única forma de consumir esse tipo de produto para muitas pessoas
Gabrielle Carvalho, empresária e fundadora do brechó "Vende, Amiga!"
Mesmo com todo o segundo semestre de 2022 a ser contabilizado, o número novas lojas neste modelo de negócio é quase igual às aberturas dos dois anos completos anteriores (2019 e 2020): 7,1 mil unidades, uma diferença de apenas 6%.
Um dos motivos que tem impulsionado a expansão de lojas de itens de segunda mão é o aumento dos preços no País, o que reduziu o poder de compra dos brasileiros. Com o orçamento das famílias apertado por dois anos de inflação elevada, o comércio destes produtos segue aquecido no Brasil.
Entre os motivos para a expansão de lojas de itens de segunda mão, estão o aumento dos preços, tanto no Brasil quanto no exterior – no caso dos importados de luxo, a situação é agravada pelos problemas na cadeia de produção em razão da pandemia, pela inflação em dólar e pela própria valorização da moeda americana em relação ao real.
Conforme dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o acumulado de 12 meses da inflação foi de 9,6%, apesar da deflação registrada nos últimos dois meses. Em julho deste ano – último dado disponível –, a variação acumulada da inflação para as roupas chegou a 18,16%, quase o dobro do índice geral para o mesmo período.
Renda extra
Ao mesmo tempo em que a alta dos preços tornou muitos produtos e serviços menos acessíveis, levando as pessoas a rever o padrão de consumo, os brasileiros, que na média perderam renda no último ano, viram nos produtos sem uso em casa uma forma de levantar dinheiro extra.
“Nós começamos entre amigas, vendendo para arrecadar dinheiro e comprar outras peças, mas acabou se transformando em um negócio”, afirma Gabrielle. “Como as marcas de luxo têm feito reajustes altos nos preços, comprar um item no brechó é a única forma de consumir esse tipo de produto para muitas pessoas.”
Oportunidade de emprego
Ponte entre quem busca produtos mais baratos e quem quer ter renda extra com eles, o comércio de usados cresceu nesse ambiente, abrindo também oportunidades a pessoas que perderam o emprego.
A cada dez lojas abertas desde 2021, praticamente nove (88%) são de microempreendedores individuais, categoria onde, muitas vezes, o empreendedorismo é motivado pela necessidade – isto é, pessoas que abriram negócios próprios porque não conseguiram voltar ao mercado de trabalho ou precisaram de um complemento de renda.
Para Silmaria Marques, 34 anos, o brechó Cravo com Canela, aberto na garagem do ex-sogro em Itaquera, na zona leste de São Paulo, é uma forma de garantir uma renda extra para a família. Ela divide o seu tempo entre o trabalho fixo de assistente de imigração e o sonho de comercializar roupas de segunda mão. “Eu sempre amei compras em brechó, não só pelo custo, que é muito menor que dos novos, mas pela exclusividade das peças que você consegue garimpar”, diz.
No brechó em Itaquera, os clientes variam de pessoas que querem gastar pouco com vestuário, jovens ligados à moda sustentável e também outras vendedoras de itens de segunda mão, que têm seus negócios na web. Para garantir novidades toda semana, Silmaria busca peças em bazares beneficentes. “Desde o começo da pandemia, o movimento na loja cresceu cerca de 40%.”
Olhando adiante
O consumo dos itens de segunda mão segue aquecido no mundo, seja pela consciência ambiental ou pela grana mais curta dos consumidores. De acordo com um estudo feito pela consultoria Boston Consulting Group (BCG), a previsão para o mercado de artigos de moda usados – também alimentado pela maior preocupação da sociedade com os impactos ambientais da produção têxtil – é de crescimento de 15% a 20% até 2030.
A partir de dados coletados com o site Enjoei, o estudo aponta que, entre consumidores de peças usadas, 12% do guarda-roupa é ocupado por itens de segunda mão comprados - ou seja, não entram na conta roupas ganhadas.
É um porcentual muito similar ao de mercados maduros e que, conforme a intenção desses consumidores, pode chegar a 20% até 2025, o que representa um mercado potencial de R$ 24 bilhões. A possibilidade de comprar artigos premium a preços mais baixos é um dos motivos por trás do crescimento do consumo de usados.
O usado no radar de gigantes
Além dos pequenos negócios como de Gabrielle e Silmaria, o mercado de usados já chegou ao radar das grandes corporações de moda. Recentemente, a Arezzo&Co comprou o brechó virtual Troc para impulsionar sua estratégia de moda circular.
Em março deste ano, o grupo Jereissati, dono da rede de shoppings Iguatemi, adquiriu uma parcela societária do site Etiqueta Única com um investimento de R$ 27 milhões. Fora do Brasil, marcas de luxo como Gucci, Burberry e Stella McCartney também têm dedicado parte dos seus investimentos no setor de itens “vintage”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.