Em 2019, o profissional de investimentos Felipe Monteiro foi estudar na França e em Cingapura, países com nível de conscientização sobre o impacto ambiental maior que no Brasil. Com isso, passou a se preocupar com o impacto que o seu estilo de vida tinha no mundo e decidiu compensar as suas emissões comprando créditos de carbono.
“Comprei para zerar a minha pegada de carbono em 2020 e passei a fazer isso anualmente, na plataforma Moss (startup voltada a soluções ambientais com uso de blockchain)″, diz. Apesar de acreditar na importância da atitude, ele reconhece que o impacto de uma única pessoa no mundo é bem pequeno. Mas isso não o impediu de fazer a compensação. “A motivação foi a mesma que levou a gente a trocar a sacola plástica pela de pano ou fechar a torneira para não desperdiçar água. É uma forma de sair do discurso e ir para a ação.”
A atitude de Monteiro tem conquistado outros consumidores, que buscam no mercado alternativas para reduzir sua pegada de carbono. De olho nessa demanda, várias instituições têm criado ferramentas para calcular as emissões individuais. Com base nos cálculos, as pessoas compram uma quantidade de crédito de carbono e esse dinheiro é destinado a algum produto ligado ao conjunto de políticas ESG, de meio ambiente, social e governança.
Na prática, os recursos podem ir para algum projeto de reflorestamento, conservação de florestas ou para a área social. Na Moss, apenas no primeiro ano de operação, US$ 13 milhões foram destinados à preservação da Amazônia. Ou seja, é possível comprar um título e preservar um pedacinho da floresta.
Maior conscientização
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estadão, apesar de não ser uma solução definitiva aos problemas ambientais do planeta, as iniciativas como as compensações individuais de emissão de gases do efeito estufa podem gerar uma maior conscientização do público sobre a urgência de se repensar a forma como pessoas e empresas exploram os recursos naturais, além dos impactos dessas práticas para toda a população.
A exemplo da Moss, companhias como o Bradesco, C6 e Ambipar também oferecem aos clientes alternativa de participarem de práticas ESG e contribuírem para a redução do aquecimento global.
Cálculos apontam que cada brasileiro gera, em média, cerca de 7 toneladas anuais de CO2 equivalente. Nessa conta, o custo para uma pessoa compensar suas emissões de carbono seria de R$ 1,4 mil ao ano.
Na Ambipar, empresa de gestão ambiental, o site e um aplicativo chamado Ambify permitem a qualquer pessoa estimar a sua pegada de carbono e compensá-la pagando um valor convertido em créditos.
A cada 1 quilo de CO2 emitido na atmosfera por atividades do dia a dia, como alimentação, deslocamento e custos de moradia, a empresa cobra R$ 0,20 para a compensação dos poluentes, que ocorre por meio de créditos de carbono. Os valores são doados a entidades parceiras, como Médicos Sem Fronteiras, Instituto Jô Clemente e Fundo Luz Alliance.
Em uma iniciativa parecida, os bancos Bradesco e C6 também oferecem aos clientes formas de compensar parte da sua própria emissão. No programa do banco digital, direto do aplicativo, os correntistas - pessoa física e jurídica - podem calcular o seu gasto pessoal e gerar um extrato de carbono a ser compensado.
A ferramenta faz a análise utilizando as informações sobre os dados de transações bancárias como pix, TED, pagamento de crédito e débito e o impacto que cada uma delas tem no meio ambiente. Conforme divulgado pelo C6, desde o lançamento do produto, os clientes já compensaram 965 toneladas de carbono. “O C6 Bank não tem nenhum lucro com o extrato de carbono nem com a compensação. O banco fornece a ferramenta para compra de créditos de carbono ao cliente, pelo aplicativo, sem spread ou geração de nenhuma outra receita”, explica a instituição. Ainda segundo o banco digital, os correntistas podem, direto do aplicativo, acessar a ferramenta que calcula o gasto pessoal de maneira automática e gera um extrato de carbono a ser compensado pelo cliente.
No caso do Bradesco, os correntistas também fazem a conta diretamente pelo aplicativo e podem pagar pelas suas emissões pessoais. Os recursos são destinados a projetos de conservação de biomas brasileiros e de preservação de florestas nativas do País. Assim como no concorrente, a gestão dos créditos é realizada pela Ambipar.
Segundo a empresa, a startup Deep ESG é a responsável por fornecer a tecnologia para o cálculo da pegada de carbono. O Grupo Ambipar, por meio da Ambify, e a gestora Biofílica fornecem a solução para a venda do crédito de carbono direto nos celulares.
O que é levado em conta na hora de calcular a pegada de carbono:
- Local de residência;
- Número de pessoas que moram na casa;
- Meio de transporte;
- Consumo de combustível;
- Uso de gás (GLP ou canalizado);
- Consumo de energia elétrica;
- Compra de roupas;
- Alimentação;
- Viagens de avião.
Menos danos para o mundo
Na avaliação de Fábio Alperowitch, fundador da gestora de fundos FAMA Investimentos, a iniciativa é “positiva porque aproxima do cotidiano das pessoas essa pauta e as leva a fazerem escolhas mais conscientes”. Ele acredita, porem, que a compensação, tanto para a pessoa física quanto para as grandes corporações, não pode ser vista como uma lição para transgredir o meio ambiente, mas sim como um primeiro passo rumo a uma prática menos danosa para o mundo. “Não podemos achar que um ‘cheque’ resolve a situação”, afirma.
O gerente comercial da empresa de tecnologia logística Drivin Brasil, Lucas Canibal, diz que tanto empresas quanto consumidores devem compensar suas emissões, o que gera benefícios para ambas as partes. “O objetivo das estratégias é reduzir o impacto ambiental e social dos negócios, o que beneficia a sociedade como um todo, inclusive os próprios consumidores. Muitas empresas que implementam práticas mais sustentáveis experimentam benefícios financeiros de longo prazo, o que pode se traduzir em uma melhor relação custo-benefício para os consumidores”, afirma Canibal.
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De acordo com dados do estudo “Iniciativas ESG Geram Valor?”, feito pela Bain em parceria com a EcoVadis, com participação de mais de 100 mil empresas, práticas de sustentabilidade, diversidade e satisfação dos colaboradores são fatores relacionados à maior lucratividade e ao crescimento dos negócios.
Entre os achados do levantamento, a Bain aponta que as companhias que executam estratégias de ESG em suas cadeias de suprimentos são mais lucrativas, com margens de 3 a 4 pontos porcentuais acima daquelas que não focam nessas práticas.
O especialista em inovação Arthur Igreja, autor do livro “Conveniência É o Nome do Negócio” lembra que as práticas ESG não são mais opcionais para os grandes negócios, e sim parte importante da estratégia. Entretanto, nem todas as empresas fazem o que prometem.
“Não basta simplesmente falar que tem aderência à causa ESG e ficar apenas no discurso. O consumidor quer ver o que está acontecendo a respeito. Pode existir um aumento de custo, mas há também um benefício, sim, para o planeta, para a sociedade e para toda essa cadeia de suprimento de consumo”, diz Igreja.
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