Imagina, um dia, pesquisar o saldo de um investimento feito e se deparar com a informação de que perdeu todo o dinheiro investido. Foi isso que aconteceu com investidores de um fundo de investimento da gestora Pátria - uma das mais conceituadas empresas de investimentos do País. Pior: agora os cotistas serão chamados para uma assembleia para fazer uma capitalização e encerrar o investimento.
O prejuízo ocorreu num fundo de investimento em shopping centers, cujas cotas caíram de R$ 10,5 (na sexta-feira, 21) para -R$ 301, segundo fato relevante divulgado na segunda-feira seguinte. As más notícias, no entanto, eram esperadas. Em especial desde a quarta-feira passada, 19, quando a gestora informou que vendeu a holding Portfólio Centro Sul em conjunto com os seus quatro shopping centers, em Taubaté (SP), Lages (SC), Varginha (MG) e Bragança Paulista (SP), que tinham passivos que superavam em muito os ativos. O que não se sabia é quanto custaria para os investidores se livrar do investimento problemático.
Os negócios compunham os investimentos do fundo Pátria Special Opportunities II e consumia recursos por conta das dívidas da empresa, de valor não divulgado. O nome do comprador do ativo, especializado em negócios em dificuldades e recuperação de empresas, não foi revelado.
Após a venda da semana passada, os sócios da conhecida gestora paulista – fundada pelos renomados Alexandre Saigh, Olimpio Matarazzo e Otavio Castello Branco (ex-diretor do BNDES)- entraram em contato com cerca de 20 dos 30 cotistas do fundo para explicar aos investidores a estratégia que estavam adotando para mitigar os prejuízos com o fundo.
Segundo pessoas que conhecem o negócio, o problema na carteira de investimento em shopping center também recairá sobre os donos da gestora, já que o Special Opportunities II recebeu aportes “desproporcionalmente acima da média” por parte dos sócios do Pátria, em comparação com outros cinco fundos que ela administra.
O Pátria foi criado em 1988 por executivos brasileiros em conjunto com o antigo Salomon Brothers, comprado pelo Citi no final da década de 90. Ao longo dos anos 2000, a empresa foi ampliando seu escopo e criando novas unidades de negócios, como o de real estate, infraestrutura e agronegócio. Em 2010, o fundo americano Blackstone se tornou sócio da empresa, com cerca de 40% de participação.
Pela reputação conquistada em todo esse tempo, a empresa atrai recursos de famílias endinheiradas brasileiras e de fundo de pensão. Hoje, a gestora administra mais de US$ 27,3 bilhões (R$ 128 bilhões pela cotação de ontem) em ativos espalhados por seus diversos fundos de investimentos. Em 2021, ela fez um IPO (oferta pública) na Nasdaq e captou US$ 272 milhões (R$ 1,2 bilhão). Com a operação, a Blackstone aproveitou para reduzir sua participação para a casa do 36%, e em seguida continuou vendendo ações chegando a menos de 15%. Atualmente, já não possui mais ações do Pátria.
Os prejuízos de agora colocam em xeque não só a imagem da empresa como põem uma lupa sobre outros fundos da gestora, e práticas do mercado. O fundo Special Opportunities II surgiu em 2020 como forma de tentar recuperar uma tese de investimentos que estava naufragando e que remetia à conjuntura da virada de 2010.
Tudo começou em 2012, quando a gestora captou, para o fundo Special Opportunities I, em torno de R$ 1 bilhão com investidores mais R$ 1 bilhão em dívidas. A aposta estava no florescimento de rentáveis shopping centers localizados em cidades médias do interior do País, de cerca de 250 mil habitantes. Não só o Pátria, como diversos grandes investidores da época, tinham a expectativa de que o boom de consumo daquele momento, que chamava a atenção global à economia brasileira, continuaria pelos anos seguintes.
O foco estava nas operações da Tenco, uma desenvolvedora e administradora de shopping centers sediada em Belo Horizonte, que chegou a entregar bons resultados no começo da década. Mas logo tudo começou a dar errado, com a crise econômica, seguida pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, pela Operação Lava Jato, que interrompeu investimentos no setor, e pela perda do poder de compra da população. Por fim, ainda veio a pandemia de Covid, que fechou shopping centers em todo o mundo.
O Special Opportunities I foi aberto com cota valendo R$ 1 mil, chegou a atingir R$ 1.500 e depois acabou praticamente zerado. Como nem todos os cotistas aceitaram aportar mais recursos para tentar evitar a perda dos investimentos feitos, foi criado o Special Opportunities II.
Ele propunha uma nova capitalização, como forma de buscar recuperar os prejuízos do fundo anterior. Mas a segunda onda de Covid, no início de 2021, logo provou que o esforço não teria sucesso, e exigiu uma mudança de estratégia. A negociação que culminou na venda dos ativos, na última semana, já comprovava que o plano havia mudado para diminuir as perdas, e não mais de recuperar parte dos investimentos.
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A gestora agora busca encerrar o capítulo de sua tese de investimentos em imóveis, que remetia às expectativas criadas há mais de dez anos e que se provou tremendamente mal sucedida. Além dos prejuízos com esses dois fundos, o Pátria também colheu adversidades ao apostar, em 2013, em conjunto com o Blackstone, na empresa de condomínios residenciais de luxo Alphaville, pagando US$ 700 milhões por 70% do negócio. O Blackstone deixou o negócio pelo valor simbólico de R$ 1.
A seu favor, o Pátria afirma deter, mesmo contabilizando esses investimentos fracassados, um histórico positivo. Ela levantou, para os seus fundos, R$ 11 bilhões e retornou aos cotistas R$ 30 bilhões. Nos últimos 12 meses, o retorno seria de R$ 11 bilhões, o equivalente a 30% de rentabilidade.
Apesar desse histórico, a condução dos fundos que não deram certo, e a comunicação dos problemas, foi criticada por diversos agentes do mercado financeiro. Nas redes sociais, o sócio fundador da Skopos Investimentos, Pedro Cerize, escreveu que o caso mostra “como é turva a marcação a mercado dos ativos desses fundos”.
“Revela também uma combinação perigosa de criatividade com alavancagem e que sempre tem um traço em comum, a superavaliação do ativo e subavaliação das dívidas”, completou.
Outros analistas corroboram com essa tese. “Os rebaixamentos do valor de uma cota geralmente ocorrem no momento de vender o ativo. Mas esse caso é diferente. Não é igual ao Special Opportunities I, que caiu 99%, mas sim uma situação em que o fundo foi para o negativo. Parte disso pode ser explicada por um valuation agressivo”, afirma Luiz Felippo, sócio e analista de fundos da empresa de análises Nord Research.
“Apesar de investimentos em private equity consistirem, naturalmente, em produtos de maior risco, que costumam trazer ganhos maiores ou perdas significativas, não é tão comum ver cotas negativas.”
Essa situação rara de preços sendo remarcados para o campo negativo aconteceu, segundo os observadores, por que o fundo do Pátria era especialmente arriscado por estar concentrado em um único ativo. “A remarcação não foi uma surpresa. Era uma queda esperada pelos detentores do ativo”, diz o executivo-chefe de produtos de um grande escritório de agentes autônomos de investimentos.
“É normal empresas quebrarem, o problema desse fundo é que não havia outra empresa no fundo para salvar o resultado. O rival do Pátria, o Vinci Partners, também teve insucessos, mas esses resultados foram compensados por ter no mesmo fundo ações de empresas como a Equatorial Energia, que trouxe bons resultados.”
O desafio agora do Pátria será deixar no passado os maus resultados de seus fundos em ativos imobiliários. O movimento para superar esse momento ficou claro quando ela revelou há um ano a reestruturação de sua área de real estate, ao comprar a gestora de fundos imobiliários VBI Real Estate, que ajudará limpar o legado de investimentos passados e para trazer novos produtos do setor, com perspectivas mais positivas.
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