Com o salto de vendas de carros elétricos e híbridos, os condomínios residenciais e comerciais enfrentam um novo desafio: a instalação de pontos de recarga. Diferentemente de automóveis a combustão, eles precisam ficar plugados a uma rede elétrica. Uma carga completa pode levar até oito horas, a depender da rede.
Os desafios enfrentados pelos condomínios, particularmente os residenciais, têm a ver com os custos da instalação e com a segurança. Como outras obras em áreas comuns, uma adaptação da rede elétrica do prédio tende a gerar custos, e a decisão precisa ser tomada em assembleia de condôminos. O custo da adaptação é variável e depende de uma série de fatores, como o estado da rede de cada prédio e a quantidade de pontos de recarga que serão instalados.
Segundo especialistas, o preço de uma instalação fica entre R$ 6 mil e R$ 17 mil, dependendo da capacidade do carregador escolhido.
Os condomínios já existentes são o principal mercado da Intelbras, maior empresa brasileira do segmento e que já vendia produtos para condomínios, como câmeras, fechaduras e redes. Nos lançamentos, as construtoras paralisaram a oferta da infraestrutura da instalação do ponto de recarga devido a um parecer técnico do Corpo de Bombeiros. Na visão do setor, as regras inviabilizam a oferta dos pontos de recarga em garagens de condomínios residenciais.
A Patriani anunciou em diversos empreendimentos imobiliários a oferta de infraestrutura de recarga para veículos elétricos nas garagens dos condomínios. Agora, a oferta está em compasso de espera, aguardando uma revisão das normas de segurança.
“Nossos prédios não foram concebidos no contexto do parecer técnico da consulta pública indicada pelo Corpo de Bombeiros. Foram projetados de acordo com as normas de segurança vigentes”, diz a incorporadora, em nota.
Um exemplo, segundo a empresa, é que não haveria espaço suficiente nas garagens para atender a distância de cinco metros entre vagas de estacionamento. “Caso esteja pensando em adquirir um veículo elétrico com a expectativa de poder recarregar sua bateria em sua vaga, reflita melhor sobre essa decisão”, afirma a empresa.
Com a queda do custo do carro elétrico, a demanda por estações de recarga, que começou nos bairros nobres, já se espalha por toda a cidade de São Paulo, assim como todo o Sul e Sudeste do Brasil.
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Segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos, o País tem 152 mil carros eletrificados, sejam 100% elétricos ou híbridos que são recarregados na tomada. Com a chegada das montadoras chinesas BYD e GMW, os números de vendas saltaram. De 20 mil em 2022, passaram para 53,4 mil em 2023. Neste ano, já foram vendidos 65,8 mil.
Segundo o vice-presidente de tecnologia e sustentabilidade do Secovi-SP, Carlos Borges, a adoção dos veículos elétricos deve ser mais lenta do que a observada em outros países devido à indústria do etanol, combustível que já é menos poluente do que a gasolina e pode ser mais sustentável no longo prazo. “É importante deixar a infraestrutura no empreendimento para que cada um decida se quer. Não há lógica fazer um grande investimento por parte de uma construtora se os clientes não estão demandando tanto. Mesmo no alto padrão, a quantidade de carros elétricos é limitada”, afirma.
Borges conta que montadoras já têm buscado parcerias com empresas do ramo imobiliário para que os novos projetos residenciais estejam preparados para acomodar estações de recarga.
No parecer técnico, de abril, o Corpo de Bombeiros diz que novas tecnologias de veículos ou de proteção contra incêndios podem ser avaliadas para atualização do documento. Junto à ABVE, a corporação faz testes para avançar na regulação de segurança para condomínios.
Para Gustavo Favaron, CEO do GRI Club, clube de relacionamento do setor imobiliário, os novos edifícios devem ser pensados para o futuro para que, quando forem vendidos, não estejam defasados em relação à realidade da sociedade. “Vemos uma determinação do mercado de desenvolver produtos imobiliários que estejam antenados com a realidade. Por isso, há questões de mobilidade e segurança, individualização de pontos, etc. Os mais novos têm nascido com essa preocupação.”
Segundo o executivo, o poder público adotou um caminho muito rígido com a regulamentação. “No discurso, não querem inviabilizar o carro elétrico, mas as demandas atuais tornam impossível um desenvolvimento imobiliário produzir um empreendimento com pontos de recarga”, afirma.
Tadeu Azevedo, diretor de infraestrutura da ABVE, afirma que a associação trabalha junto ao Corpo de Bombeiros de SP para a criação de normas de segurança para a recarga dos veículos elétricos. O risco de incêndio nas vagas de garagem, diz ele, é mínimo, desde que seguidas as normas de segurança e não sejam feitas instalações improvisadas, como ligar o carro elétrico no quadro de energia.
“O risco intrínseco de incêndio de um carro a combustão é 60 vezes maior do que o de um elétrico. O próprio nome diz, é um motor a combustão. Não existe correlação entre recarga de carros elétricos e incêndio de carros elétricos”, afirma Tadeu. Para ele, se o carro estiver carregando e houver um problema, o carregamento é interrompido e você pode atuar de maneira preventiva. “A maior parte dos incêndios em carros elétricos, quando ocorrem, apesar de terem baixa frequência, é causada por impacto mecânico (colisões) na bateria.”
Após o fim da consulta pública a respeito do parecer técnico do Corpo de Bombeiros sobre as estações de recarga de veículos elétricos, a corporação emitiu um comunicado dizendo que deve continuar a realizar estudos para aprimorar as normas de segurança em garagens de condomínios.
Segundo a corporação, em virtude da “complexidade da temática e devido à elevada quantidade de manifestações, sugestões e informações enviadas”, o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, por meio do Departamento de Segurança e Prevenção Contra Incêndios, fará os devidos estudos para adequar e aprimorar a proposta de normatização das edificações.
Condomínios horizontais
Renata Firpo, consultora associada private brokers da Coelho da Fonseca, empresa que atua no segmento de luxo, afirma que os clientes têm desejo de vagas com pontos de recarga, mas esse não é hoje um fator preponderante de aquisição.
“Não é uma demanda ao ponto de a pessoa comprar ou não o imóvel por causa disso, como acontece com uma varanda ou uma academia superequipada. Porém, é algo que atrai, embeleza. É como uma maquiagem, mal não faz ter”, diz.
Renata diz que o cuidado do Corpo de Bombeiros com o setor é acertado, pois visa evitar problemas em condomínios, que podem ter sobrecargas elétricas. A especialista lembra que os projetos que chegam ao mercado hoje normalmente foram registrados há cinco ou até dez anos, quando as normas de segurança eram diferentes.
Renata lembra que os donos de veículos elétricos podem ter mais facilidade de ter um ponto de recarga em condomínios horizontais de alto padrão, como já acontece na Fazenda Boa Vista e no Baroneza.
Em condomínios de casas, os moradores que tiverem investido numa infraestrutura de energia solar ― algo hoje viável apenas para casas ― podem passar a utilizar a eletricidade armazenada para abastecer seus veículos, deixando o custo a partir de então muito próximo de zero.
Fora de São Paulo, alguns condomínios verticais são lançados com a infraestrutura para carregamento de carros elétricos. A construtora Alumbra, que atua no litoral de Santa Catarina, já prevê isso em seus projetos imobiliários e viu a demanda subir nos últimos anos.
“Isso se deve ao crescimento do mercado de veículos elétricos, impulsionado por incentivos governamentais, preocupações ambientais e a crescente conscientização dos consumidores sobre a sustentabilidade. A Alumbra já prevê em seus projetos infraestrutura individualizadas para cada vaga de garagem”, diz o CEO da Alumbra, Alex Sales.
Adaptação de condomínios
A adaptação de condomínios já construídos ou mesmo mais antigos também tem sido um desafio, e não apenas pela questão da segurança. Para evitar brigas entre condôminos, o mercado já tem se adaptado para que a conta de consumo de energia elétrica em pontos de recarga de veículos elétricos seja individualizada por apartamento. Desse modo, a conta de luz das áreas comuns não é dividida entre todos os moradores, incluindo aqueles que não têm carro elétrico.
O gerente do segmento responsável pelas estações de recarga para veículos elétricos da Intelbras, Matheus Rodrigues, diz que a empresa já se posiciona para ser fornecedor desse tipo de tecnologia há alguns anos. A companhia também aposta em soluções de energia solar, além de ser fornecedora de tecnologias variadas para edifícios residenciais.
“Nos propomos atender toda a frota de 100% elétricos ou híbridos. Temos pontos de recarga com tomadas de 20 amperes no padrão brasileiro. A infraestrutura de recarga é a principal dor do mercado de veículos elétricos. Oferecemos esse carregador portátil que permite a recarga em qualquer tomada de 20 amperes. Em estações de recarga, temos de 7 kW a 11 kW, além da estação 22 kW para ambientes públicos ou comerciais, como shoppings”, afirma.
Para Raquel Bueno, engenheira civil e gerente de produtos e parcerias da gestora de condomínios Lello, o desafio de adaptar as garagens para os carros elétricos não é apenas técnico, mas envolve questões de segurança e debates de moradores.
“Nos condomínios já ativos, o grande segredo é analisar toda a parte de infraestrutura elétrica do condomínio. Os síndicos precisam garantir que o sistema elétrico do condomínio esteja apto a absorver essa nova demanda. Para isso, é preciso ter um profissional qualificado que possa garantir essa segurança, seguindo as normas existentes”, afirma Raquel.
Mikio Kawai Jr., CEO da empresa de energia Safira, lembra que, no passado, a instalação do gás em apartamentos também foi uma questão que afligiu o mercado imobiliário e, com o tempo se tornou algo normal, pacificando problemas em relação à distorção de cobranças entre moradores porque o consumo não era individualizado. Na sua visão, os pontos de recarga para veículos elétricos devem passar pela mesma adequação. Kawai Jr. diz ainda que a Safira trabalha para criar soluções voltadas a condomínios que necessitam de infraestrutura de recarga para automóveis elétricos ou híbridos.
Pontos de recarga
Segundo dados da ABVE, o Brasil tem atualmente 10.622 pontos de recarga para veículos elétricos, sendo que 3.551 deles ficam no Estado de São Paulo, 912 no Rio, 836 no Rio Grande do Sul e 725 em Santa Catarina.
Em muitos casos, postos de gasolina, condomínios residenciais e shoppings abrigam esse ponto de recarga. Em locais, o uso ainda é gratuito, mas muitas empresas já começaram a cobrar pelo uso.
No final de 2023, a Raízen Power adquiriu toda a rede da startup Tupinambá, que consistia em 204 pontos. A empresa ainda tem potencial de atingir a marca de mais de 600 pontos adicionais de 7.4 a 22 kW de potência. As estações serão nos pontos Shell Recharge, postos Shell, shoppings, supermercados, hotéis e estacionamentos.
“Saímos do formato do entusiasta, que não é sensível ao preço. Nesta segunda onda, temos pessoas que têm um perfil bastante diferente. Não são só aficionados por tecnologia. São pessoas que compram carros por performance e composição financeira. O valor do carro está associado ao valor de uso e custo de manutenção, e não só ao preço. Hoje o formato mais barato de uso é o carro elétrico”, afirma Davi Bertoncello, fundador e CEO da Tupinambá.
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