O Brasil estreia num mercado de poucos players no mundo ao iniciar a mineração em alta escala de terras raras, mineral que contém 17 metais utilizados em centenas de aplicações industriais e tecnológicas. O domínio global é da China, que detém o know-how de separação e purificação dos elementos químicos presentes no minério. É nessa fase que está o segredo estratégico do negócio. A Mineração Serra Verde, montada por investidores estrangeiros, começou a operar neste ano uma planta industrial em Goiás, no município de Minaçu.
A empresa tem, no depósito que leva o nome de Pela Ema, quase na divisa com Tocantins, aproximadamente 200 milhões de toneladas (medidas) de minério. Considerando reservas indicadas e inferidas, o depósito supera 1,3 bilhão de toneladas, de acordo com informação da ANM (agência do setor). Nesse depósito se destaca a presença de terras raras leves e pesadas de alto valor, considerados, por especialistas, essenciais para a transição energética.
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Os ETR, como são chamados os elementos de terras raras, recebem esse nome exatamente pela dificuldade de extração, separação e purificação, apesar do minério ser encontrado em grande quantidade na crosta terrestre. Nas reservas de Serra Verde, há quatro ETR - principalmente neodímio (Nd), praseodímio (Pr), térbio (Tb) e disprósio (Dy) -, predominantes na jazida Pela Ema (em torno de 30%) e, atualmente, são os que têm alto valor no mercado. O minério está a uma profundidade de 10 a 13 metros, praticamente aflorado.
O Brasil é o terceiro país em quantidade conhecida e medida de terras raras - 21 milhões de toneladas de metal contido -, segundo dados oficiais do governo brasileiro e da agência americana de serviços geológicos(USGS), espalhadas em diversos Estados. As reservas chinesas são o dobro: 44 milhões de toneladas. O Vietnã está logo acima do Brasil, com 22 milhões de toneladas.
A Serra Verde faz a extração e beneficiamento dos elementos químicos de terras raras com argilas iônicas, um dos tipos de minério onde se encontra o grupo de metais. A argila iônica é uma fonte importante de metais leves e pesados dentro das terras raras. Do total,15 elementos são da família dos lantanídeos (lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio e lutécio), que na tabela periódica têm números atômicos de 51 a 71. Os outros dois, de propriedades similares, são o escândio e o ítrio.
Os ETR estão presentes tanto em rochas duras como nas argilas iônicas mineradas pela Serra Verde. Após o beneficiamento do minério, os metais de terras raras são obtidos num concentrado que contém os óxidos.
A tonelada de óxido de terras raras (OTR) desses elementos atinge US$ 42 mil, mas em alguns momentos já alcançou US$ 65 mil. É que são ingredientes essenciais na fabricação, por exemplo, de motores elétricos eficientes, turbinas de geração de energia eólica, telas de TV, imãs de discos rígidos de computadores e de sistemas de áudio e circuitos eletrônicos de celulares, entre outras.
“Estamos lidando com materiais altamente estratégicos por suas aplicações”, afirma o presidente da Serra Verde, Ricardo Grossi, formado engenheiro de minas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Somos a primeira operação a produzir esses quatro elementos fora da Ásia em argila iônica”, ressalta.
A empresa concluiu sua unidade de produção no final de 2023 e iniciou produção comercial em janeiro deste ano. Continua ainda na fase de homologação de seus óxidos com potenciais clientes e ganhando dia a dia escala de produção. O executivo informou que já há cartas de intenção de compra assinadas com várias empresas de refino da China.
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A Serra Verde tem capacidade instalada de 5 mil toneladas equivalente de OTR contido em concentrado de carbonato (produto final). A previsão é operar a unidade a pleno volume em 2026. “É um longo processo de aprendizado”, afirma o executivo. “É inevitável vender o concentrado para a China, pois é lá que está a tecnologia de separação e purificação dos elementos”, diz o executivo. Essa tecnologia é a grande barreira nesse negócio, acrescenta Grossi.
O executivo informa que o cenário de mercado para os quatro principais produtos da Serra Verde sinaliza crescimento a um ritmo de 8,5% ao ano na demanda até 2035. Será sustentado principalmente pela transição energética, com expansão da frota de veículos elétricos e geração de energia limpa (turbinas de geração eólica) e super imãs.
Controlada desde 2011 pelo fundo americano Denham Capital, quando adquiriu o projeto, a Serra Verde recebeu em outubro aporte de US$ 150 milhões (R$ 864 milhões pelo câmbio atual) para otimizar a produção da unidade fabril em Goiás, fortalecendo a empresa para um salto maior futuramente. Os recursos vieram dos fundos Energy & Minerals Group (EMG) e Vision Blue Resources (VBR).
O Estadão apurou que em janeiro de 2023, EMG e VBR já haviam investido quantia igual na mineradora, conforme informação no site do Serra Verde Group. “O investimento da EMG e da VBR fornecerá financiamento adicional para a concluir a construção e comissionamento da Fase I, além de permitir que estudos adicionais sejam realizados sobre uma potencial expansão da Fase II do depósito Pela Ema”, disse o grupo na nota. Os três fundos, de presença global, têm foco de investimento em transição energética, descarbonização, minerais e metais críticos e em energia limpa.
A companhia almeja atingir a plena capacidade de produção em menos de dois anos e se firmar como um produtor alternativo de OTR fora da Ásia. Após isso, diz Grossi, é que a Serra Verde vai avaliar condições para um novo ciclo de crescimento. As reservas atuais medidas de minério são suficientes para 25 anos, mas com volumes indicados e inferidos a vida útil do Pela Ema pode alcançar 50 anos.
A empresa e seus acionistas, após completar a fase I, de otimização da planta e desgargalamento das suas operações de mina e de beneficiamento, estudam duplicação do projeto (Fase II), dobrando a produção de minério bruto antes de 2030. Para a produção atual, são extraídas da mina entre 12 milhões e 13 milhões de toneladas de minério por ano, que passam por processo de beneficiamento desde a mina.
O executivo da Serra Verde prefere não indicar geração de receita da empresa. Pelos preços atuais, no entanto, um cálculo aponta que, no caso de produção à plena capacidade, a companhia teria faturamento anual na casa de US$ 200 milhões (R$ 1,2 bilhão). A mineradora conta com 1,3 mil funcionários, entre próprios e de terceiros. Grossi destaca que 72% são moradores da cidade de Minaçu e 80% são do Estado de Goiás.
Operação sustentável
Um diferencial da Serra Verde para outras mineradoras de ETR, segundo seu presidente, é o modelo de produção. Ele menciona que a extração do minério é feita a céu aberto, até 13 metros abaixo da superfície do solo, com baixo risco, por escavadeiras e caminhões. “Não usamos explosivos para liberar o minério”. Além disso, a tecnologia de processamento é simples, com reagentes químicos que não agridem o meio ambiente, afirma. O rejeito de minério após o beneficiamento é filtrado e empilhado a seco e a energia utilizada nas operações é de fonte renovável.
“A Serra Verde almeja ser reconhecida como o fornecedor de OTR mais sustentável do mundo”, destaca o executivo. Ele afirma que em países da Ásia, principalmente Mianmar (ou Burma), as credenciais do ESG (sigla em inglês para ações ambientais, sociais e de governança) não são tão rígidas como no Brasil. “Mianmar (segundo maior produtor mundial) está ao lado da China. Extrai, beneficia e entrega o produto via caminhões a clientes chineses. Nós transportamos o concentrado, em bags de 1 tonelada, dentro de contêineres, por navio que leva 45 dias até a China”.
As pesquisas geológicas da reserva Pela Ema para confirmar a existência de ETR começaram em 2008 e ganharam velocidade a partir de 2010, segundo informações da empresa. Somente no final de 2023, após todos os estudos de viabilidade econômica e técnica e os licenciamentos, ficou pronta a unidade industrial para processar OTR. O investimento total da Deham Capital, desde 2011, e no próprio empreendimento, não é revelado. O Serra Verde Group, que controla a empresa, está sediado em Zug, num dos cantões da Suíça.
A Serra Verde informa ter um dos maiores depósitos de argila iônica no mundo contendo os quatro principais elementos químicos de terras raras. Segundo informa, as argilas se formaram com a lixiviação do granito Serra Dourada, maior intrusão da província estanífera de Goiás. Tem aproximadamente 64 km de extensão na direção Norte-Sul e varia entre 3,5 km e 12 km de largura na direção Leste-Oeste.
No momento, informa Grossi, a companhia conversa com representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ser inserida no fundo Ore Minerals, criado este ano para apoiar projetos de minerais e metais estratégicos e críticos. “Seria um suporte para duplicação futura, com taxas de financiamento mais competitivas”, diz. Por exemplo, a duplicação da Sigma Lithium, que extrai e processa lítio no Vale do Jequitinhonha (MG), teve financiamento de quase R$ 500 milhões do banco de fomento neste ano, com longo prazo de amortização do empréstimo.
O executivo destaca ainda a indicação da empresa pelo governo americano como investimento estratégico no programa Minerals Security Partnership (MSP), grupo de países e entidades que busca fomentar o desenvolvimento de cadeias de fornecimento de minerais críticos e sustentáveis, com apoio de governos e indústrias, dando suporte financeiro. Envolve energia limpa, mineração (extração e processamento), refino e reciclagem.
Os minerais e metais que se destacam são lítio, cobalto, níquel, manganês, grafite, elementos de terras raras e cobre. Os países-membros do MSP são Coreia do Sul (que preside o grupo), Austrália, Canadá, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Noruega, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, além da União Europeia.
Na avaliação de Grossi estar no MSP é uma credencial importante para atração de investimentos e acesso a capital a custos mais competitivos. “Foi um grande desafio de exploração de uma província mineral, com etapas de pesquisa, licenciamento e de operação que levou 15 anos para começar a produzir”. Hoje, em escala e custo competitivo no mundo quem domina é a China, observa o executivo.
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