HANGZOU - Há algum tempo as TVs deixaram de ser meros receptores de conteúdo e passaram a oferecer funcionalidades integradas à Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). Agora, em plena corrida tecnológica da Inteligência Artificial (IA), essas inovações chegam também a uma ampla gama de eletrodomésticos oferecidos pelas gigantes chinesas do setor, ampliando as possibilidades de automação e conectividade no dia a dia dos consumidores.
Uma das primeiras companhias a conseguir lançar sua linha de eletrodomésticos com funções guiadas por IA generativa é a marca Chiq, que pertence à Changhong Holding Group. A empresa apresentou no fim do primeiro semestre de 2024 aparelhos de TV, ar condicionado, máquina de lavar roupas, fogão e geladeira com a proposta de serem conectados com ferramentas de IA.
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No lançamento, a Changhong apresentou a primeira TV com uma ferramenta própria de IA Generativa. Segundo os fabricantes, o recurso pode ajudar as crianças a estudar matemática e executar equações de segundo grau. Basta acionar — por voz — a televisão que ela realizará a conta, encontrando os resultados da incógnita ao mesmo tempo em que explica a resolução do exercício. “É uma forma das crianças estudarem sozinhas em casa”, diz Li Guochun, diretor de produtos da divisão de televisores da Changhong.
Não por acaso a Chiq anuncia seu lançamento como uma espécie de professor de reforço escolar, que pode auxiliar as crianças em diversas tarefas educacionais. “É um professor auxiliar”, brinca Guochun.
Ao Estadão, representantes da Changhong Holding Group afirmaram que estão em negociação com uma varejista brasileira para importar aparelhos da marca para o País, incluindo modelos de TV com a tecnologia de IA. A expectativa da chinesa é vender aproximadamente R$ 28 milhões ao mercado brasileiro ainda este ano. O líder de operações domésticas da Changhong avalia que, em cinco anos, a empresa deve alcançar até US$ 50 milhões (RS 285 milhões, na cotação vigente) em vendas no País.
Como funciona?
Conforme divulgado pela Changhong, o novo modelo usa um sistema próprio de IA, criado especialmente para integrar os aparelhos e conectá-los. Ligadas à internet, as TVs conseguem realizar pesquisas, responder comandos por voz e controlar os demais gadgets da residência. “Esta é a primeira TV no mercado chinês com esse tipo de avanço”, diz o diretor da empresa.
Ulysses Reis, da FGV, acredita que os modelos desenvolvidos pela Changhong estão alguns passos à frente dos seus concorrentes, tanto na China quanto em outros mercados do mundo. Isso porque a empresa integra três tipos de tecnologia diferentes em um mesmo aparelho.
Reis explica que o modelo da Chiq é guiado por um conceito conhecido como “Internet das Coisas”, que conecta a TV aos demais aparelhos através do wi-fi, por exemplo. Já a IA Generativa é utilizada na TV como ferramenta para criar imagens, responder perguntas, executar tarefas e até tomar decisões, por si só, sobre as opções de funcionamento dos aparelhos e dos temais itens da linha.
Negócios da China
O professor lembra que esse tipo de avanço lançado pela Changhong só é possível por meio de uma terceira ferramenta, conhecida como “Lógica Difusa”. Ele explica que a fabricante tem nos aparelhos eletrônicos, uma espécie de sistema inteligente que emula as “redes neurais” do cérebro humano, como se o aparelho “pensasse” e pudesse criar soluções sofisticadas para algumas demandas.
Por exemplo: tomar decisões e executar tarefas por conta própria, como escolher qual a melhor temperatura para o ar condicionado, ou a hora de desligar a chama do fogão. “Estamos falando de alta tecnologia”, afirma o especialista.
Quanto custa?
Embora a China seja conhecida pela produção de equipamentos eletrônicos mais baratos, adquirir um modelo com IA pode custar alguns milhares de yuans chineses.
Segundo a tabela de preços da Chiq, para vendas físicas, os aparelhos do modelo com ferramenta de IA podem custar de 6 mil yuans até 35 mil yuans, algo em torno de R$ 4 mil a R$ 28 mil, respectivamente, na cotação atual.
Para efeito de comparação, um modelo de última geração no mercado chines, mas sem IA, custa entre 1 mil yuan e 5 mil yuans (R$ 800 e R$ 4 mil), dependendo do tamanho da tela e especificações técnicas.
Reis, da FGV, vê a diferença de preços entre o produto comercializado na China e uma possível versão importada ao Brasil como um dos principais gargalos da companhia para conseguir aterrissar com sucesso no mercado doméstico. Ele pondera que em se tratando de um produto de lançamento, com novas tecnologias e via importação, a junção desses fatores com as cargas tributárias locais poderiam tornar uma comercialização massiva desse produto pouco provável, o que acabaria levando às vendas para o segmento de nicho, como o luxo. “Comparado ao Brasil, esses preços seriam muito mais altos aqui.”
Além da questão de preço, a integração com outras marcas pode ser mais uma barreira de mercado para os modelos chineses. Na avaliação do especialista em tecnologia da Escola Politênica da Universidade de São Paulo (USP), Renato Franzin, os planos de integração de serviços pode esbarrar no fato de o consumidor nem sempre ser tão fiel a uma única marca na hora de mobiliar sua residência. Ele explica que conectar aparelhos de marcas diferentes pode ser um desafio para a companhia que se vende como uma integradora de ambientes. “Integrar sistema é sempre uma tarefa complexa”, diz.
Recentemente, as sul-coreanas Samsung e LG lançaram versões atualizadas de aparelhos de TV com IA Generativa. Contudo, os modelos lançados usam as ferramentas de inteligência artificial para aprimorar a qualidade de imagem e de som dos conteúdos exibidos na tela.
A ‘Alexa’ chinesa
Para além das funções educacionais e de reforço escolar, os consumidores também podem usar a TV turbinada com IA para gerenciar a casa. O aparelho lançado pela Changhong quer ser uma espécie de “Alexa Chinesa”, que integre todos os eletrônicos e eletrodomésticos da casa conectada, desde que esses utensílios sejam todos da mesma marca. Na sala de estar, por exemplo, o aparelho virá uma espécie de assistente virtual turbinada, que conecta a iluminação, o ar condicionado e até as fechaduras.
Outra funcionalidade da TV é se transformar em quadros decorativos. No modelo da Chiq, o aparelho consegue criar imagens autorais a partir de descrições feitas pelo usuário. Esses desenhos podem ser usados como descanso da tela para ser exibido como uma pintura no ambiente.
O jornalista viajou à China a convite da Kwai e do Centro de Comunicação da China para as Américas.
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