Consignado do Auxílio Brasil: nova linha de crédito atrai bancos menores e varejistas

Com os grandes bancos decidindo deixar a linha de lado – uma vez que o benefício é temporário e pensado para comprar alimentos –, instituições de menor porte se movimentam para convencer beneficiários a tomar empréstimos

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Foto do author Fernanda Guimarães
Atualização:

Rechaçada pelos grandes bancos do setor privado, a linha de crédito consignado do Auxílio Brasil começou a atrair um segmento do mercado financeiro destinado às classes C, D e E no País. Trata-se, no geral, de instituições financeiras que já tinham como principal pilar de seus negócios o crédito com desconto em folha. No grupo estão desde bancos de menor porte até varejistas como a Pernambucanas, que já estende faixas anunciando a modalidade na entrada de suas lojas.

Especialistas, contudo, alertam para o perigo da modalidade destinada à população mais vulnerável, já que um dos objetivos dos benefícios sociais é garantir a subsistência dessa famílias.

As taxas cobradas no consignado do Auxílio Brasil deixam bem claro que a linha é uma aposta de risco. O juro poderá superar os 60% ao ano, conforme cálculos de mercado. Esse número está muito acima da média do consignado pago pelos aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de 26% ao ano. Logo, o beneficiário do programa social pagará taxas mais próximas às do mercado de balcão das instituições financeiras, sem a “garantia” oferecida pelo modelo com desconto em folha. Logo, o beneficiário do programa social pagará taxas mais próximas às do mercado de balcão das instituições financeiras, sem a “garantia” oferecida pelo modelo com desconto em folha.

Pernambucanas já anuncia em faixas linha de crédito consignado do Auxílio Brasil Foto: Fernanda Guimarães

Apesar dos riscos, Agibank e Banco Pan já decidiram operar com a linha. Mas o receio em relação a ela não se restringe aos grandes bancos, como Bradesco, Itaú e Santander. O BMG, por exemplo, chegou a anunciar a adesão ao crédito do Auxílio Brasil, mas acabou voltando atrás na semana passada. Além disso, as instituições ainda aguardam publicações do Ministério da Cidadania com as regras para a liberação dos recursos.

Alto risco de inadimplência

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Especialista em crédito, o consultor Boanerges Freire afirma que não foi sem razão que os grandes bancos decidiram manter distância da linha. Segundo ele, além do risco de inadimplência, há também uma questão relacionada à imagem dos bancos. “O ganho que poderia haver não compensa”, aponta.

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O tom dos presidentes dos dois maiores bancos privados do País, Itaú Unibanco e Bradesco, foi enfático em relação às restrições à operação desse crédito. “Nós entendemos que é melhor não operarmos essa linha. Entendemos que essas pessoas terão mais dificuldade quando esse benefício cessar”, disse o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari. O CEO do Itaú, Milton Maluhy, foi na mesma linha e afirmou que esse “não é um produto adequado para um público vulnerável”.

Apesar de ainda não ter sido regulamentado e não poder ser oferecido, o crédito consignado do Auxílio Brasil já vem sendo anunciado por algumas instituições. Pelas características do consignado, as cobranças serão feitas de forma direta nas parcelas do auxílio, com limite de 40% do valor.

Por se tratar de um benefício de subsistência, é preciso analisar se faz sentido antecipar valores (por meio do consignado).”

João Bragança, diretor de serviços financeiros da Roland Berger

Ou seja: o tomador desse empréstimo que recebe R$ 600 do auxílio poderá ter até R$ 240 descontados do valor do benefício. Diante do risco embutido, as instituições que estão anunciando o crédito estão se prevenindo por meio de taxas mais altas, de cerca de 60% ao ano.

Desvio de função

O diretor de serviços financeiros da consultoria alemã Roland Berger, João Bragança, aponta que o consignado do Auxílio Brasil acaba desvirtuando essa linha com desconto na fonte. “Por se tratar de um benefício de subsistência, é preciso analisar se faz sentido antecipar valores (por meio do consignado)”, diz ele.

Outro problema é o nível de comprometimento, de 40%, pois o dinheiro certamente vai fazer falta ao beneficiário nas parcelas seguintes. De acordo com o especialista da Roland Berger, ao se negar a entrar na onda de conceder empréstimos para pessoas que dependem de benefícios sociais, os bancos estão até levando em conta o “S” do ESG, sigla em inglês para ações ambientais, sociais e de governança das empresas.

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Auxílio Brasil de R$ 600 só tem garantia de ser pago até o fim do ano Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Isso porque, ao não fazer financiamentos desse tipo a esse público, segundo Bragança, as instituições financeiras não tiram dinheiro de quem precisa dele para necessidades do dia a dia, como alimentação.

Qualquer risco para o modelo de crédito consignado, de acordo com especialistas, pode se tornar um problema para o sistema financeiro como um todo. Isso porque, segundo dados do Banco Central (BC), a carteira de crédito pessoal hoje é de R$ 788 bilhões no Brasil – e o consignado responde por nada menos do que 70% desse total.

Anúncio às vésperas da eleição

Desde o mês de agosto, já num contexto de campanha eleitoral, o governo federal passou a pagar os valores de R$ 600 para os beneficiários do Auxílio Brasil. Entre os grandes bancos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal devem ofertar o consignado ligado ao benefício social, que tem sido utilizado como umas das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro em sua campanha em busca da reeleição. E isso apesar de o valor de R$ 600 só estar garantido até dezembro deste ano.

A Caixa informou que está à espera da divulgação das normas complementares e que só depois divulgará as condições sobre a linha. “Sugerimos aos clientes que, antes de contratar, planejem a utilização do valor emprestado e busquem as melhores taxas. Clientes que possuem empréstimos com taxas de juros mais elevadas poderão contratar o consignado e utilizar o valor para liquidação dessas dívidas. Se o valor for utilizado para comprar algum bem, é importante que o cliente avalie a real necessidade do produto e o seu custo-benefício”, informou em nota ao Estadão.

Já o BB informou à reportagem que “avalia as condições técnicas e negociais com base na regulamentação definida pelo governo federal”.

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