A surpreendente oferta de US$ 39 bilhões (quase R$ 200 bilhões) da mineradora BHP pela rival Anglo American pode ser apenas o prenúncio de uma onda de fusões e aquisições no setor de mineração, avaliam analistas e especialistas ouvidos pelo Estadão. Como pano de fundo está o domínio dos metais e minerais estratégicos para uso na transição energética e o avanço da indústria de mobilidade elétrica. Estão elencados como potenciais alvos ativos de cobre, níquel, lítio, alumínio, manganês, nióbio, terras raras, grafite, ferro, entre outros.
Num primeiro momento, a possível aquisição da Anglo teria desdobramentos principalmente na América do Sul. No Brasil, atingiria as operações de produção de minério de ferro da empresa, em Minas Gerais, e a de ligas de níquel, em Goiás. O modelo da aquisição proposto, se concretizado, poderá gerar vários negócios, uma vez que a BHP não tem plano de ficar com alguns ativos na África do Sul, origem, expansão e base das principais operações da Anglo American.
Sediada em Londres, a Anglo rejeitou a oferta hostil da australiana BHP, de Melbourne (Austrália), na sexta-feira, 26, alegando preço subvalorizado por parte da rival. Porém, a visão de especialistas do setor é que, até dia 22, prazo legal da operação, a BHP voltará à carga com uma proposta mais robusta. Ao mesmo tempo, o campo está livre para ofertas de outras concorrentes, como a suíça Glencore, gigante no mercado de commodities, e também da australiana Rio Tinto, maior mineradora de ferro do mundo.
”As ações da Anglo American estão muito baratas, por várias razões de seus negócios, especialmente as operações na África do Sul. Isso estimula movimentos como o da BHP”, afirma Tito Botelho Martins, especialista na indústria de mineração. Ele conhece bem a indústria, pois foi executivo de metais não ferrosos da Vale e do grupo Votorantim.
Mesmo se não prosperar o ataque da BHP, não está descartado um desmembramento da Anglo em vários negócios, como o de metais da platina e o de minério de ferro na África do Sul (ambas empresas já listadas na bolsa do país). A área de diamantes, da De Beers (controlada pela Anglo), estaria à venda, segundo informações.
A BHP, líder global da indústria mineral, não demonstrou interesse por esses ativos, mirando especialmente as minas de cobre no Chile (Collahuasi, Los Bronces, El Soldado e Chagres) e Peru (Quellaveco). Há alguns anos, a gigante redirecionou o foco de seus negócios para o que chama de “minerais voltados para o futuro”, com destaque para o cobre e o potássio.
No Chile, a companhia é majoritária, com 57,5%, da mina de Escondida, maior do mundo de controle privado. Com os ativos da rival sul-africana, sua produção anual somaria 2,6 milhões de toneladas, superando a estatal chilena Codelco e de longe a americana Freeport-McMoRan.
“O que se vê é uma corrida por metais que são ganhadores na transição energética e na mudança da atual matriz econômica para uma matriz mais verde para garantir acesso a materiais de elevada qualidade. O mundo parece caminhar nessa direção”, diz Daniel Sasson, que comanda a equipe de analistas de mineração e siderurgia do Itaú BBA. Ele cita, por exemplo, cobre, lítio e alumínio, metais importantes na produção de baterias para carros elétricos e em parques de geração de energia eólica e solar.
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Os grandes projetos de cobre no Brasil estão sob gestão da Vale Base Metals, subsidiária da Vale com sede em Toronto (Canadá), concentrados na região de Carajás (Sossego e Salobo). Duas outras empresas são a Lunding Mining, no Pará, e a Ero Copper, na Bahia (antiga Mineração Caraíba) e Goiás. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), no País há áreas com potencial para exploração do metal vermelho em Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Bahia.
Nessa corrida, o Brasil tem ainda vários negócios em operação e em desenvolvimento. Além do lítio, na região do Vale do Rio Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, e no Vale das Vertentes (região central), há projetos em fase adiantada de grafite e terras raras. O País é um importante produtor de alumínio e líder global na oferta de nióbio, por meio da CBMM, empresa do grupo Moreira Salles.
Projetos de lítio já em produção (CBL, AMG e Sigma) e em desenvolvimento em Minas Gerais estão sendo tocados por empresas do Brasil, Canadá, EUA, Europa e Austrália. Alguns deles estão na mira de grupos estrangeiros, em especial de chineses, que detêm a tecnologia de refino do mineral e de fabricação de baterias para carros elétricos. A Sigma Lithium, por exemplo, chegou a negociar sua venda com as montadoras de automóveis Tesla e BYD. Porém, a forte retração nos preços dos produtos oriundo do mineral (concentrado, carbonato e hidróxido) no último ano esfriou os negócios.
Metal vermelho
Segundo Sasson, há um consenso de mercado de que haverá déficit na oferta de cobre no mundo até o final desta década com a demanda crescente e dificuldades na obtenção de licenças para se desenvolver novas minas do metal, que é um excelente condutor de energia. A ofensiva da BHP, diz o analista, tem a ver com isso, pois se tornaria a maior do mundo no metal vermelho ao adquirir a Anglo American. “Parece mais fácil comprar um ativo já conhecido e em operação do que montar um do zero, que demoraria de 10 a 12 anos para iniciar produção”, acrescenta.
A princípio, a operação não traria grande impacto para a Vale, pois o interesse maior da BHP é o cobre, avalia Botelho. “Mas pode influir na associação da Anglo American com a mineradora brasileira no projeto de minério de ferro Minas-Rio. Ele será mantido?”, questiona. No início deste ano, a Vale comprou 15% do Minas-Rio ao incorporar suas reservas de ferro na Serra da Serpentina mais pagamento de US$ 157,5 milhões (R$ 796 milhões pela cotação desta terça-feira, 7). Com a exploração dessas reservas, a Anglo Brasil tem potencial de mais que dobrar de tamanho, indo a 60 milhões de minério de ferro, ou até mais, antes do final da década.
Vale e BHP já são sócias na Samarco, produtora de pelotas de ferro que vem retomando as atividades gradualmente após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015. Outra pergunta é se a BHP vai continuar com os 50% de Samarco, pois havia especulações de que iria sair da sociedade no dia que o caso Mariana estivesse completamente resolvido. A empresa nega essa intenção.
Logo após o anúncio da BHP, o CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo, disse em conferência com investidores sobre o balanço do primeiro trimestre, que a empresa não vê impacto no acordo referente ao projeto Minas-Rio. “Estamos muito mais interessados em acelerar e executar nossos projetos”, afirmou.
Momento de consolidações
Para o analista do Itaú BBA, o minério de ferro do Minas-Rio é de altíssima qualidade, sendo muito importante no processo de descarbonização da indústria do aço. “Quanto maior o teor (de ferro) que é usado, menos CO2 é emitido no processo de produção do aço”, afirma Sasson. A Anglo produz um pellet-feed (minério superfino) com teor metálico acima de 66%. Certamente esse ponto foi muito bem considerado pelos executivos da BHP. “Seria uma surpresa se esse ativo não fosse considerado no negócio”, comenta Botelho.
Para o executivo, a Vale também pode se tornar alvo de movimentos similares. Segundo ele, a mineradora brasileira atualmente tem valor de mercado de US$ 50 bilhões, mas deveria ser o dobro. A ação está muito descontada, enfatiza. Apenas no primeiro trimestre, segundo levantamento do site especializado Mining.com envolvendo 50 empresas do setor, a brasileira teve a maior perda de valor: 24,5%.
”Se a base (da Vale) não fosse o Brasil, com seus problemas locais e as interferências de governo na empresa, certamente ela estaria pronta para ser comprada”. Atualmente, perto de 80% do capital societário da empresa está diluído entre investidores estrangeiros e locais. Em 2020, a companhia se tornou uma “corporation” (empresa sem controle definido). Os acionistas de referência (Bradesco, Previ, Mitsui e Cosan) passaram a deter cerca de 20% das ações, o que é insuficiente para impedir uma oferta não solicitada.
O ex-diretor executivo de ferrosos da Vale, até 2014, e sócio-diretor da Neelix Consulting Mining & Metals, José Carlos Martins, afirma que o momento é propício para consolidações (de ativos). Em sua visão, crescimento orgânico envolve muitos riscos, sendo, assim, preferível comprar empresas e ativos já operando. “Outro ponto favorável é quando se pode usar as próprias ações na aquisição, como é essa operação - empresas melhor valorizadas versus outras menos valorizadas, caso de BHP e Anglo. A existência de grandes empresas desvalorizadas representam incentivos adicionais a consolidação”.
”Acredito que o movimento vai crescer, empurrado pela transição energética e pelas dificuldades de abrir minas novas”, afirma o consultor, observando que a Anglo está em uma encruzilhada, tendo de desatar o nó da África do Sul: crescer fora para diluir o componente sul-africano na empresa. “Crescer em cobre (Chile e Peru) e no minério de ferro no Brasil estava na estratégia da companhia, mas a implementação foi lenta. E, então, as ‘hienas’ chegaram antes”, comenta Martins.
Para um especialista que preferiu não se identificar, o projeto de minério de ferro Simandou - mina gigante em desenvolvimento na Guiné, que prevê entrar em operação até o final de 2025 - é uma ameaça maior à Vale do que a operação lançada pela BHP sobre a concorrente anglo-sul-africana. Empreendimento que conta com a australiana Rio Tinto e grupos chineses, Simandou adicionará capacidade de minério de alta qualidade ao mercado - quase 200 milhões de toneladas quando estiver no auge em menos de uma década. Será a “nova Carajás”. Na avaliação desse especialista, por sua vez, a fusão BHP-Anglo poderia gerar mais disciplina do mercado de minério de ferro.
Outros players dessa indústria tenderão a se movimentar, diz Charles Putz, especialista e membro do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF-SP). Ele aponta que a complexidade da Anglo American, com os desafios na África do Sul, levou a BHP a focar no ‘filé mignon’ (cobre, no Chile e Peru, e minério de ferro no Brasil), excluindo as operações sul-africanas. “Mas, se uma transação assim se mostrar viável, fazendo o ‘carve out’ (extração de valor) e retendo apenas os ativos de maior interesse, poderia atrair outras grandes mineradoras e investidores”. O executivo cita Rio Tinto e Glencore como candidatas naturais, além da americana Freeport-McMoRan, que disputa a posição de maior produtora de cobre do mundo, Teck Resources e da própria Vale e fundos soberanos.
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A Vale, desde o ano passado, estrutura a Vale Base Metals, com foco em metais de base - cobre e níquel. A VBM poderia olhar oportunidades nesses dois metais e outros da transição energética. Há poucos dias, foi aprovada a venda de 10% do capital da VBM para a Manara Minerals, joint venture entre a Ma’aden e um fundo da Arábia Saudita, por US$ 2,5 bilhões (R$ 12 bilhões).
Após as vendas estratégicas de fatias societárias da VBM, a Vale vislumbrava uma oferta inicial de ações (IPO, em inglês) da subsidiária. Com os projetos atuais que opera no Brasil, Canadá e Indonésia, a mineradora de metais de base visa alcançar produção de 900 mil toneladas de cobre e 300 mil de níquel até o final da década, se posicionando com escala de produção para a transição energética, destaca a direção da VBM.
Vistas como base das economias, as matérias-primas minerais são considerada “críticas”, por incertezas em seus mercados, ou “estratégicas”, em face a políticas internas de cada país detentor, ou não, de reservas. O nióbio é visto como estratégico pelo Brasil,. mas crítico por muitos países que não detém a produção e tecnologia . Há diferentes políticas adotadas na China, Estados Unidos e União Europeia, os maiores consumidores do mundo, aponta estudo, de 2022, de pesquisadores do Ipea.
A relevância obtida por esses minerais e metais no mundo se deve, em grande parte, ao seus usos na fabricação de produtos inovadores, como aparelhos celulares, turbinas eólicas, painéis solares, carros elétricos e monitores de tela plana. E, principalmente, pelo papel que desempenham na transição para uma economia de baixo carbono.
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