A queda na taxa de juro do crédito imobiliário - tão aguardada após o começo do ciclo de redução da Selic no ano passado - ainda está distante de se tornar realidade, segundo analistas e instituições consultados. Pelo contrário: há fatores que até pressionam os bancos a elevar os juros no curto prazo em razão da demanda aquecida por crédito e da escassez de fontes mais baratas para novos empréstimos.
O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Sandro Gamba, disse que não vê brechas para cortes nas taxas. “Com as informações que temos neste momento, a taxa de juros não tende a ser alterada”, afirmou. Questionado se acredita em movimentos de alta, Gamba disse apenas que “é preciso monitorar o mercado”.
O juro médio do crédito imobiliário para pessoas físicas com taxas de mercado está na faixa de 11,6%, segundo dados do Banco Central (BC). O patamar de dois dígitos é considerado uma barreira para a compra da casa própria, pois aumenta bastante o valor das parcelas.
Na visão do presidente da Abecip, o mercado tem se mostrado resiliente. Os financiamentos atingiram R$ 255 bilhões em 2021, R$ 241 bilhões em 2022 e R$ 251 bilhões em 2023 - os três maiores volumes da história. Para 2024 é esperado um novo recorde histórico de R$ 259 bilhões, segundo a Abecip. “O mercado continua performando de forma positiva mesmo em um ambiente de juros altos”, ressaltou Gamba.
Já na visão do diretor sênior de crédito na Fitch Ratings, Cláudio Gallina, as instituições financeiras podem ser levadas a subir os juros em breve, devido à elevação das curvas futuras de juros em função de fatores macroeconômicos, como inflação nos Estados Unidos, tensão no Oriente Médio até postergação do superávit fiscal no Brasil.
“Vemos um tom altista para o crédito em geral. E aquela expectativa de redução vista antes começa a se dissipar”, observou Gallina. “Se continuar assim, os bancos podem rever as taxas.” Além disso, nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, reduziu o ritmo de queda da Selic de 0,5% para 0,25%. Agora a taxa Selic está em 10,5% ao ano.
Dentro do setor imobiliário, o que gera pressão de alta sobre as taxas é a estrutura do funding. Na média, 27% de recursos dos financiamentos imobiliários em 2023 tiveram origem fora das cadernetas de poupança, o que implica em um custo maior para as transações, de acordo com relatório do Bradesco BBI feito pelos analistas Bruno Mendonça, Gustavo Schroden, Pedro Lobato e Eric Ito. “Vemos essa sobrealocação próxima dos níveis de 2015 quando chegou a 28% e tivemos a pior seca de financiamentos da história”, escreveram.
Vale lembrar que funciona assim: as regras do Banco Central determinam que 65% dos depósitos das cadernetas sejam destinados ao crédito imobiliário. A regulação visa tornar o financiamento mais barato, já que a poupança gera um custo baixo para o banco, na ordem de TR + 6%. Os bancos podem emprestar mais do que têm nas cadernetas, mas precisam buscar recursos em outras fontes, cujo custo é maior. São os casos de letras de crédito ou certificados de recebíveis, geralmente atrelados ao CDI. Em 2023 o CDI foi de 13% (mais que o dobro da caderneta). Para 2024, deve ficar um pouco abaixo de 10%, ainda um patamar alto.
Apesar disso, o cenário não aponta para uma falta de crédito, afirmaram os analistas do Bradesco BBI. As principais consequências tendem a ser pressão de baixa no volume de novos empréstimos e pouca probabilidade de corte nas taxas de juros no curto prazo.
Consumidor vai encontrar juro alto após entrega das chaves
Essa situação mais apertada para o crédito imobiliário tem um porém: vai coincidir com um ciclo de recordes de entregas de chaves de empreendimentos residenciais lançados nos idos de 2020, 2021 e 2022, quando as incorporadoras abriram centenas de novos estandes para aproveitar o momento em que os juros estavam baixos no País. Agora os apartamentos estão ficando prontos e o consumidor precisa bater na porta dos bancos para tomar o financiamento e quitar a dívida com a incorporadora.
Em outro relatório aprofundado, o analista do Citi, André Mazini, estimou que a demanda por financiamento para imóveis novos vai subir de R$ 68 bilhões em 2023 para R$ 150 bilhões em 2024 e bater em R$ 220 bilhões em 2025. Para os bancos darem conta dessa demanda, terão que encontrar fontes adicionais de recursos para abastecer os empréstimos na ordem de R$ 110 bilhões neste ano e R$ 175 bilhões no ano que vem.
“O resumo da ópera é ver crédito caro por mais tempo. Tem muita demanda e pouca oferta”, alertou Mazini. Na visão do analista do Citi, o cenário sugere alguma possibilidade de distrato. Outra solução seria a própria incorporadora financiar o cliente por conta própria ou dar algum desconto para concluir a operação.
Já na visão de Priscilla Basso, coordenadora de crédito da consultoria MelhorTaxa, a expectativa é que a taxa de juro fique estável ou até mesmo caia em meados do segundo semestre. E a razão para isso é justamente é esse ‘mini boom’ de entregas de empreendimentos.
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“Boa parte desses residenciais foram financiados pelos próprios bancos. As entregas vão acontecer de qualquer maneira depois do fim da obra e vai surgir uma pressão para os repasses. Se não tiver o financiamento ao cliente, a construtora não vai conseguir pagar o banco”, apontou. “Não é negócio para o banco. Já vimos ondas de distrato no passado e não foi bom negócio para ninguém”, disse Basso.
A Abecip estima que os financiamentos imobiliários baterão um recorde de R$ 259 bilhões neste ano, mas com a salvação da pátria vindo dos recursos do FGTS, que devem somar R$ 106 bilhões. Em 2023, a Caixa Econômica Federal, que opera as linhas financiadas pelo Fundo praticamente sozinha, direcionou a elas clientes que poderiam ser enquadrados na poupança, diante da escassez das cadernetas.
No entanto, a estratégia tem limites: o pró-cotista, principal linha do FGTS, tem limite de renda familiar mensal de até R$ 9 mil, o que exclui boa parte do público de média renda.
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