Os governos europeus estão tratando o problema da dívida da Itália como resultado de uma cultura política disfuncional. O coro de Bruxelas e Frankfurt é o de que são necessários tecnocratas frios, armados com dinheiro e conselhos dos outros países da zona do euro, para introduzir reformas consideradas essenciais num sistema econômico tacanho. Mas uma olhada mais cuidadosa nos números revela que a pesada carga da dívida italiana não é resultado de um comportamento desregrado recente por parte do governo, especialmente em comparação com outros países ao redor do mundo. Em vez disso, ela é, em grande parte, consequência de políticas introduzidas há mais de 30 anos para preparar o caminho para o euro. Em 1979, os países europeus criaram o Sistema Monetário Europeu (SME), precursor da zona do euro. O SME exigia que os países participantes mantivessem suas moedas dentro de uma faixa determinada de oscilação umas em relação às outras, com o objetivo de limitar a volatilidade e, talvez um dia, adotar uma moeda única. Isso quer dizer que a Itália, com uma das mais altas taxas de inflação entre os países desenvolvidos, precisava de taxas de juro muito altas para evitar que a lira caísse muito frente ao marco alemão. Em 1981, o Banco da Itália elevou sua taxa de redesconto para o pico de 19%, e a manteve acima de 10% até 1993. Isso teve um impacto dramático nas finanças públicas da Itália. A taxa de retorno dos bônus de 10 anos do Tesouro italiano chegaram a superar os 20% em 1982 e a média entre 1980 e 1993 foi de 14%, muito acima da inflação. Isso mostra que a Itália pagou juros acima de 7% antes, e sobreviveu; o temor dos investidores hoje é de que os juros provavelmente não vão estacionar nos níveis atuais, podendo continuar a subir. A dívida pública explodiu naquele período, subindo de menos de 60% do PIB em 1980 para cerca de 120% do PIB em 1994, nível muito próximo do atual. Os pagamentos de juros cresceram de menos de 4% do PIB para cerca de 12% do PIB no mesmo período. Economistas apontam para outra reforma, adotada em 1981, que anteciparia a política monetária da zona do euro: o Banco da Itália foi obrigado a "se divorciar" do Tesouro italiano e deixou de ser obrigado a comprar bônus que sobrassem dos leilões de dívida da Itália. "A independência do Banco da Itália, que começou com o divórcio, foi a origem da grande carga da dívida pública", diz o economista Fabio Padovano, da Universidade de Roma. Quando a inflação italiana superou os 20%, no fim dos anos 1970 e no começo dos anos 1980, era compreensível que o Banco da Itália quisesse manter as taxas de juro muito altas. Mas, mesmo depois de a inflação cair a menos de 6,5%, em 1986, e manter-se ali, o Banco da Itália manteve sua taxa de redesconto elevada. Ela estava em 15% em 1992, apesar de a inflação média ter ficado em 5%. Os juros reais (medido pela diferença entre a taxa de juros e a inflação) estavam fortemente positivos muito depois de a inflação deixar de ser um problema importante - o que significa que a carga real da dívida na economia elevou-se bastante. O desejo de limitar a desvalorização da lira dentro do SME pesou muito nas decisões dos formuladores de políticas da Itália, embora o Banco da Itália tivesse de aceitar várias instâncias de desvalorização da lira desde início do SME. E, nos anos 1980, a inflação forte não era uma memória distante. "As pessoas estavam assustadas, A Itália tinha um histórico de taxas de juro reais negativas", disse Padovano. Como o Banco da Itália já não era obrigado a comprar dívida nos leilões de bônus do Tesouro, "as taxas de juro precisavam ser mantidas muito altas, para encorajar as pessoas a comprarem bônus. Assim como o BCE, o Banco da Itália tinha que estabelecer uma reputação de instituição independente", acrescentou o economista. Isso não quer dizer que os problemas da dívida italiana não têm qualquer relação com Orçamentos frouxos e políticos imprevidentes. Em 1975, o déficit orçamentário do governo saltou para cerca de 12%; o déficit primário, que exclui os pagamentos de juros, era de mais de 7%. Mas desde então, o controle da Itália sobre suas finanças melhorou gradualmente. Os números mostram o início de uma tendência preocupante: os pagamentos de juros começaram a representar uma parcela cada vez maior do déficit. Em 1985, o déficit orçamentário do governo italiano era de 12% do PIB, mas o déficit primário era de menos de 5% do PIB. Os déficits primários da Itália continuariam a cair, até que o governo começou a ter superávits, em 1992. Esses superávits primários se mantiveram até a crise, em 2009. O dano causado pelos juros elevados se estende para além do impacto na dívida italiana. Altas taxas de juro também prejudicaram o crescimento. A Itália teve uma das taxas de crescimento mais altas do mundo no pós-guerra, com expansão média de 5,5% entre 1950 e 1973; entre 1980 e 1993, porém, a taxa média de crescimento foi de apenas 2,1%. Desde 1995, quando a lira foi desvalorizada pela última vez, o crescimento da Itália vem sendo, de longe, o mais baixo entre os principais países da Europa. Sem crescimento econômico, torna-se mais difícil livrar-se da carga da dívida. Os dirigentes do Banco da Itália não tinham uma escolha fácil em meados os anos 1980, depois de terem derrotado a inflação. Se reduzissem as taxas de juros, eles arriscariam fazer a inflação ressurgir e provocar uma nova desvalorização da moeda, potencialmente destrutiva. Por isso, assim como o Federal Reserve norte-americano, o Banco da Itália precisou elevar suas taxas de juro fortemente nos anos 1970 e no começo da década de 1980, para eliminar a inflação do sistema. Agora, o país está tendo de lidar com a carga das políticas econômicas que armaram o cenário para o euro; olhando em retrospectiva, essas políticas podem ter mantido os juros altos demais por tempo demais.
As informações são da Dow Jones. (Renato Martins)
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