Na aquisição da InterCement, negócio estimado em ao menos R$ 10 bilhões, a cimenteira argentina Loma Negra é uma joia que Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fez questão de ter desde o anúncio de venda pelo grupo Mover. Isso ficou mais evidente na proposta de compra que apresentou, que considerou os ativos no Brasil e na Argentina. Porém, a CSN poderá ter de desembolsar mais dinheiro do que o previsto na transação.
O motivo é a cimenteira argentina Loma Negra, listada nas bolsas de ações de Nova York (Nyse) e de Buenos Aires (BYMA). A aquisição pela CSN vai resultar numa troca indireta de acionista controlador, o que forçará a uma proposta de compra dos papéis dos acionistas minoritários, apurou o Estadão com pessoas próximas das negociações. Na Nyse e na bolsa portenha, cerca de 50 investidores financeiros e institucionais detêm 47,86% dos papéis da companhia. Procurada para se posicionar sobre o assunto, a CSN não retornou ao pedido da reportagem.
A InterCement Participações, que tem 52,14% do capital, sairá do controle da Loma Negra, dando lugar à CSN ou a uma de suas empresas. Com base no preço médio das ações da Loma Negra no período de seis meses anteriores à data de fechamento do negócio, a CSN teria de desembolsar ao minoritários — se a operação tivesse sido concluída nesta sexta-feira, 8 — US$ 453,3 milhões, o equivalente a R$ 2,584 bilhões pelo câmbio atual, segundo cálculos de especialistas do mercado financeiro.
As regras do mercado de capitais da Argentina têm uma diferença quando se trata de controle indireto, explicou ao Estadão uma pessoa com conhecimento da legislação argentina. A operação, no caso, por ser mudança indireta de acionista controlador, considera a média de preço das ações dos seis meses anteriores. É diferente de uma aquisição direta de controle, que exigiria uma oferta pública de compra de ações (OPA), pagando ao minoritário o mesmo valor dado ao controlador.
A oferta a ser feita explica a grande valorização das ações da Loma Negra em Nova York nos últimos três meses. De 5 de agosto até 8 de novembro, o preço do papel registrou alta de 69,2% — de US$ 6,11 para US$ 10,34. O valor de mercado da cimenteira alcançou a cifra de US$ 1,42 bilhão, o equivalente a R$ 8,1 bilhões. A fatia dos minoritários corresponde a US$ 679,6 milhões (quase R$ 4 bilhões) pelo preço de fechamento do pregão na sexta-feira, 8.
O valor médio do papel em seis meses, de 5 de maio a 8 de novembro, foi de US$ 6,90 (ou 66,7% do valor atual da ação), o que resultaria nos quase R$ 2,6 bilhões a serem pagos. No entanto, alguns fatores devem ser considerados, dizem pessoas ligadas aos advisers (profissionais que acompanham todas as etapas de uma fusão ou aquisição) da operação. Por exemplo: esse valor corresponde a uma adesão total dos detentores de ações da Loma Negra nas duas bolsas — cerca de 74% na Nyse e 26% na BYMA.
Outro ponto indicado é que na bolsa portenha quase a maioria dos papéis está em poder de fundos de previdência privada, cujo sistema é similar ao de um fundo de investimento tradicional, mas com o foco no longo prazo. A oferta poderá, ainda, ser feita na moeda argentina (desvalorizada frente ao dólar), segundo a legislação local, ou numa operação mista, em peso e em dólar. Isso poderia reduzir o desembolso da CSN.
Há ainda a avaliação de que, com a mudança de controlador, grande parte dos investidores queira permanecer na empresa. E até apostando em uma recuperação da economia e do mercado de cimento do país. Por outro lado, a conclusão do negócio, incluindo todo processo da recuperação extrajudicial, pode se alongar muitos meses além de 15 de janeiro de 2025. Até lá, o valor das ações podem sofrer oscilações, com recuos ou com altas, como ocorre desde agosto.
Como estão as negociações
As negociações entre CSN, a Mover (antiga Camargo Corrêa) e credores (bancos e bondholders) começaram em 1º de maio e não têm data previsível para conclusão, pois há pontos relevantes a serem acertados entre as partes. Na compra, a CSN está assumindo dívidas que somam mais de R$ 9 bilhões apenas de debêntures emitidas com Bradesco, Itaú e Banco do Brasil e um título estrangeiro. Essa dívida, já vencida desde julho, é objeto de renegociação de custos e prazos para pagar em até sete anos. A esse valor se soma a dívida da Loma Negra, que é de quase R$ 1 bilhão.
Há dois meses, a InterCement aprovou um processo de recuperação extrajudicial com parte de seus credores, garantindo proteção contra credores na Justiça ate´16 de janeiro. Também foram definidas na ação garantias de R$ 4 bilhões à CSN, por parte da Mover e de credores da cimenteira para contingências fiscais, tributárias e de outros tipos da InterCement e de sua controlada ICB.
Com alavancagem financeira em alta neste ano, indo a 3,36 vezes no fim de junho, a CSN reforçou sua estrutura de capital com a venda de 11% de ações da sua mineradora de ferro (CMIN) para a japonesa Itochu em outubro por R$ 4,4 bilhões. A venda faz parte da intenção de trazer a alavancagem a 2,5 vezes no final de 2024. O balanço do terceiro trimestre tem divulgação marcada para esta terça-feira, 12, à noite. Há expectativa de investidores de CSN e da mineradora sobre os indicadores financeiros e o novo perfil da dívida do grupo.
Ativos são estratégicos nos planos da CSN
A compra da Loma Negra significará para a CSN seu primeiro passo de internacionalização no setor cimenteiro, no qual começou a atuar em 2009 com uma moagem em Volta Redonda (RJ). O grande salto de crescimento se deu em 2021 e 2022 comas aquisições das cimenteiras Elizabeth e LafargeHolcim. Esses movimentos, com desembolso de pouco mais de US$ 1,2 bilhão, levaram a CSN para a vice-liderança de mercado no Brasil, com quase 22% das vendas.
Com a unidade brasileira (ICB) da InterCement, a CSN tem grande chance de se tornar a maior produtora de cimento no Brasil, passando a Votorantim. A empresa ganha capilaridade de atuação no País, embora o órgão antitruste brasileiro possa impor alguns remédios para aprovar o negócio, como venda de fábricas. De qualquer forma, é um grande passo para ser líder, ambição revelada por Steinbruch.
A cimenteira argentina, fundada pelo empresário Alfredo Fortabat em 1926 com o nome de Loma Negra Cia. Industrial Argentina S.A., foi adquirida pela Camargo Corrêa Cimentos em 2005 por US$ 1 bilhão. Foi a primeira iniciativa no exterior do grupo empresarial fundado por Sebastião Camargo. Cinco anos depois disputou, inclusive com a CSN, o processo de venda da portuguesa Cimpor. Saiu-se vitorioso e marcou posições em Portugal, Espanha e África.
Com resultados afetados pela crise econômica do Brasil a partir de 2015 e por dívidas em euros, em 2017 a InterCement decidiu vender 48,4% da Loma Negra nas bolsas de Nova York e Buenos Aires, num processo de abertura de capital. Levantou US$ 1,1 bilhão com investidores internacionais e argentinos. O dinheiro foi usado para quitar boa parte do endividamento com bancos, que somavam quase 3 bilhões de euros.
Por que o interesse pela cimenteira argentina
Por ser uma empresa bem estruturada dentro do país e que domina quase 50% do mercado de cimento da Argentina, a Loma Negra é um ativo bastante desejado por cimenteiras da América do Sul, apesar da situação crítica que vive a economia do país. Não à toa encheu os olhos de Steinbruch. Tanto que o empresário pegou seu avião, durante as negociações, e voou por duas vezes, desde em uma de suas fazendas no Uruguai, até o país vizinho para visitar fábricas da cimenteira.
Conheceu principalmente L’Amalí, que fica na província de Buenos Aires e é a maior e a mais moderna de todas as unidades fabris. A fábrica responde por metade da capacidade total da empresa, com 6 milhões de toneladas, e fica na região de maior consumo de cimentos. No final de 2021 foi concluído investimento de US$ 350 milhões da InterCement na expansão de 40% da capacidade de L’Amalí.
O nome Loma Negra é uma marca tão forte no país que se tornou sinônimo de cimento. São sete fábricas e uma grande misturadora e distribuidora do produto, além de negócios de concreto, agregados e outros produtos e de uma ferrovia de 3,1 mil km. A capacidade total de produção soma 12 milhões de toneladas ao ano. A empresa concorre com Holcim, Avellaneda (sociedade com a Votorantim, com 49%) e PCR (que tem a marca Comodoro).
A cimenteira é considerada saudável financeiramente. Conforme balanço do terceiro trimestre, divulgado na quinta-feira,7, a dívida líquida era de US$ 177 milhões (R$ 975 milhões) no fim de setembro. A alavancagem financeira ficou em 1,03 vez na relação com a geração operacional (Ebitda). Isso, apesar de estar operando com 50% da sua capacidade neste ano devido a forte retração da demanda no país nos últimos 12 meses.
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De julho a setembro, a companhia amargou recuo de vendas de cimento, concreto e outros materiais entre 17,1% e 28,7% na comparação com o mesmo trimestre de 2023. A receita líquida registrou recuo de 21,2% em pesos e correspondeu, em dólar, a US$ 185 milhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização ajustado teve queda de 18,5%, para US$ 55 milhões, e margem de 24%. A cimenteira lucrou US$ 26,9 milhões.
O preço do cimento na Argentina é outro ponto favorável: a tonelada é vendida entre US$ 100 (R$ 570) e US$ 120 (R$ 684). No Brasil, está em torno de US$ 70. Em base anual, até meados de 2023, a Loma Negra registrava receita líquida na casa de US$ 800 milhões, com geração operacional (Ebitda) de caixa próxima de US$ 250 milhões.
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