‘Não adianta mudar a tecnologia se continuarmos trabalhando do jeito antigo’, diz diretor do Itaú

Depois da transformação digital, com o lançamento do superapp, as energias agora se concentram na cultura interna do banco, que completa 100 anos neste mês

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Foto do author Matheus Piovesana
Atualização:

Durante 13 anos, Sergio Fajerman pilotou Boeings e McDonnell Douglas da Varig na ponte aérea Rio-São Paulo. A formação em economia o levou a outros ares e hoje, como diretor de Pessoas, Marketing e Comunicação Corporativa do Itaú Unibanco, ele vive mais uma decolagem: a da nova cultura interna do banco, que chega aos 100 anos neste mês após uma transformação digital, uma troca de comando e mudanças na concorrência no setor.

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Frases como “a gente não sabe de tudo”, “a gente quer diversidade e inclusão” e “a gente vai de turma”, ouvidas com frequência em eventos do banco, são parte do novo desenho, com tópicos sobre ética, foco no cliente e nos resultados. Foram incluídos no rol em uma revisão iniciada em 2021, e os cerca de 96 mil funcionários deverão estar familiarizados até o próximo ano.

As mudanças são uma tentativa do Itaú de comunicar, para dentro e para fora, a necessidade de menos hierarquia, maior abertura a inovações e alguma tolerância a erro, necessária quando o objetivo é testar novos caminhos. Também dialogam com a maior velocidade de mudança no setor, com outras exigências vindas dos clientes.

“Quem determina as mudanças não são a cultura ou a estrutura, mas o consumidor”, diz Fajerman. A migração do cliente para os celulares fez os bancos serem comparados aos demais ícones da tela pequena. “Houve uma enorme transformação das necessidades dos nossos clientes, que passaram a consumir Netflix, Amazon, Uber, iFood, e queriam simplicidade, velocidade, eficiência e conforto.”

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Sergio Fajerman, diretor de Pessoas, Marketing e Comunicação Corporativa do Itaú Unibanco Foto: Itaú/Divulgação

A primeira etapa foi a modernização técnica, e daí vêm mudanças como a do “superapp”. Mas equipamentos precisam de humanos para cumprir sua função, e ficou claro que era necessário mudar a forma de pensar. “Não adianta termos uma tecnologia que permite tecnicamente atender às necessidades do cliente se continuamos trabalhando do jeito antigo”, afirma o diretor.

O professor do curso de Administração de Empresas da ESPM, Victor Martinez, afirma que a cultura interna é o que coloca toda a empresa na mesma direção. “A cultura é a cola social. Quando uma pessoa não se alinha à cultura, sabota a empresa, sai ou tem baixo desempenho”, diz ele.

No Itaú, neste ano, 11,5 mil pessoas de patamares médios de gestão estão sendo treinadas sob os novos princípios, transmitidos à alta administração em 2022 e 2023. Até o ano que vem, a ideia é chegar a todos os funcionários - o que não significa o fim do trabalho.

“A cultura é a ponte entre a estratégia e a execução”, afirma a líder regional de Cultura e Desenvolvimento da Korn Ferry América do Sul, Adriana Rosa. Mudanças tecnológicas e de mercado, como aquelas pelas quais os bancos passam, tornam as mudanças um imperativo. Daí porque, do Itaú à Microsoft, as empresas “admitem” que não sabem tudo. “Em um processo de mudança, é mais importante aprendermos do que aquilo que sabemos.”

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Começo

A “decolagem” de agora não é a primeira. Em 2010, dois anos após o anúncio da fusão entre Itaú e Unibanco, a área de Pessoas ouviu os funcionários dos dois bancos para entender quais pontos das culturas internas deveriam ser mantidos. Dos dez mais mencionados pelos grupos, nove eram similares.

“Havia uma convergência grande, e a escrita da nova cultura foi favorecida por isso e pela importância que o Pedro (Moreira Salles) e o Roberto (Setubal) deram para a questão”, diz Fajerman, que participou do processo. Os dois então presidentes dos bancos costumam colocar o alinhamento de ponteiros no mesmo patamar dos fatores financeiros ao falar sobre como a fusão foi decidida.

A operação sempre foi tratada como uma união entre iguais, mesmo com as diferenças de tamanho e negócios. Isso se refletiu na formação de equipes, no nome do banco e em detalhes como as marcas: o Uniclass, de média renda, é herança do Unibanco, enquanto o Personnalité, de alta renda, veio do Itaú.

“Quando uma empresa compra a outra, vai querer implementar seus valores”, diz Martinez, da ESPM, em um exemplo que vai em sentido distinto. De acordo com ele, mudanças de cultura após fusões ou aquisições são inevitáveis. A saída para evitar traumas é planejá-las, e aceitar que nem todos se adaptarão.

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Adriana, da Korn Ferry, afirma que pesquisas apontam que após fusões, é preciso redesenhar a cultura para que os propósitos das operações, inclusive financeiros, sejam cumpridos. “As empresas precisam determinar juntas de que cultura precisam.”

Embora pareça secundária, a cultura pode ser decisiva após fusões e aquisições. No mundo da aviação, não faltam vozes a apontar que uma das causas da crise hoje enfrentada pela Boeing foi o predomínio das ideias da McDonnell Douglas, absorvida pela fabricante em 1997, na empresa resultante, muito embora a companhia adquirida fosse bem menor que a compradora.

Os princípios estabelecidos no Itaú em 2010 foram simplificados em 2015. A mudança de 2021, mais profunda, aconteceu durante a pandemia da covid-19, que levou boa parte dos funcionários do banco para o trabalho remoto, e em meio à passagem de bastão entre Candido Bracher e Milton Maluhy, que assumiu no começo daquele ano com a missão de acelerar mudanças.

Itaú e Unibanco vinham eles próprios de uma longa consolidação do setor, intensificada após o Plano Real. Os capítulos mais recentes incluem a saída de grandes bancos internacionais do varejo bancário brasileiro, de que o Itaú Unibanco participou ao comprar a carteira de varejo do Citi Brasil.

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