Os empresários Eike Batista e Mário Garnero, dois dos nomes mais conhecidos - e polêmicos - do mundo dos negócios nas últimas décadas, estão se unindo para uma empreitada conjunta. Fundadores, respectivamente, do grupo EBX e da Brasilinvest, empresa de investimentos e de representação de negócios internacionais, eles assinaram compromisso para a realização de projetos em três frentes, ligadas a logística, infraestrutura e agronegócio.
A parceria entre Eike e Garnero chama atenção por reunir dois dos empresários que, no passado, estiveram entre os mais proeminentes do cenário empresarial brasileiro, com forte atuação entre as décadas de 1970 e o início de 2010. Ambos construíram carreiras com projeção internacional e marcaram presença significativa no mundo dos negócios, mas também enfrentaram dificuldades e polêmicas, tanto empresariais quanto judiciais - incluindo condenações judiciais e prisões no meio do caminho (no caso de Garnero, uma condenação por fraude financeira, depois anulada pelo STF; no de Eike, uma prisão por suposto envolvimento em crimes investigados na Operação Lava Jato).
O memorando foi assinado na terça-feira, 27 de agosto, durante almoço em São Paulo do grupo de empresários Protagonistas do Brasil, realizado com o clube Master Mind & Fórum das Américas, que tem Álvaro Garnero, filho de Mário, entre os sócios. A parceria envolve a entrada de investidores, nacionais e estrangeiros, que vão financiar os projetos. Os nomes, no entanto, ainda não foram integralmente divulgados.
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Após a assinatura do acordo, Eike e Mário Garnero conversaram com o Estadão para explicar os projetos. Dois deles têm relação com o Porto do Açu, localizado no norte do Estado do Rio de Janeiro. Envolvem o desenvolvimento de um terminal com tanques para petróleo e grãos, além do desenvolvimento de uma “cidade inteligente” nos arredores. Idealizado por Eike, o porto foi vendido em 2013 com a LLX (empresa que administrava o empreendimento) para o grupo americano EIG. Posteriormente, essa empresa se uniu ao fundo soberano Mubadala Investment Company, dos Emirados Árabes Unidos, e deu origem à atual Prumo Logística, que administra o terminal.
O terceiro projeto incluído na parceria envolve o desenvolvimento de uma variedade de cana-de-açúcar com maior densidade de fibras que pode ultrapassar os 5 metros de altura. Esse projeto já havia sido apresentado por Eike aos empresários, duas semanas atrás, em encontro do grupo Lide, de João Doria, no Rio de Janeiro.
Chamada de “cana celulose” ou simplesmente de “supercana”, o projeto traz a promessa de permitir a produção três vezes maior de etanol por hectare ou, pelo menos, sete vezes mais bagaço, matéria-prima que pode ser transformada em plástico vegetal ou papel e celulose, segundo Eike. “A queima da biomassa da cana rende US$ 20 (R$ 111) por tonelada. Se for utilizada para produzir plástico dá US$ 1 mil (R$ 5,57 mil)″, afirma o empresário. “Sem contar que a ‘supercana’ não precisa ser trocada a cada cinco anos, mas a cada dez.”
Segundo Garnero, a parceria teve início quando a Brasilinvest foi procurada por investidores de Dubai interessados em expandir negócios no Brasil. “Uma das áreas de interesse deles é o setor de petróleo, além de investimentos no mercado de lubrificantes. Firmamos um acordo com uma das companhias, da qual somos representantes no Brasil”, explica Garnero, sem revelar o nome da empresa. Ele acrescenta que a identidade da companhia será divulgada em outubro, quando os investidores virão ao País para assinar o contrato referente aos tanques no Porto do Açu.
O investimento para começar o projeto está estimado em R$ 700 milhões. Os tanques podem servir para estocar petróleo importado e deixar armazenado até a sua venda.
A Brasilinvest tem um longo histórico de relacionamento com as famílias reais e empresários dos países árabes. Tem, no seu conselho, a participação do xeque Salman bin Khalifa Al Khalifa, da família regente do Bahrein e ministro das finanças do país. A empresa também firmou um acordo para projetos de energia limpa com a Enertech, controlada pelo fundo soberano do Kuwait, que dedicou ativos de US$ 850 milhões (R$ 4,7 bilhões) para projetos no Brasil e tem acordo com a Eletrobras para financiar até 20 gigawatts (GW) gerados por fontes limpas, segundo Garnero. Além de ter acordo com a casa real de Dubai. Também representa a Enoc (Emirates National Oil Company), petrolífera de Abu Dhabi.
“Temos de criar empregos no Brasil. Procurei um terminal importante onde fazer tancagem de petróleo e caímos no Porto do Açu. Então, busquei o Eike”, diz Garnero, que depois considerou que seria interessante também desenvolver tanques para grãos, para servir ao agronegócio. “Eike é um batalhador danado. Ele sofreu um pouco com a inveja latina, mas ele tem persistência.”
Eike não tem mais participação acionária no Açu. Mas a última das empresas criadas pelo grupo EBX a permanecer nas mãos do empresário, a OSX, formada para a construção naval, ainda opera dentro do porto. Atualmente, ela apenas aluga espaço no local e subloca para outras empresas.
“Mas, como criei o porto e conheço muito bem aquilo tudo, sou procurado para ajudar em projetos na região”, afirma Eike, que diz não ter colocado dinheiro próprio nos novos negócios, até por ter os seus bens bloqueados até hoje. “Sou uma aberração jurídica. Sou uma vítima do Bretas (o juiz Marcelo Bretas, que capitaneou a Operação Lava Jato do Rio de Janeiro), que me colocou na investigação só porque fiz doação para campanha (de Sérgio Cabral). Foi uma sacanagem.” O empresário chegou a ficar 90 dias preso, em 2017, na Cadeia Pública Bandeira Stampa (Bangu 9), no Rio de Janeiro.
Cidade inteligente
Outro projeto dentro da parceria é um sonho antigo de Eike: criar uma cidade inteligente. Ele começou a ser desenvolvido pelo político, urbanista e arquiteto curitibano Jaime Lerner, morto em 2021. E foi atualizado pelo arquiteto francês Henri Michel De Fournier. O objetivo é criar uma cidade, nos moldes de residenciais como o Alphaville, em São Paulo, só que mais moderna e sustentável, para abrigar os cerca de 12 mil trabalhadores que precisam se deslocar diariamente para trabalhar no Porto do Açu.
Mário Garnero pretende assumir o projeto. “O Eike já identificou uma área de 15 milhões de metros para desenvolvimento imobiliário. Como fiz um projeto de 12 milhões de metros em Campinas, esse não fica tão fora da escala”, diz Garnero. “Vamos montar a infraestrutura e fazer em fases. Será um projeto de 15 anos de desenvolvimento. Vai continuar com os filhos”, conta o empresário de 87 anos.
Há ainda uma pendenga envolvendo Eike com o Porto do Açu. A OSX, que entrou neste ano em sua segunda recuperação judicial (RJ), com dívidas de R$ 8 bilhões, passa também por um processo de arbitragem que julga o aluguel que faz do porto. A empresa não estaria pagando pelo uso do espaço desde a primeira recuperação judicial, de 2013. Os donos atuais, da Prumo, cobram, na RJ, os valores dos aluguéis atrasados, avaliados em R$ 400 milhões, e argumentam, na arbitragem, que a OSX deveria devolver o terreno se não tiver um plano de quitação dos encargos.
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Também exigem que, mesmo que esse valor esteja bloqueado pela segunda RJ, os aluguéis posteriores ao pedido de recuperação, que já somariam mais R$ 40 milhões, deveriam estar sendo pagos. Mensalmente, a conta aumenta em torno de R$ 5 milhões por mês. Em junho, a Prumo pediu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a execução da dívida e a penhora de bens de Eike.
Procurada, a Prumo não se manifestou para a reportagem. Informou apenas que não tem conhecimento dos projetos de Eike para o Porto do Açu e que não tem relação com qualquer plano que possa ser feito em torno do local, fora de sua alçada.
Supercana
Em relação ao projeto da supercana, Garnero embarca na empreitada podendo trazer clientes para a variedade. O programa foi iniciado em 2005 pelo executivo Luís Rubio e pelo pesquisador Sizuo Matsuoka, quando ambos trabalhavam na Canavialis, empresa de biotecnologia do grupo Votorantim, vendida em 2009 para a Monsanto.
Com a negociação de venda da empresa, Rubio e Matsuoka precisaram cumprir quarentena e parar de atuar no setor por dois anos, e voltaram em 2011. Hoje eles são sócios da holding BRX, na qual Eike garante não ter participação acionária apesar do X comum em suas empresas.
O envolvimento de Eike com a “supercana” surgiu em 2015, quando passou a atuar como conselheiro da empresa de Rubio e Matsuoka. “A gente tinha um negócio pequeno, e voltado para energia, e o Eike, com a visão dele, trouxe todo o potencial de uso para outros setores”, afirma Luis Rubio.
Na última década, o programa avançou e retrocedeu diversas vezes. Enquanto isso, a dupla foi promovendo 300 mil combinações de espécies por ano. “Tem gente erroneamente dizendo que é geneticamente modificada, mas é um processo convencional desenvolvido pelo americano Norman Borlaug, prêmio Nobel da Paz”, afirma Eike. “Nada que no futuro vai fazer a gente criar rabo.”
Há testes sendo realizados em três fazendas do interior paulista, em Araras, Jaguariúna e Presidente Prudente, e os sócios estão otimistas. “Nesta quarta-feira, uma empresa de papel nos confirmou que as propriedades do bagaço permitem fazer um papel igual ao de base de celulose”, diz Rubio.
Eike também é otimista quanto ao potencial do projeto. Cada módulo de 70 mil hectares exige investimentos de R$ 360 milhões, mas só o etanol traria geração de caixa de R$ 600 milhões. “O Brasil comporta 30 módulos, então, pode passar facilmente dos R$ 10 bilhões em investimentos.”
O empresário ainda acredita que a “supercana” pode substituir as variedades atualmente plantadas no Brasil. “A cada ano, os usineiros replantam 16% das plantações para refazer tudo a cada cinco anos. O País inteiro pode adotar esta variedade nova entre cinco e dez anos”, diz.
Eike usa como exemplo o histórico do seu pai, Eliezer Batista, que foi um dos responsáveis pela introdução do eucalipto no Brasil, criando um setor de grande porte. À frente da então Vale do Rio Doce, ele trouxe, nos anos 1960, eucalipto como fonte de madeira para mover as locomotivas da mineradora e criou em Minas Gerais a produtora de celulose Cenibra, nos 1970, em parceria com a Japan Brazil Paper and Pulp Resources Development (JBP).
Também foi um dos idealizadores da Aracruz, no Espírito Santo, que escolheu a árvore, como uma alternativa melhor que o pinus, para ajudar o Brasil a se tornar uma potência mundial em celulose.
Correções
Uma versão anterior deste texto informava que a "supercana" poderia atingir mais de 50 metros de altura. O correto é mais de 5 metros.
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