Qual o segredo das empresas que conseguem passar dos cem anos?

Estar em um setor mais estável e capacidade de se adaptar às mudanças do mercado são a marca de empresas que vêm conseguindo se perpetuar no Brasil; só na cidade de São Paulo já são 111 empresas ou instituições centenárias

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Atualização:

Recentemente, um show da cantora Madonna levou centenas de milhares de pessoas à praia de Copacabana, no Rio, e foi assunto em todo o Brasil durante dias a fio. Nem todo mundo ligou uma coisa à outra, mas o show fazia parte de uma milionária campanha do Itaú Unibanco, que comemora este ano seu centenário - por conta da fundação do Unibanco, em 1924.

Com isso, o banco se juntou a uma lista que, com o passar dos anos, se torna cada vez maior no Brasil. Apenas na capital paulista, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), já são 111. Na lista está a própria Associação Comercial, fundada em 1894, além de nomes como Gerdau (1901), Hotel Fasano (1902), Klabin (1905), Vigor Alimentos(1905) e Lorenzetti (1923). O Grupo Estado está nesse grupo - faz 150 anos em 2025 (veja aqui a lista completa).

Show da cantora Madonna no Rio fez parte das comemorações do centenário do Itaú Unibanco Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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“São Paulo era o centro da industrialização do País no começo do século passado. É natural que a maioria das empresas centenárias tenha sido fundada na cidade ou no Estado”, diz Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP.

Embora o número venha crescendo, ele é mínimo diante do universo de empresas existentes na cidade. Elas correspondem a 0,008% dos 2,225 milhões de CNPJs ativos na capital.

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A reportagem não conseguiu, porém, um número atualizado de empresas centenárias no Brasil. Há dez anos, a ACSP chegou a fazer um levantamento em que contou 190 companhias com mais de 100 anos no território nacional. Esse número, entretanto, não foi atualizado.

Contexto histórico

No final do século XIX e início do século XX, segundo Paulo Vicente, professor e especialista em gestão de empresas da Fundação Dom Cabral, o Brasil estava se beneficiando da riqueza que o café gerava. Os filhos dos cafeicultores que não queriam ficar no campo, iam para as grandes cidades - como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre - para empreender. “Além disso, muitos imigrantes que vieram da Europa anos antes, na década de 20, já tinham conseguido pagar sua viagem de navio, naquela altura, e juntaram um pé-de-meia para começar um negócio próprio”, conta o professor.

Anos mais tarde, com a Primeira Guerra Mundial estourando em 1914, vários itens que o Brasil importava deixaram de chegar aqui. “Dessa maneira, muita gente viu uma oportunidade de empreender, para suprir essa necessidade que os importados tinham aberto, fabricando os produtos aqui”, explica. Algumas dessas empresas se mantiveram desde então.

Foi no cenário conturbado do pós-Primeira Guerra, com a Rússia tentando dominar o território da Ucrânia, que o ucraniano Leon Feffer chegou ao Brasil, em 1920. Feffer decidiu, em 1924, abrir uma loja de papéis em São Paulo. Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, prejudicando as importações de papel, ele resolveu começar a fazer o produto aqui. A primeira fábrica foi inaugurada em 1941.

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Passado um século, a lojinha é hoje a Suzano - uma multinacional que teve no primeiro trimestre deste ano um lucro líquido de R$ 10,3 bilhões. “Na época, o Leon Feffer vendeu casa e joias para poder abrir a distribuidora de papéis. E o que ia tendo de lucro, ele reinvestia. Essa filosofia a gente leva até hoje: 90% do lucro que a Suzano gera é reinvestido na empresa”, conta Walter Schalka, presidente da Suzano.

Segundo Walter Schalka, a Suzano investe em tecnologias que possam ocupar o lugar do material não biodegradável Foto: Felipe Rau/Estadão

Num mundo em que cada vez mais o papel é substituído pelo plástico, a Suzano aposta no contrário: ela investe em tecnologias que possam ocupar o lugar do material não biodegradável. “Inovação pressupõe risco. Passamos por várias guerras, revoluções e aprendemos essa lição. Por isso, estamos apostando em tirar o mercado do plástico. A preocupação com o clima e o meio ambiente pede isso”, diz o presidente.

Setor de atuação

E o que faz uma companhia chegar a 100 anos? O fator mais preponderante é o setor em que ela atua. “Se é um setor com poucas mudanças, mais estável, isso se torna mais fácil”, diz o professor da FDC. É o caso de empresas de produtos básicos, como a Gerdau, que há 120 anos começou a produzir pregos no Rio Grande do Sul. Hoje é a maior empresa brasileira produtora de aço, uma commodity, com lucro líquido de R$ 2,05 bilhões no primeiro trimestre deste ano.

Para a Suzano, embora papel também seja um produto básico, o mercado mudou muito. Mas papel ainda é uma matéria-prima necessária. Assim como ainda há mercado para o pão. Talvez seja por isso que quase 10% das 111 empresas com mais de um século na cidade de São Paulo sejam padarias, conforme a lista da ACSP.

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Mas, seja uma padaria ou um banco, é fundamental saber se adaptar aos tempos. A Companhia Metalgraphica Paulista (CMP), dona de 25% do mercado de latas de tinta no País, é um exemplo. “Cansei de ver outras fábricas de latas fechando por aí”, diz José Villela de Andrade Neto, presidente da empresa. A companhia surgiu há exatamente 100 anos para embalar manteiga. Naquela época, toda a manteiga era vendida em latas. Hoje, apenas uma marca ou outra vem na embalagem metálica. A maioria é vendida em barras ou potes de plástico.

“Mas, conforme o mercado foi mudando, a gente foi caçando outras áreas para atuar”, conta o empresário. Até os anos 70, o forte da CMP era atender à demanda da indústria de alimentos e de óleos comestíveis. Nos anos 90, porém, surgiu o politereftalato de etileno, o plástico PET, e o mercado da CMP encolheu. Foi aí que ela se adaptou para atender à indústria de tintas, que hoje é 70% do negócio - que em 2023 faturou R$ 450 milhões e pode chegar a meio bilhão este ano.

'Estamos sentindo o mercado aquecido novamente', diz José Villela de Andrade Neto, presidente da CMP Foto: Gladstone Campos/ Divulgação

“Confesso que há dez anos eu estava muito preocupado com o futuro do nosso mercado, principalmente por conta do avanço da embalagem ‘stand up pouch’, aqueles sachês, que foram tirando mercado das latas de ervilha, molhos, milho. Mas a lata não é como os ‘pouchs’. Ela se desintegra na natureza. Por isso estamos sentindo o mercado aquecido novamente, com vários alimentos voltando para a lata”, diz Villela.

Sucessão e fusões

Outro ponto que conta na perpetuação das empresas é saber passar o negócio da família fundadora para uma gestão independente. Mesmo que os familiares permaneçam na empresa, às vezes é importante ter uma gestão descentralizada, segundo especialistas. “A família cresce. No começo são só dois filhos, depois são quatro netos, mais para frente, oito bisnetos, sem contar cunhados, noras, genros. É muita gente e os interesses se dissipam”, diz Ordine, da ACSP. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Suzano, com a abertura de capital, em 1980.

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Outro fator apontado por especialistas é manter a empresa sempre aberta a oportunidades de crescimento e fortalecimento. “Fusões e aquisições também são uma maneira de perpetuar um negócio”, diz Vicente, da FDC. Itaú e Unibanco fizeram esse movimento em 2008, em meio a uma das maiores crises financeiras globais - que teve como ponto mais importante a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos. A fusão deu origem ao maior banco brasileiro.

Segundo Vicente, o número de empresas centenárias deve ter um salto maior dentro de 30 anos, quando se comemorará o centenário dos “50 anos em 5″ do presidente Juscelino Kubitschek. E a próxima leva de candidatas a empresas centenárias pode estar se formando agora, com a industrialização do Centro-Oeste, diz. Segundo ele, da mesma maneira que o café impulsionou a indústria em São Paulo no começo do século 20, a soja e demais culturas estão fazendo o mesmo com Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins neste momento.

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