Lucro cresce, mas receitas de empresas negociadas na B3 caem no 2º trimestre

No segundo trimestre do ano, vendas das grandes companhias recuaram 1,6% e lucro líquido subiu quase 20%; explicação está na queda do dólar, para R$ 4,82 em junho

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:

Apesar de os lucros das empresas de capital aberto terem crescido no segundo trimestre de 2023, as receitas caíram. Levantamento da plataforma de investimentos Trademap, com 295 corporações não financeiras negociadas na B3, mostra que o faturamento desse conjunto de empresas caiu 1,6% entre abril e junho comparado a 2022. A receita recuou de R$ 734 bilhões para R$ 722 bilhões por uma série de fatores, como recuo de preços das commodities e inverno menos rigoroso.

A amostra desconsidera os balanços de Petrobras, Vale e Marfrig para não distorcer os resultados. O valor agregado indica que foi um período mais difícil para os negócios, afetado pela alta taxa de juros. Por outro lado, o lucro líquido subiu 19,5% em relação a 2022, para R$ 34,2 bilhões.

SP - BOLSA/SP - ECONOMIA - Números do mercado financeiro são vistos no painel da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, no centro da capital paulista, na manhã desta segunda-feira, 28. As ações da mineradora Vale caíram mais de 18% no primeiro pregão realizado após o rompimento de uma barragem da companhia na cidade de Brumadinho (MG), ocorrido na última sexta-feira, 25. 28/01/2019 - Foto: CRIS FAGA/PAGOS 

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A explicação para um lucro em alta frente à queda de vendas está no resultado financeiro das empresas, que melhorou 33,5%, explica o executivo-chefe comercial da Trademap, Einar Rivero – responsável pelo levantamento. No segundo trimestre de 2022, o saldo entre despesas e receitas financeiras era de R$ 53,8 bilhões negativos. No fim de junho deste ano, estava em R$ 35,8 bilhões negativos. Essa melhora só foi possível por causa da queda do dólar frente ao real.

No fim do segundo trimestre de 2022, a cotação da moeda americana era de R$ 5,24, e caiu para R$ 4,82 no final de junho deste ano. Trata-se de uma queda de 5,14%, em 12 meses. Isso reduziu o montante das dívidas em moeda estrangeira. “As empresas brasileiras têm muitos ativos e passivos em dólar. No ano passado, a dívida engordou por causa da valorização de 10,6% do dólar, e virou despesa financeira”, afirma Rivero. Agora, com a queda da moeda, foi possível um resultado melhor.

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Não fosse pelo efeito cambial e de alguns custos que caíram, o resultado do lucro líquido teria sido negativo. Prova disso é que o lucro bruto recuou, neste ano, 3,6%, para R$ 165,2 bilhões.

“Os resultados vieram de acordo com o que era esperado, um pouco piores do que os de 202o”, afirma o analista Marcos Kawakami, responsável por renda variável da BNP Asset Management. “Quando se fala do cenário doméstico, a Selic alta atrapalhou.”

Taxa Selic

Todos esses dados mostram um período desafiador para os negócios e para a economia, que sentiu os efeitos da alta taxa Selic, que estava estabelecida em 13,75% ao ano. No início do mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou o ciclo de afrouxamento da política monetária e reduziu em 0,5 ponto porcentual os juros básicos.

O início de ano mais turbulento no mercado corporativo por causa da recuperação judicial da Americanas, que anunciou rombo de cerca de R$ 20 bilhões (mais tarde revisado para cerca de R$ 40 bilhões), também teve reflexo no balanço das empresas. Isso porque essa volatilidade afetou o crédito e causou pressão de custos para as captações financeiras das empresas.

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Após o anúncio da Americanas, os bancos passaram a ser mais exigentes na concessão de financiamentos. Da mesma forma, as famílias, pressionadas por juros altos, sofreram com um alto grau de endividamento, prejudicando o consumo, analisa Marcos Kawakami, responsável por renda variável da BNP Asset Management.

Aliado a isso, outros fatores também contribuíram para resultados piores no segundo trimestre. No caso das varejistas de moda, o inverno mais quente que o esperado acabou sendo um grande vilão para as empresas. Na Lojas Renner, por exemplo, houve queda de 6,8% nas vendas (em lojas existentes no período de um ano) e a receita de varejo caiu 6%.

Para não encerrar o período com estoques altos, a empresa fez promoções para liquidar as peças que encalharam e, assim, viu a margem bruta cair 2,2 pontos porcentuais. O mesmo ocorreu na Guararapes, dona da Riachuelo, cuja receita líquida recuou 0,7% na comparação com o mesmo trimestre de 2022.


No caso das empresas ligadas às commodities, a guerra entre Rússia e Ucrânia teve reflexo importante. No início do conflito os preços subiram rapidamente. No segundo trimestre deste ano, no entanto, os preços estavam mais acomodados e até em baixa.

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A receita de vendas da Petrobras, por exemplo, que não está no levantamento da Trademap, somou R$ 113,84 bilhões no trimestre, queda de 33,4% ante a receita de R$ 170,96 bilhões do mesmo intervalo de 2022.

O lucro líquido da petroleira e da mineradora Vale caiu R$ 25 bilhões cada, e o do frigorífico Marfrig, R$ 5 bilhões. Dessa forma, se essas empresas forem incluídas no levantamento, o lucro líquido somado de todas as 298 empresas ficaria em R$ 66,8 bilhões, com queda de 43% frente ao segundo trimestre de 2022.

Edifício da Petrobrás, no Rio. Foto: André Dusek/Estadão

SETORES. O levantamento também apontou que 28 setores fecharam o período com lucro líquido e nove ficaram no prejuízo. Além disso, 15 apresentaram crescimento no lucro líquido e houve queda em 22 deles. O maior lucro acumulado ficou para as 37 empresas do setor de energia elétrica, com R$ 12,2 bilhões, no período, em relação aos R$ 8,6 bilhões do ano passado.

Elas foram seguidas pelo segmento de madeira e papel, um dos mais beneficiados pela menor despesa financeira por causa do dólar mais baixo. As cinco empresas desse setor tiveram lucro líquido de R$ 5,9 bilhões, frente a R$ 1,3 bilhão do mesmo período de 2022.

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O maior prejuízo líquido acumulado ficou com alimentos processados, que perdeu R$ 951 milhões, revertendo lucro líquido de R$ 4,5 bilhões, do segundo trimestre de 2022.

Surpresas

Os resultados de alguns setores surpreenderam. Segundo Kawakami, telecomunicações e saúde apresentaram balanços melhores do que o esperado. A construção civil para a baixa renda também demonstrou maior resistência a um ambiente pouco favorável. “Já o setor de tecnologia foi a surpresa negativa”, diz ele. “Por sua vez, o setor de consumo ficou bem balanceado, com algumas empresas piores do que o esperado.”

Para a segunda metade de 2023, o principal fator de incerteza deve vir da China, que enfrenta dificuldades para acelerar sua economia, algo que pode continuar pressionando os preços das commodities e afetando o Ibovespa. “Mas um dos fatores detratores dos resultados do segundo trimestre, a taxa de juros, agora deve começar a ajudar a contribuir de forma positiva para o lucro das empresas, depois que o Banco Central iniciou o movimento de corte da Selic”, diz Kawakami. “Olhando para os três fatores, receita, custo fixo e custo financeiro, vai haver uma composição melhor do que no segundo trimestre.”

Por fim, a expectativa de uma inflação mais controlada deve evitar que as empresas necessitem fazer repasses de preços, algo que pode estimular o consumo.

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