Demanda energética da Europa coloca Brasil como protagonista do powershoring, diz executiva do BNP

Florence Pourchet, uma das mulheres mais influentes do setor bancário internacional, comenta que o País chama a atenção, por causa da matriz elétrica limpa, do investidor internacional que busca fazer aportes ambientalmente sustentáveis

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: FELIPE IRUATA
Entrevista comFlorence Pourchetexecutiva responsável pelo relacionamento com clientes corporativos e institucionais do BNP Paribas na América Latina

A executiva francesa Florence Pourchet exerce uma das principais posições ocupadas por uma mulher entre os grandes bancos internacionais. Atualmente responsável na América Latina pela relação com os clientes corporativos e institucionais do BNP Paribas, ela está encarregada da função de estruturar a estratégia do banco francês para promover uma transição para investimentos ambientalmente sustentáveis, em alinhamento com as metas da União Europeia, e apoiar negócios que envolvem energias renováveis em detrimento de investimentos em fontes sujas.

Foi sob a sua coordenação que o BNP passou a evitar direcionar recursos a negócios que envolvem petróleo, para apostar em nascentes projetos de energias renováveis, uma transição rápida que, poucos anos atrás, parecia improvável em um grande banco. A meta do banco é reduzir o financiamento à produção e exploração de petróleo em 80% até 2030.

Na nova configuração planejada para a economia global, Pourchet afirma notar um interesse especial dos investidores internacionais por fazerem aportes no Brasil, em busca de “limpar” a pegada de carbono dos seus negócios.

Duas grandes tendências vêm atraindo recursos para a América Latina. De um lado, o México aproveita a migração de parte da indústria global que estava na China, para se tornar um grande beneficiado do surgimento do interesse pelo “nearshoring”. Trata-se da terceirização de parte da produção para países próximos (por isso, a palavra near, perto, em inglês) em contraste com o “offshore” – a terceirização internacional – das últimas décadas, que preconizava buscar o menor custo de produção e eficiência em qualquer parte do globo.

Hoje o país asiático enfrenta disputa geopolítica e comercial com os Estados Unidos, que preferem agora comprar produtos e insumos industriais de um parceiro próximo do que do rival.

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Florence Pourchet, chefe de banco de investimentos para America Latina do BNP Paribas Foto: Felipe Iruata / Estadão

De outro, o Brasil, se não tem conseguido aproveitar a onda do nearshoring, pode ganhar na atração de investimentos com a tendência de powershoring - que é a instalação de indústrias em locais com alto potencial de energias renováveis. Assim, empresas e investidores internacionais podem cumprir as suas promessas de diminuir as emissões de carbono, nas próximas décadas. Segundo Pourchet, essas duas grandes tendências já estão beneficiando os dois maiores países da América Latina. Leia os principais trechos da entrevista.

Como foram os resultados do BNP Paribas na América Latina, em 2023?

Em termos de desempenho em 2023 da área de banco de investimentos, com a qual trabalho, foi em geral um ano muito bom na América Latina. As receitas com os clientes cresceram 6%, o que é bom, apesar de ficar abaixo do que conseguimos nos quatro anos anteriores. Tivemos crescimento anual de 17%, desde 2019. Então, desaceleramos um pouco em 2023. Tivemos atividades bem fortes particularmente na área que chamamos de banco global, em especial, em financiar projetos de infraestrutura, financiar exportações e atividades de comércio. Mas tivemos um pouco pior de mercados globais no Brasil. Quando olhamos a região como um todo foi pior aqui, enquanto no restante dos países continuamos a crescer substancialmente.

Por que isso aconteceu aqui?

A explicação é que os mercados no Brasil estiveram fracos. O crédito estava escasso. A atividade foi um pouco menos dinâmica.

Quais as expectativas para 2024? Isso mudou?

Esperamos um crescimento substancial na região. Continuaremos investindo em financiar projetos e exportação em setores como os de energia, infraestrutura e em mídia e telecom. Esses são os três setores chave. Estamos investindo no México. Conseguimos uma licença de operação bancária no país há dois anos, e estamos na fase de ganhar escala. Esperamos nos beneficiar do avanço do nearshoring, sobre o qual todos estão falando.

Então, o nearshoring promovido pelos Estados Unidos já está beneficiando o México?

Vemos isso como um movimento real. Podemos sentir ele acontecendo. Não sabemos até onde ele vai e por quanto tempo, mas está ocorrendo uma migração de investimentos para lá. As empresas estão vendo a atividade explodindo em certas áreas, e percebem uma demanda por energia, logística e uso da terra, em particular no norte do país. Isso é bem visível, está acontecendo e obviamente investir no México agora é um bom negócio.

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E quanto ao Brasil para este ano?

Esperamos um ano melhor, porque os mercados estão de volta. Os juros estão baixando. Nossos economistas preveem um crescimento do PIB de 1,8%, com potencial de subir a 2%. Tudo parece estar no lugar para continuarmos crescendo no País.

Podemos aproveitar a tendência de nearshoring, como está acontecendo no México?

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O Brasil tem o necessário para atrair os investidores internacionais. Se falamos de nearshoring para o México, falamos agora sobre powershoring para o Brasil. Todas as condições estão aqui. Em alguns setores, o consumo de energia é absolutamente crítico, e ter a capacidade de produzir energia renovável próximo de centros urbanos muito grandes é bastante importante.

Aqui, então, os investimentos serão mais direcionados a energia? A agenda verde é o diferencial para o País?

Como em outros países, como o Chile, a agenda de sustentabilidade é muito forte. E podemos ajudar na transição energética. Por meio de como escolhemos nossos clientes ou como focamos no tipo de atividades para as quais vamos direcionar esses clientes, estamos sempre com a transição energética na cabeça. A agenda verde vai continuar a ser muito importante, ainda mais no futuro. O Brasil já é um país bastante verde em sua matriz energética, com mais 60% da energia sendo gerada por fontes hídricas. Isso não é algo necessariamente conhecido por todos, mas é importante mencionar que o Brasil está bastante avançado em energias renováveis. Além disso, há muitos investimentos acontecendo em energia solar e eólica. Vemos grandes investidores internacionais, principalmente europeus, vindo para cá, como a EDP, a EDF e a Engie. O foco em fontes renováveis é muito forte na Europa, e isso explica o apetite das empresas de energia europeias para virem investir no Brasil.

SAO PAULO 01-2-2024 BNP Paribas ECONOMIA NEGOCIOS LINK PME BROADCAST AGRO Florence Pourchet chefe de banco de investimentos para America Latina do BNP Paribas FOTO FELIPE IRUATA/ESTADAO Foto: FELIPE IRUATA

Existe uma preocupação de que o quadro fiscal brasileiro seja preocupante. Isso não pode afastar esses investimentos internacionais?

Entendo que esse é tópico bastante quente por aqui, e que é um pouco político. Prefiro deixar para meus colegas que conhecem melhor esse ambiente avaliarem isso.

Esse não é um dos primeiros temas que o investidor internacional pensa quando se fala sobre o Brasil?

É sustentabilidade e infraestrutura. São dois setores claramente proeminentes. Também nem precisamos citar os agronegócios. Afinal, o mundo precisa de alimentos, precisa de energia e de infraestrutura. O Brasil é conhecido por isso.

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Sob a sua liderança, o BNP Paribas deu uma guinada para investimentos verdes. Como isso aconteceu?

O grupo começou a focar no tema em 2011, quanto criou uma área dedicada a sustentabilidade. E a alta direção começou a pressionar para avançarmos no tema, o que era bem raro 13 anos atrás. Havia uma real convicção que, como uma instituição financeira, tínhamos um papel a cumprir, incentivando empresas a tentarem fazer investimentos mais verdes. Essa equipe de sustentabilidade hoje é menor, uma vez que várias pessoas dela foram transferidas para áreas operacionais e de negócios do banco. Então o tema agora está impregnado na instituição.

Algumas metas de investimentos foram anunciadas?

Foram decisões graduais. Primeiramente, definimos políticas sobre em quais empresas não poderíamos investir, por não serem verdes o suficiente. Então, em 2015, decidimos que deixaríamos de investir em gás de xisto, assim como em produção em areias betuminosas no Canadá. O mercado ficou surpreso na época, porque fomos os primeiros a decidir assim e significava cortar parte do nosso negócios. Mas também mostrou que éramos sérios nos nossos objetivos de sustentabilidade. Recentemente, cerca de um ano atrás, anunciamos novas medidas, e que não vamos mais financiar e trabalhar com empresas puras de exploração de petróleo. Também vamos reduzir em 80%, até 2030, a nossa exposição a extração de petróleo e, em 30%, em gás. Queremos que todos os nossos clientes rastreiem, até 2025, as suas cadeias de produção, para que não ocorra desflorestamento da Amazônia. Fomos criticados por não fazer o suficiente, mas precisamos dar esse tempo para que os clientes possam se adaptar a essas regras. E 2025 está próximo. Estamos movendo nossa alocação de setores em que não queremos estar para setores em que queremos estar no futuro.

Como vão os negócios na Argentina?

A Argentina é um caso bastante especial. Atuamos lá por mais de 100 anos. No Brasil, chegamos nos anos 1950. Estivemos bastante cautelosos com a Argentina pelos últimos 20 anos, e vamos continuar cautelosos. É sempre um pouco da mesma coisa, incluindo os problemas inflacionários, mas estamos acompanhando a situação.