Num cenário de baixo nível de investimentos e pouca folga fiscal do governo federal para aumentar os gastos públicos, o desafio para modernizar a infraestrutura brasileira ganha uma proporção ainda maior. Um caminho defendido pelo Ministério dos Transportes é estimular a iniciativa privada para encabeçar os projetos de melhorias de estradas e ferrovias que escoam a produção da economia.
Segundo o secretário-geral do ministério, George Santoro, a agenda de licitações vai se acelerar nos próximos meses, e ela já conta com mais interessados em participar dos leilões. “Queremos passar de 14 mil km para 30 mil km de concessões de rodovias”, afirma. “O volume de investimentos só em rodovias vai ser superior a R$ 200 bilhões, talvez R$ 250 bilhões, pelos próximos seis anos.”
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Leia os principais trechos da entrevista.
Por que a infraestrutura do Brasil está em uma das piores situações da sua história, em comparação com o PIB?
O período entre 2017 a 2022, com a regra fiscal do teto de gastos, foi de investimento público muito contido. Outras despesas acabaram preenchendo o limite quase completo, e não sobrou para investimentos. Era importante alguma contenção de despesas, como o exigido pelo teto, para se forçar um ajuste das contas, mas o ajuste acabou não sendo nas despesas correntes. Na área de transportes, o período até 2022 teve o pior nível de investimentos da história do País. Agora, estamos saindo de um valor médio de investimentos, em números reais, de R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões anuais, para R$ 15 bilhões por ano. É quase três vezes mais só em investimento público. O nível da malha rodoviária caiu para o pior da história. Agora, já recuperamos um pouco disso. A malha rodoviária responde rapidamente a investimentos. Estávamos com centenas de obras paradas e já retomamos quase todas. As que ainda não voltaram foi por questão de projeto. O ministério está com uma agenda muita intensa. O governo tem um limite (de investimentos), por que temos de respeitar a regra fiscal. Esse valor de R$ 15 bilhões é suficiente? Jamais. Preciso trazer o setor privado.
Como isso vai acontecer?
A agenda mais importante do que a de obras é a agenda das concessões públicas. Na média dos últimos seis anos tivemos 1,5 concessão por ano. Nos últimos 35 anos, foram 26 contratos de concessão.
Como acelerar esse programa de licitações?
Mudamos a modelagem de projetos, reduzimos o tempo de apreciação deles no Tribunal de Contas da União com a padronização de instrumentos. Todos os contratos são padronizados agora. Os últimos 26 contratos eram todos diferentes. No ano passado, em maio, o ministério publicou 35 leilões de rodovias e ferrovias. Fizemos roadshows no exterior. Assim, conseguimos fazer quatro leilões no ano passado, sendo que o da BR-381 (rodovia de Minas Gerais) deu deserto (sem propostas). Repetimos este ano a licitação, que agora deu certo. E teremos seis leilões em dezembro. Ao todo, serão dez contratos novos neste ano. E pegamos 15 contratos antigos para rediscutir acordos, reequilibrar os contratos e colocar para dentro dos projetos. Fecharemos o ano com 11 acordos aprovados. Então, ao todo, desde o início do governo serão 46 novos contratos de investimentos. A meta é ter mais. Queremos ampliar a participação das concessões. Queremos passar de 14 mil km, ao início do governo, para 30 mil km concedidos. O volume de investimentos só em rodovias será superior a R$ 200 bilhões, talvez R$ 250 bilhões, pelos próximos seis anos.
E o plano de ferrovias?
Temos um estudo de investimentos a ser apresentado. Há atualmente consultas públicas para três leilões. Temos uma agenda de otimização de contratos. Remodelaremos contratos da Malha Oeste (que corta o Mato Grosso do Sul até São Paulo). Haverá quase 500 km de trilhos modernos, com a rebitolagem de um grande trecho e serão construídos quase 100 km novos de trilhos, para atender a demanda de produção no Brasil.
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Muitas empresas que participam de projetos de obras e concessões pedem mais acesso a investimentos. Por isso, o BNDES tem participado tanto com anúncios de linhas de financiamento?
Há um esforço para facilitar o financiamento. Fizemos mudanças nas debêntures incentivadas. O BNDES reconheceu novos contratos, de editais, o que dá mais segurança (para investimentos). Tem novos financiamentos de projetos, sem exigir garantias adicionais.
Mas uma das principais reclamações das empresas sobre as dificuldades de participar dos leilões é por não terem garantias para dar para poderem assinar os contratos. Muitas delas venderam ativos após investigações da Operação Lava Jato. Como elas podem participar das licitações tendo pouco o que oferecer como garantia?
Quando chegamos aqui em 2023, só havia duas empresas indo a leilão: a Ecorodovias e a CCR participaram de todos os leilões dos últimos seis anos. Nos últimos leilões, já entraram quatro ou cinco empresas. As companhias estão com os balanços estressados, com endividamento alto. A gente reduziu a necessidade de colocar equity nos projetos. E também passamos a trazer sustentabilidade para os projetos, o que não tinha no Brasil. As empresas europeias da OCDE poderão vir para competir no Brasil, por que elas precisam respeitar essas regras. Estávamos desde 2007 sem uma estrangeira ganhar um leilão. E recentemente entrou o (grupo francês) Vinci (que ganhou, em setembro, a concessão da Rota dos Cristais, que vai de Cristalina, em Goiás, a Belo Horizonte). As empresas deixaram de poder participar das concorrências depois da Lava Jato. Quando puderam voltar, o setor não conseguia absorver os projetos. Mas não é possível que a Colômbia esteja fazendo um ciclo de concessões de US$ 50 bilhões (R$ 284 bilhões) em sete anos e a gente não consiga atrair empresas, tendo uma economia muito maior.
Como atrair novo investimento? Se esperava que as empresas estrangeiras poderiam preencher o vácuo deixado pelos grupos brasileiros donos de empreiteiras envolvidos na Lava Jato, o que não aconteceu.
Trabalhamos muito com mercado financeiro. Este mês, fizemos reunião com 15 gestores de fundos de investimentos, que colocam dinheiro no private equity. É a turma que financia, que compra debêntures. Fizemos mais de 500 reuniões em dois anos. Precisamos receber as empresas já que qualquer detalhe pode fazer uma companhia disputar ou não num leilão. O filé já foi leiloado. Agora, são coisas novas, áreas novas de expansão agrícola. Tem de ser mais criativo, mais transparente, e construir uma agenda bacana.
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