‘A vida do consumidor de baixa renda é melhor no interior’, diz CEO de construtora do MCMV

Empresa aposta na força do mercado imobiliário do interior paulista, planeja dobrar receita até 2026 e avalia propostas de aquisição

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Foto do author Lucas Agrela
Foto: Caio Balducci/Divulgação/Grupo ADN
Entrevista comPedro DonadonCEO do Grupo ADN

Na visão de Pedro Donadon, presidente do Grupo ADN, as grandes empresas do setor imobiliário têm dificuldade ou simplesmente não atuam no interior de São Paulo por causa das particularidades de cada cidade. Por isso, essas companhas mantêm grande parte dos lançamentos na capital paulista, como acontece com nomes como Cyrela, Trisul, Cury e Plano&Plano.

Fundado há 13 anos em São Carlos (SP), no interior de São Paulo, o Grupo ADN concentra a maior parte dos projetos no escopo do programa Minha Casa Minha Vida em cidades como Campinas, Sorocaba, Araraquara, Piracicaba e Ribeirão Preto.

“Em São Paulo, as empresas já lidam com toda a legislação e têm uma previsibilidade maior sobre as vendas por causa de um volume gigantesco (do mercado). No interior, nem sempre a legislação é tão madura e os projetos podem depender de questões técnicas”, diz.

A empresa prepara R$ 800 milhões em lançamentos para 2024, repetindo o número de 2023. Após aumento do endividamento durante a pandemia de covid-19, o Grupo ADN mantém o foco agora em um ritmo de crescimento sustentável para não abrir mão da qualidade dos projetos, que têm apartamentos de 40 m² a 50 m² com vagas de garagem, elevador e espaços de lazer nos condomínios.

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Para o CEO, a vida do consumidor de baixa renda é melhor no interior do Estado. “Há menos problemas com violência, menos trânsito, menos problemas com transporte e maior proximidade com a família. Esses fatores puxam o crescimento das cidades e o mercado imobiliário precisará produzir novas unidades”, afirma.

A melhora prevista nas finanças corporativas em 2024, a contratação de um conselho administrativo e de uma auditoria colocam a empresa em uma trajetória rumo a aquisições por negócios maiores, que está no radar da empresa. A abertura de capital, diz Donadon, ainda está distante da realidade, mas a hipótese não é descartada.

Leia os principais trechos da entrevista a seguir.

Pedro Donadon, CEO do Grupo ADN, empresa especializada no mercado imobiliário do interior de SP Foto: Caio Balducci/Divulgação/Grupo ADN

Quais são as cidades que estão na mira da empresa em 2024?

Começamos em São Carlos e exploramos bastante o mercado de Araraquara. Nos últimos anos, estamos crescendo muito nas maiores cidades do interior de São Paulo, como Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto e Piracicaba. Temos feito uma expansão maior nessas cidades, que são municípios nos quais conseguimos oferecer todos os nossos produtos. Ao longo dos 13 anos de empresa, percebemos que o Brasil é muito instável. São muitas mudanças. Nos últimos cinco anos, os juros oscilaram absurdamente, o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) se comportou de forma diferente a cada mês, e também vimos impactos da renda e do financiamento. São fatores externos que nos afetam e temos de nos adaptar a todo momento. A nossa estratégia é dinâmica. Nos adaptamos aos momentos. A estratégia do Minha Casa Minha Vida pode ser que dê certo até o final deste governo, temos um landbank (portfólio de terrenos para incorporação imobiliária) legal para isso, mas também olhamos para outras possibilidades, como o médio padrão. Se os juros chegarem a 8%, o mercado do médio padrão pode ser importante. Às vezes, precisamos tomar decisões difíceis, como adiar lançamentos imobiliários.

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Em quais mercados do interior de SP a demanda cresce muito além da oferta de imóveis?

Todas as cidades com mais de 100 mil habitantes em São Paulo estão em expansão. Especialmente, aquelas que têm acesso a rodovias bem estruturadas. Isso ainda é um efeito do pós-pandemia, que levou as pessoas a buscarem qualidade de vida, trabalhando de forma remota ou pelo menos híbrida. Percebemos que houve uma aceleração de um fenômeno que já estava previsto, que era o crescimento maior do interior do que o da capital. São Paulo tem problemas complexos, como trânsito, segurança e falta de desenvolvimento urbano. As pessoas e as empresas perceberam que o interior oferece mais qualidade de vida. Por isso, muitas companhias transferiram a operação para o interior, aproveitando também a mão de obra mais barata. A vida da população de baixa renda também é melhor no interior. Há menos problemas com violência, menos problemas com transporte e maior proximidade com a família. Esses fatores puxam o crescimento das cidades e o mercado imobiliário precisará produzir novas unidades. Porém, há cidades que ainda não conseguimos atender com todos os nossos produtos dentro do programa Minha Casa Minha Vida.

Por que as grandes empresas do ramo imobiliário têm dificuldade de operar no interior de São Paulo?

Várias grandes empresas tentaram explorar esse mercado e não tiveram muito sucesso. A grande verdade é que o negócio imobiliário é local. Em São Paulo, as empresas já lidam com toda a legislação e têm uma previsibilidade maior sobre as vendas por causa de um volume gigantesco. No interior, nem sempre a legislação é tão madura e os projetos podem depender de questões técnicas. São diversos aspectos particulares de cada cidade que impõem dificuldades para as empresas desenvolverem seus projetos. Cada cidade é única e é necessário conhecer cada uma delas. Temos o benefício de estar posicionado em uma região estratégica, que nos coloca a 200 km de todas as cidades nas quais atuamos. Eu visito todos os terrenos em que vamos lançar empreendimentos. Empresas grandes não respeitam todo o ciclo de desenvolvimento do mercado, não gastam tempo o suficiente para entender as cidades. Seria como tentarmos ir ao nordeste. Empresas locais já estão lá. Todos são projetos para o programa Minha Casa Minha Vida, mas tem as particularidades específicas de cada mercado. Hoje, só a MRV tem alcance nacional. A Cyrela tem parcerias com empresas locais.

Qual é a importância das mudanças do Minha Casa Minha Vida, como a ampliação do teto de financiamento para até R$ 350 mil e aumento do subsídio, para o negócio?

Temos o maior porcentual de vendas dentro do programa Minha Casa Minha Vida em praticamente todas as nossas cidades. Recentemente, montamos uma marca para atuar no médio-alto padrão. Com isso, desenvolvemos um landbank para esses empreendimentos. Com a mudança do programa Minha Casa Minha Vida, os projetos puderam ser encaixados dentro da faixa 3, dentro do teto de R$ 350 mil. Com a queda dos juros, poderemos explorar o mercado com imóveis de até R$ 500 mil. Temos uma diversificação grande de produtos mesmo dentro do Minha Casa Minha Vida. Tentamos explorar ao máximo as praças que temos, porque entrar em novos mercados exige muita energia. Precisamos estudar o plano diretor, conhecer as imobiliárias, entender os bairros e o perfil de renda dos consumidores. Atuando mais nas mesmas cidades, conseguimos aproveitar melhor os times de engenharia locais. O que fazemos, então, muitas vezes, é ajustar os projetos para ter o melhor possível.

A empresa atua junto ao poder público de cada cidade no interior de SP para desenvolver os bairros?

Temos uma visão de desenvolvimento do entorno do empreendimento. Sempre tentamos pensar junto com o poder público na infraestrutura do bairro, planejar isso para que moradores e vizinhos não tenham impactos e sejam atendidos pela infraestrutura. Seja com obras de contrapartida, de infraestrutura externa, tentamos priorizar junto ao poder público as obras mais necessárias para que o empreendimento seja bem atendido pela infraestrutura e minimize o impacto na região. Mas temos de dois a três anos para fazer essas obras. Não necessariamente é outorga onerosa. Pode haver algo previsto no plano diretor, como ampliação de rede de esgoto ou algum reforço de infraestrutura.

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Qual é a estratégia de diferenciação dos projetos nas cidades?

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Boa parte dos nossos empreendimentos têm elevador, o que é um diferencial no interior. Todos os apartamentos, dos mais básicos aos mais sofisticados, têm varandas. Oferecemos loja de conveniência autônoma, espaço para churrasqueira, local para lavar o carro e espaço para animais de estimação. Estamos trazendo práticas sustentáveis aos nossos projetos também. Somos uma empresa local, com custo operacional mais baixo, e conseguimos oferecer um produto melhor para o nosso cliente.

Qual é o tamanho médio dos apartamentos que a empresa vende atualmente?

O tamanho de apartamentos em projetos para o Minha Casa Minha Vida é entre 40 m² e 42 m² . Para a faixa mais alta do programa, o tamanho é perto de 50 m². Temos algumas plantas de 60 m², que são voltadas para o mercado de até R$ 500 mil. Mas esses últimos ainda estão no forno, porque a taxa de juros não está ideal e o financiamento está escasso. Com o juro alto, houve saques recorrentes da poupança nos últimos anos. Por isso, o financiamento fora do Minha Casa Minha Vida está mais escasso. Estamos aguardando o cenário melhorar um pouco.

As vagas de garagem ainda são muito importantes para quem compra imóvel no interior de SP ou isso vem mudando?

Praticamente todos os projetos têm 100% de vagas. Em Campinas, exploramos algumas regiões sem vagas. Mas mantemos um porcentual de, no máximo, 30% sem vagas. Essa é uma prática nossa do interior. As empresas que vêm de São Paulo fazem projetos sem vagas. A infraestrutura de transporte do interior ainda não atende tão bem o consumidor, as pessoas não têm a cultura de não ter carro. Então, somos mais conservadores com essa premissa do que outras empresas. Recentemente, lançamos um empreendimento em frente à universidade PUC II, em Campinas, onde nossos concorrentes trabalhavam com projetos sem vagas e tinham muito estoque, levando a venda de apartamentos com grandes descontos. Lançamos o prédio com 600 unidades com vagas e as vendas têm sido muito rápidas. Havia uma demanda muito grande de apartamentos com vagas na região. É fundamental ouvir o que as pessoas querem e manter o pé no chão em relação às tendências que, às vezes, estão à frente do que a cultura das pessoas permite.

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Qual foi a receita do Grupo ADN em 2023? Há meta de crescimento?

A receita de 2023 foi de R$ 400 milhões. Nossa meta é dobrar esse valor até 2026. Ao manter o número de lançamentos estabilizado, aumentaremos o número de vendas, mas demora um tempo para esse volume chegar, o que deve acontecer até 2026.

Como foi atravessar o período da pandemia de covid-19?

Passamos por mudanças bem relevantes que atrasaram os nossos lançamentos, mas que foram fundamentais para colocar os nossos projetos de novo em uma faixa de marketing aceitável. Uma das nossas forças é a agilidade de reagir às mudanças.

Como está o endividamento da empresa agora?

A empresa precisou aumentar um pouco o endividamento. Foram anos em que os resultados ficaram um pouco piores, em função da alta dos custos. Para este ano, projetamos um resultado bem melhor, e a apuração vem melhorando bastante até 2026. Melhoramos também nossos custos fixos em relação ao faturamento. Ou seja, buscamos eficiência operacional e o nosso endividamento vai ser reduzido nos próximos anos.

Com esse foco na melhora das finanças e crescimento controlado do negócio, a abertura de capital está no radar da empresa?

O IPO ainda está distante do nosso cenário. Focar nisso agora seria uma distração e nos faria perder o foco na operação. No entanto, estamos desenvolvendo nossa governança para estarmos preparados para oportunidades no mercado de capitais. Em 2021, fizemos nossa estreia com CRIs (certificados de recebíveis imobiliários) e estruturamos um conselho de administração. Temos auditoria há três anos. A empresa vem sendo procurada por outros players para uma operação de M&A. Estamos abertos ao diálogo, mas não é esse o nosso foco, que é melhorar os resultados e a governança. Quando aparecer uma oportunidade interessante, queremos estar prontos. Muitas empresas olharam para esse sonho do IPO e gastaram rios de dinheiro, perderam o foco e não conseguiram fazer o IPO, se colocaram em situações muito difíceis. Tentamos não cometer os mesmos erros, indo um degrau de cada vez.

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